sábado, 25 de janeiro de 2020

33 ANOS DA MORTE DE NAHUEL MORENO:  A TRAJETÓRIA REVISIONISTA DO FUNDADOR DA LIT... SEU LEGADO GEROU UMA CORRENTE QUE VEM SENDO CASTIGADA POR RUPTURAS EM FUNÇÃO DA ABERTA ADAPTAÇÃO AO IMPERIALISMO


Em 25 de janeiro de 1987, há 33 anos atrás, morria em Buenos Aires Hugo Miguel Bressano Capacete, conhecido na esquerda trotskista mundial como Nahuel Moreno. Sua militância política iniciara-se muito cedo em meio à efervescência operária dos anos 40, quando aos 20 anos de idade ajudou a fundar um pequeno núcleo político-sindical denominado Grupo Operário Marxista (GOM). Em quase 50 anos de militância foi o responsável pela fundação de várias organizações revisionistas na Argentina e América Latina, além de exercer influência sobre pequenos agrupamentos em outros países no qual desembocara a sua última “obra” a LIT. Para entendermos um pouco o pensamento de Moreno é necessário aportarmos à crise que se abateu sobre a IV Internacional após a morte de Leon Trotsky, em razão da inexperiência e debilidade da direção política. Ou seja, como Trotsky prognosticara, a Segunda Guerra Mundial provocou um enorme ascenso revolucionário na Europa e em várias regiões do planeta, no entanto os dirigentes da Quarta, Mandel, James Cannon, Joe Hansen, Pierre Frank, Michel Pablo, Lívio Maitán, Pierre Lambert, Gerry Healy e outros, não se colocaram à altura de suas tarefas, uma vez que esta não se tornou uma organização de massas, posto que segundo Moreno vários prognósticos de Trotsky para o período não se confirmaram. Moreno passa em razão deste “fracasso” a elaborar suas próprias explicações para os novos fenômenos surgidos no pós-guerra, as chamadas “atualizações programáticas” do Trotskismo. Estas supostas “atualizações” do Programa de Transição resultaram na síntese do revisionismo Morenista, tendo como ápice desta nova “teoria” a caracterização das chamadas “revoluções democráticas ou políticas”, quase sempre movimentos reacionários, manietados pelo imperialismo, dirigidos contra os Estados operários ou regimes nacionalistas burgueses.

Seus herdeiros no Brasil, o PSTU, a CST e residualmente a Resistência (um agrupamento meio Morenista, meio social-democrata), avançaram desde sua morte na política de alianças com o imperialismo contra o “autoritarismo stalinista” ou o que dizem ser “ditaduras sanguinárias” nacionalistas burguesas como Assad na Síria ou Maduro na Venezuela. Na verdade toda uma camada de militantes da “nova geração” das correntes que ainda reivindicam o Morenismo sequer foi educada sob as bases programáticas do Trotskismo, estão em plena sintonia com o discurso vazio do “novo” e da busca de uma “nova práxis”, o que significa realmente um desconforto da pequena- burguesia com a mínima disciplina partidária bolchevique, considerada uma peça arcaica de museu ou mesmo um libelo do “autoritarismo stalinista”, mais ainda reivindica formalmente pelos “velhos Morenistas”. Este nicho da esquerda revisionista forjada ideologicamente na era pós-soviética, aderiu a democracia como um valor universal, para eles bem superior politicamente a qualquer regime dos Estados Operários, considerados como o foco da falta de liberdades e irradiador do pensamento dogmático e conservador de uma “esquerda ultrapassada”. Fenômenos partidários como o PSOL, PODEMOS etc... são a genuína referência destes militantes e das organizações “Morenistas” 33 anos após a morte de seu “mestre”. O PSTU brasileiro encabeça a defesa da plataforma pró-imperialista escandalosa que a LIT adotou no mundo. Na Venezuela unem-se a direita nas ruas para derrubar Maduro! A LIT declara “Fora Maduro” e afirma que “A cada dia, mais e mais setores chegam à conclusão de que com este governo não há saída e que a Venezuela não tem futuro... Aumenta a cada dia aqueles que dizem Fora Maduro! O povo diz: “Maduro, vá embora já!”.” (Sitio LIT, 08.06). A CST (UIT) apregoa “AS RUAS!! Pela saída de Maduro” (06.06), com os Morenistas fazendo claramente o jogo da reação burguesa, do fascismo e dos EUA. Trata-se de uma Frente Única pró-imperialista com a OEA, o Grupo de Lima, Trump, Macri e Bolsonaro que neste momento executa um golpe de estado... As próprias massas precisam ultrapassar as limitações da política nacionalista burguesa do Chavismo ou este acabará sendo derrotado pela reação pró-imperialista no curso de concessões cada vez maiores para tentar inutilmente “equacionar” os conflitos. Entretanto nossa crítica Marxista se dá na trincheira de luta anti-imperialista, denunciando as limitações do chavismo e a necessidade de superá-lo pela via da revolução socialista e não como fazem os filisteus do MES, PSTU e CST fazendo coro com Trump e Bolsonaro contra Maduro, ou seja, de mãos dadas com o imperialismo ianque e seus vassalos!  

A LIT/PSTU “surpreendeu” recentemente na Bolívia. Depois de apoiar o golpe institucional contra Dilma em 2016 no Brasil ao comemorar o impeachment da petista como uma “grande vitória dos trabalhadores” e se unir à direita nas manifestações pelo “Fora Maduro” na Venezuela até recentemente,os Morenistas declaram “Abaixo o golpe na Bolívia! Organizar a resistência para derrotar o golpe! Por eleições livres!” (11.11.2019). Olhando à primeira vista, tudo levaria a crer que a LIT/PSTU fizeram na Bolívia uma “autocrítica na prática” da vergonhosa conduta pró-imperialista que tiveram no Brasil e Venezuela, para não falar da Líbia e Síria onde se emblocaram com a OTAN e seus “rebeldes” para derrubar os governos nacionalistas burgueses de Kadaffi e Assad em nome do apoio a falsa “Revolução Árabe made in CIA”. Nada disso, ledo engano! Antes de mais nada é preciso lembrar que a LIT-PSTU continuam afirmando não ter havido golpe institucional no Brasil e seguem defendendo a derrubada de Maduro (que neste momento só pode vir pelas mãos da direita), vociferando que o presidente venezuelano é um “ditador sanguinário”. Na Bolívia, apesar de caracterizarem que “Foi consumado um golpe contrarrevolucionário na Bolívia, dirigido por Camacho, as Forças Armadas e a polícia, que manobraram e se utilizaram de uma mobilização popular, no início progressiva, contra a fraude eleitoral feita por Evo Morales” os Morenistas não abstraíram as conclusões políticas e tarefas necessárias para derrotar a reação neofascista em curso no país altiplano. Ao contrário, caracterizam que as mobilizações inicialmente tiveram um caráter “progressivo e democrático” contra a suposta fraude eleitoral organizada pelo MAS, protestos que deveriam ser apoiados mesmo que dirigidos pela direita. Nesse sentido a LIT declara “Todos os processos com esse grau de polarização têm elementos confusos e contraditórios. A mobilização contra a fraude eleitoral tinha em seu início um caráter progressivo, porque tinha um conteúdo democrático contra o governo burguês de Evo. Apesar de haver elementos reacionários com a presença de uma direção burguesa, como Mesa. Surgiram mobilizações no início de classe média, e depois começaram a abranger setores populares mais amplos”. Esse fictício cenário supostamente “confuso e contraditório” montado pelos Morenistas é o mesmo que eles criaram como justificativa para apoiar as manifestações reacionárias na URSS e nos Estados operários do Leste Europeu que desembocaram na restauração capitalista nos antigos estados operários ou, mais recentemente na Ucrânia, enquanto neofascistas encabeçavam uma “revolução” (segundo a LIT) e derrubavam as estátuas de Lênin. Assim também a LIT/PSTU atuou na Líbia chamando a “disputar” com os monarquistas seguidores do Rei Idris os protestos direitistas em Benzagi contra Kadaffi. Trata-se de uma farsa o que dizem ter ocorrido na Bolívia! Desde seu início, quando entrou em uma espécie de convulsão social devido a convocação de uma greve nacional e uma marcha para cercar La Paz, iniciativa dos governadores departamentais da oposição de direita (Santa Cruz e outros), com o apoio de Carlos Mesa e o aval da OEA, ficara evidente para os Marxistas Leninistas que estava em andamento na Bolívia um processo de desestabilização do governo Evo Morales rumo a um golpe de estado ou, no mínimo, para obrigar a convocação de novas eleições a fim de que a vitória nas urnas fosse de Mesa ou de um candidato ainda mais à direita. A famigerada OEA, que supervisionava todo o processo eleitoral, já havia “aconselhado” Morales a aceitar uma segunda volta, independente dos votos depositados nas urnas (soberania popular). Ocorreu que Carlos Mesa e o arco político da extrema direita comandado por Camacho intensificaram o cerco a Morales, com ações violentas e terroristas com incendiar as sedes de vários tribunais regionais eleitorais e locais partidários do MAS, acabando por ganhar o apoio da polícia, das FFAA e da Casa Branca, o que levou à renúncia de Morales e sua fuga covarde para o México. Registre-se que nesse contexto, em uma postura muito similar aos Morenistas da LIT, que se juntaram ao imperialismo na Líbia, Brasil e Venezuela para supostamente combater os governos nacional reformistas, o POR Lora somou suas forças (sindicais e partidárias) com a oposição de direita a Evo Morales em nome de “disputar as massas”. Como não havia nada de “progressivo” nos protestos, como alega a LIT/PSTU, alertamos como Marxistas Leninistas que estabeleceram a oposição operária e camponesa aos governos de Frente Popular, não admitir qualquer “unidade de ação” com a extrema direita para “derrubar os reformistas do poder”, como defendem os revisionistas do Trotskismo que desgraçadamente enxergam “revoluções” dirigidas pela CIA e a OTAN. Atuamos com esse princípio leninista mais uma vez na Bolívia, tudo o oposto do que fizeram os filisteus que maculam a bandeira da IV Internacional!

Não satisfeitos em dar um verniz “progressivo” as manifestações da direita, a LIT/PSTU apontaram como solução para a crise o chamado a convocação de “Eleições livres!” afirmando “Defendemos eleições livres na Bolívia, sem restrição alguma. Não aceitamos a proibição da candidatura de Evo ou de qualquer candidatura do MAS, que é o que o novo poder golpista está tramando. Defendemos eleições livres para todos os trabalhadores e quaisquer setores que queiram participar”. Eleições livres!... não era essa a exigência justamente da direita e da OEA quando Evo estava à frente do governo, acusando-o de fraudar e manipular as eleições que justamente por isso “não eram livres”? Agora que houve um golpe de estado orquestrado por Trump e as FFAA falar em “eleições livres” não é somente uma piada de mau gosto, mas uma manobra distracionista para legitimar o “putsch" contrarrevolucionário na medida que vai dar um verniz constitucional e legal a ação tramada pela direita, polícia e as FFAA com o apoio de Trump e seu ministério de colônias! Tanto que acaba de ocorrer a posse de uma “presidente interina”, Jeanine Áñez, com a suposta missão de organizar as eleições como pede a LIT enquanto as massas protestam em La Paz. Nesse sentido, a golpista Áñez declarou “Trata-se de levar adiante o processo e convocar eleições o mais rápido possível”. A LBI denunciou desde a disputa presidencial de 20 de outubro que as eleições burguesas na atual etapa histórica do capitalismo, não expressam mais a verdadeira soberania popular da época da revolução democrática, ao contrário são um instrumento de fraude permanente (eletrônica) do voto universal. Na Bolívia nossa caracterização se confirma dramaticamente, ou seja, como a oposição conseguiu mobilizar a população nas ruas foi vitoriosa, independentemente do resultado eleitoral. A única certeza que se tem neste momento é que a burguesia está em pleno controle da situação política do país, para dar sequência ao projeto neoliberal que hegemoniza o cenário econômico do altiplano andino, sendo o chamado a “novas eleições” no marco do regime golpista extremamente funcional a direita e ao imperialismo, como demonstrou as “eleições” em Honduras, Paraguay e Brasil ocorridas após golpes institucionais, onde a extrema-direita assumiu facilmente a presidência desses países para levar adiante um duro ajuste neoliberal contra as massas, recorrendo a regimes de exceção como o de Bolsonaro/Moro no Brasil. Definitivamente, a LIT/PSTU foram novamente reprovados nesse novo “teste ácido” da luta de classes, em sua maneira “peculiar” de combater o golpe de estado na Bolívia!

Não por acaso, o PSTU festejou o afastamento de Dilma pelas mãos da direita em 2106, acrescenta o Brasil na longa lista de países em que esta corrente internacional, estabeleceu no último período unidade política com o imperialismo e a reação burguesa contra governos frente populistas, reformistas e nacionalistas como na Líbia, Síria, Ucrânia, Egito, Venezuela e mais recentemente no Brasil. O PSTU defendeu a prisão de Lula afirmando que é um corrupto burguês, ao mesmo tempo que declarou que esta tarefa cabe a famigerada Lava Jato, uma operação jurídico-policial organizada pelo imperialismo para desmontar a Petrobras. Ao final, em um giro de 180º próprio das tradições oportunistas do Morenismo, chamou a apoiar o candidato presidencial do PT em 2018.

Ao contrário do PSTU, todo Marxista deve ter como princípio que as instituições da República Capitalista não servem para a luta da classe operária, Lula representa uma ala da burguesia que se chocou com os interesses do setor das classes dominantes diretamente ligada aos interesses econômicos dos EUA, por isso a Lava Jato surgiu para “descobrir” corrupção na Petrobras e nos dirigentes petistas, enquanto não “descobriu” nada em relação ao PSDB que tentou destruir a maior empresa estatal do país. A condenação de Lula pelas mãos do imperialismo não teve nada de progressiva e tampouco de democrática, não estão condenando Lula pelos privilégios de um burocrata que tem um padrão de vida de um próspero pequeno burguês, e sim pelo projeto petista de se “esforçar” inutilmente para impulsionar uma burguesia nacional. Por esta razão o Imperialismo liquidou o segundo governo de Vargas e o de Dilma. Trotsky não tinha nenhuma simpatia por Vargas ou pelo general Cardenas no México (ambos nacionalizaram o petróleo em seus países), porém afirmou exaustivamente que diante de um confronto entre o Imperialismo e o nacionalismo burguês cerraria fileiras com este último. Os Morenistas do PSTU desconhecem esta lição do Leninismo e cansam de estabelecer unidade de ação com o Imperialismo, seja na Venezuela, Síria ou criminosamente na Líbia onde aplaudiram a devastação do país pelas bombas da OTAN. Por isso, outros agrupamentos chamam o PSTU para que também seja coerente aqui no Brasil e faça unidade com a reação burguesa em terras nacionais. Nada mais normal quando se lê o que escreveu Eduardo Almeida, dirigente do PSTU e da LIT: “Acaso a diferença de tratamento da justiça burguesa em relação ao PT, nos deve fazer defender o PT? Ao contrário. Nós defendemos a prisão e expropriação dos bens de todos os corruptos. E isso significa exigir a prisão de Lula e também de Aécio e Renan pelo envolvimento na Lava Jato, de Alckmin pelo roubo da merenda escolar, e assim por diante. Ter uma política diferente nos tornaria cúmplices de Lula, e enfraqueceria completamente a luta contra a corrupção também do PSDB e do PMDB”. (Eduardo Almeida, Sobre o processo de Lula, 15 de setembro de 2016). Os “herdeiros” revisionistas de Moreno (LIT & UIT) nos últimos 33 anos foram além de seu “mestre” na política de conciliação de classes e adaptação a democracia burguesa e ao imperialismo!

O agrupamento Resistência, por exemplo, foi totalmente coerente e tratou de “limpar” os vestígios do Trotskismo ainda presentes na velha corrente Morenista. Bem mais assemelhada à estrutura orgânica de uma DS (Ex-Mandelista e atualmente petista) o grupo rompeu com a LIT mas parece que não consegue se desvencilhar completamente do passado Morenista e apesar de ter realizado algumas rupturas programáticas com a LIT (como parece ser a posição diante da destruição reacionária da antiga URSS e sobre a famigerada operação "Lava Jato"), em linhas gerais continua seguindo as posições abertamente pró-imperialistas de sua antiga matriz. Como pudemos ver sobre o recente ataque imperialista a nação soberana da Síria, a Resistência reproduziu a escandalosa conduta política da LIT, recusando estabelecer a defesa do regime Assad diante da covarde agressão da OTAN. Depois com a grave crise desatada na Nicarágua, tendo como pretexto uma malfadada reforma da previdência social, editada pelo governo Sandinista nos moldes impostos pelo FMI, a Resistência seguindo a pressão da "opinião pública" pequeno burguesa e do sindicalismo mais rasteiro, resolveu "descobrir" tardiamente a completa degeneração da FSLN, e apoiar os "protestos sociais" impulsionadas pela reação local (Federação Patronal) e o Departamento de Estado dos EUA. O curioso na trajetória de oportunismo metamórfico da Resistência, é que justamente no Brasil não apoiaram (mesmo que retrospectivamente) as manifestações reacionárias contra o governo Dilma, que tinham como um dos seus motes a oposição da reforma da previdência, implantada parcialmente pelo ministro Levy. Ora todos os Marxistas sabemos que a profunda degradação política dos Sandinistas teve como "inspiração" os governos do PT, do qual foram diretamente aconselhados (inclusive com assessoria econômica) em mais de uma década de gestão estatal. Se é plena verdade que Daniel Ortega hoje não já não tem o menor traço do antigo guerrilheiro socialista, podemos afirmar o mesmo do "sindicalista combativo" Lula, ambas lideranças políticas corrompidas ideologicamente pelo poder do capital financeiro em suas "gerências" do Estado Burguês. Porém da mesma forma que a reação não poderia tolerar mais de uma década de gestões da Frente Popular no Brasil, com sua política de "compensação social" e conciliação de classes, bastou eclodir com força a crise econômica para que o imperialismo "pautasse" a derrocada do governo petista, impulsionando as "Jornadas de Junho" em 2013. A Nicarágua, sob o governo neoliberal de "centro-esquerda" de Daniel Ortega, atravessa agora sua "Jornada de Abril", com o pretexto de combater mais um "ajuste" monetarista da FSLN, setores reacionários da classe média e juventude de direita (uma espécie de MBL brasileiro) saíram violentamente às ruas para exigir a sumária deposição dos antigos guerrilheiros, atualmente convertidos ao "Consenso de Washington". O mais "peculiar" desta conjuntura política nicaraguense é que os setores organizados da classe trabalhadora, que ainda seguem a disciplina da FSLN, embora não apoiassem a desastrada reforma da previdência, não se mobilizaram contra o governo do casal Ortega, para obviamente não se confundirem com setores nacionais reacionários, historicamente ligados à Casa Branca. Os EUA querem ver fora do governo da Nicarágua, o mais rápido possível, a direção da FSLN. Os motivos são claros, Ortega tenta estabelecer um novo eixo econômico de seu país com a China e Venezuela, naturalmente em uma perspectiva capitalista de desenvolvimento, como tentou no Brasil os governos petistas com os BRIC's. O governo Trump não pode admitir esta "via de competição" no próprio "quintal" do império ianque, por isso impulsiona uma vigorosa campanha logística para derrubar o governo da FSLN, que ameaça se manter no poder central por um longo período histórico. Não nutrimos a menor simpatia política pelo atual governo burguês da FSLN, que "entregou e enterrou" a grande maioria das conquistas da grande revolução armada que derrubou o ditador Somoza em 1979. Desgraçadamente Ortega seguiu os conselhos contrarrevolucionários do Castrismo e negou-se a "transformar a Nicarágua em uma nova Cuba". De lá pra cá, a FSLN converteu-se em uma organização pequeno burguesa, alinhada ao "regime da Democracia dos Ricos", e compondo seu governo de "União Nacional" com setores capitalistas nativos. Porém uma questão é estabelecer a oposição da classe operária ao Sandinismo, outra completamente distinta é lutar contra o governo Ortega na mesma trincheira da reação local e do imperialismo ianque. O grupo Resistência na “prova de fogo" da luta de classes internacional, mostrou novamente o quanto inconsistente é sua ruptura com o Morenismo, não conseguem honrar o legado programático de Lenin e Trotsky diante da ofensiva imperialista contra os povos. Se no Brasil são rebocados pela plataforma de colaboração de classes do petismo, no plano mundial ainda são tragados pela reação ideológica da Social Democracia

Pode-se dizer, sem medo de errar, que Hugo Miguel Bressano, foi o grande mestre latino-americano do revisionismo. A posição uniforme desses grupos em torno da defesa contrarrevolucionária da queda da URSS, das greves policiais e agora mais recentemente da chamada “Primavera Árabe”, apresentados em uníssono como acontecimentos progressivos para o proletariado mundial, tem sua origem político e teórica nas formulações de Moreno, que quando vivo propôs abertamente e escreveu um texto sobre a “Atualização do Programa de Transição” no qual inaugurou a profunda revisão e negação das posições justas e corretas do velho bolchevique. Nada melhor que estudar a trajetória de Moreno 30 anos após sua morte para tirar as lições de seus erros teóricos e políticos a fim de superá-los no combate pela reconstrução da IV Internacional.

Neste momento, a militância revolucionária tem raras oportunidades de conhecer um balanço crítico, trotskista, da trajetória de Moreno, em meio a uma considerável variedade de grupos Morenistas que trata de fazer uma biografia apologética de seu fundador. A maioria destes grupos revisionistas tem a preocupação de ocultar ou atenuar os desvios de Moreno com algumas declarações autocríticas, como o PTS, por exemplo, pois “afinal, errar é humano”. Este tipo de biografia é inútil para a superação dos erros, imprestável para a causa da reconstrução revolucionária da IV Internacional, mas serve à manutenção dos aparatos oportunistas.

Em seu livro “Stalin, o grande organizador de derrotas”, o fundador do Exército Vermelho traçou alguns prognósticos para o caso a Internacional Comunista, sob a orientação de Stalin, continuasse sua política de equívocos na condução das forças do proletariado revolucionário. Assegurava que se a Internacional seguisse com sua nefasta política, o resultado inevitável seria sua liquidação e posterior extinção da URSS. Isto, por sua vez, provocaria “um dano infinito ao proletariado mundial”. Mesmo neste caso, a revolução proletária saberia levantar a cabeça novamente, mas ao custo de grandes sacrifícios para o proletariado mundial. Temos visto a confirmação integral deste prognóstico nos últimos 15 anos, isto sem levar em conta o trágico destino da humanidade consequente do retardo da revolução proletária desde quando Trotsky fez este prognóstico até os dias atuais quando os revolucionários seriam obrigados “a recosturar o fio de sucessão rompido e a conquistar novamente a confiança das massas”. Nas últimas décadas o proletariado mundial tem cedido muitas posições, os Estados operários da URSS, do Leste europeu e a Iugoslávia foram engolidos pelo capitalismo e os demais estão em vias de o serem. A confiança das massas no socialismo se arrefeceu.

Era do campo das correntes que reivindicam o trotskismo que se deveria esperar uma resposta à altura para as tarefas do momento. Porque foi Trotsky quem legou aos seus partidários a mais profunda e acabada análise acerca da degeneração do primeiro Estado operário da história, da miséria da teoria da revolução por etapas, do socialismo em um só país e do nascimento do fascismo imperialista mediante a traição das direções stalinistas e socialdemocratas à revolução mundial, etc. Na própria corrente morenista, a maior organização internacional a se reivindicar da IV Internacional na América Latina durante os últimos suspiros da URSS, falava-se muito que diante do debacle do stalinismo agora era a vez do trotskismo. Mas, lamentavelmente, neste momento, os grandes filamentos da IV Internacional, e em especial a LIT, foram não só atingidos em cheio pela ofensiva ideológica anticomunista que se seguiu à restauração do capitalismo na pátria da Revolução de Outubro, como também funcionaram como caixa de ressonância da ofensiva ideológica anticomunista do imperialismo que se acentuou na década de 90 e se seguiu sem qualquer reversão qualitativa até os dias atuais. Neste período, nenhuma corrente foi tão castigada, perdeu tantos quadros, se dividiu em tantos pedaços e, de forma complementar, acentuou tanto sua degeneração programática como a própria corrente morenista. Isto não ocorreu por acaso, e exatamente por isto, ao completarem-se 30 anos da morte de Moreno, é imprescindível discutir exaustivamente como se chegou a esta situação e realizar precisamente o caminho oposto ao do chauvinismo e do ufanismo que tem sido a tônica das comemorações realizadas pelos distintos troncos do morenismo neste momento.

No início da década de 40, Bressano ingressou no PORS (Partido Operário da Revolução Socialista), organização que tentou unificar o conjunto das tendências trotskistas argentinas sob a orientação do Comitê Executivo da IV Internacional. O PORS teve vida efêmera, mas antes de desintegrar-se o próprio Bressano foi excluído após três meses de militância. A decepção com sua primeira corrente trotskista levou-o a aderir à Liga Operária Revolucionária (LOR), grupo dirigido por Libório Justo (cujo pseudônimo era “Quebracho”). Quebracho batizou Bressano com o pseudônimo Nahuel, que significa tigre em idioma indígena araucano, e Moreno pela cor de seu cabelo. Libório era filho do ex-presidente general Agustín P. Justo e foi militante do PC argentino. Teve o mérito de ser um dos fundadores do trotskismo no país junto com Mateo Fossa. Mas logo veio a romper com a IV Internacional com acusações delirantes de que Trotsky era agente de Wall Street, por sua defesa da nacionalização do petróleo mexicano.

Em 1943, Libório se retira da militância e Moreno passa a organizar e dirigir seu próprio grupo político que com o passar dos anos terá distintas composições e receberá distintos nomes (GOM, Palabra Obrera, PRT, PRT-La Verdad, PST, MAS). Foi em 1944 que o morenismo como corrente política surgiu na Argentina, com a criação do Grupo Operário Marxista. Moreno abandona os círculos boêmios e acadêmicos da esquerda bonaerense e passa a prestar assessoria ao Sindicato dos Trabalhadores em Frigoríficos, durante a greve da fábrica Anglo-Ciabasa.

A fundação de sua própria corrente não fez com que Moreno rompesse com a influência política de Quebracho e adotasse as posições genuínas do trotskismo acerca do populismo nacionalista burguês na América Latina, já bastante conhecidas e aprofundadas em torno da experiência de Lázaro Cárdenas no México. O GOM nasce caracterizando o peronismo de “semifascista” e defende a destruição da Central Geral dos Trabalhadores. Longe de ser um desvio peculiar de Quebracho, esta caracterização era majoritária na esquerda argentina cujas maiores correntes eram o PS e o PC, partidos que faziam seguidismo à oposição burguesa claramente pró-imperialista ianque encabeçada pela UCR. Muitos Morenistas argumentam que se deve levar em conta o fato de que na época Moreno tinha apenas 20 anos. É verdade, mas esta orientação frontalmente distinta do trotskismo foi defendida pelo GOM pelos nove anos seguintes e como veremos mais tarde, a emenda foi ainda pior que o soneto.

Esta política sectária em relação ao peronismo fez com que o grupo que possuía 110 militantes em seu primeiro congresso, decaísse para 85 membros no segundo e ainda sofresse uma ruptura que viria a se juntar ao grupo de J. Posadas, um popular dirigente trotskista argentino que já naquela época fazia seguidismo ao nacionalismo burguês peronista. Além disto, como a própria LIT reconhece, “Entre 1944 e 1948 tivemos também um desvio nacional-trotskista, ou seja, acreditar que havia solução para os problemas do movimento trotskista dentro do próprio país. Só em 1948 começamos a intervir na vida da Internacional, participando de seu Segundo Congresso” (Un Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995). A vinculação internacional não apresentou uma solução para os problemas, mas trocou um desvio por outro. Então, quase dez anos depois da fundação do GOM, e já sob orientação pablista do Comitê Executivo da IV Internacional (ver adiante o capítulo “Pablista de primeira hora”), Moreno opera uma revisão de 180 graus em sua política, partindo para o entrismo profundo no peronismo na década de 50.

Embora este giro seja apresentado como um grande avanço: “A intervenção nas lutas operárias e na Internacional tornou possível a superação dos desvios e o fortalecimento de grupo” (idem), o que ocorreu foi um mimetismo implementado pelo GOM da política nacionalista já levada a cabo pelo posadismo sob orientação da Internacional. Esta espécie de internacionalismo já havia sido duramente criticada pelos marxistas revolucionários e, em particular, por Trotsky: “Como todos sabem seu internacionalismo é a soma aritmética das políticas nacionais oportunistas. Não temos nada a ver com isto. Nossa orientação internacional e nossa política nacional estão indissoluvelmente ligadas” (Carta aberta a todos os militantes da Leninbund, 06/02/1930).

Em 1957 o GOM ingressa no Partido Socialista da Revolução Nacional, organização pertencente ao movimento peronista e passa a fazer parte da direção da Federação Bonaerense do PSRN. O agrupamento morenista passa a editar o jornal Palabra Obrera, como “órgão do peronismo operário revolucionário” publicado “sob a disciplina do General Perón e do Conselho Superior Peronista”. Moreno apresenta esta tática descaradamente oportunista como se fosse análoga ao “entrismo” nos Partidos Socialistas francês e estadunidense como teria recomendado Trotsky às organizações da Oposição de Esquerda na década de 30.

O entrismo aplicado pela IV Internacional dirigida por Trotsky que ficou conhecida como “o giro francês” era uma operação temporal a serviço de uma estratégia de construção de um partido revolucionário. O objetivo da fração trotskista seria arrancar aos setores mais avançados – no preciso momento que estes oscilam à esquerda dentro de um aparato partidário centrista ou reformista de massas, mediante a experiência comum “interna” – da influência das direções reformistas para a construção de um partido revolucionário. O “giro” deve concluir-se com uma ruptura da fração trotskista no momento em que muda o sentido da oscilação da esquerda para a direita, ou seja, quando estas direções consumam a traição às massas. No entanto, o “entrismo” de Moreno era a semidissolução de seu grupo no peronismo, uma decisão política que ele próprio justificava afirmando a necessidade de formar um “partido centrista de esquerda legal” (1954: año clave del peronismo, 1955).

Recentemente a LIT justifica que “Moreno aplicou a tática que Trotsky havia aconselhado ao pequeno grupo peruano em relação ao APRA: o entrismo” (Ante las infamias del PO sobre Nahuel Moreno, Alicia Sagra, sítio da LIT na Internet, 17/02/2007). O APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana) foi fundado em 1924 pelo peruano Haya de la Torre. Em seu apogeu houve movimentos apristas em Cuba, México, Peru, Costa Rica, Haiti y Argentina. Foi o primeiro movimento a reivindicar a necessidade de unificação econômica e política da América Latina contra a dominação imperialista, seria uma espécie de precursor de correntes como o chavismo atual. O APRA posteriormente degenerou em um partido reformista liberal e anticomunista.

Trotsky assinala que “o Kuomintang na China, o PRM no México, e o APRA no Peru são organizações totalmente análogas. É a frente popular em forma de partido. Corretamente apreciada, a frente popular não tem na América Latina um caráter tão reacionário como na França ou na Espanha. Tem duas facetas. Pode ter um conteúdo reacionário na medida em que está dirigida contra os operários, pode ter um caráter progressivo na medida em que está dirigida contra o imperialismo. Apreciando a frente popular na América Latina sob a forma de um partido político nacional, fazemos uma distinção em relação a França e a Espanha. Mas esta diferença histórica de apreciação e esta diferença de atitude só estão permitidas com a condição que nossa organização não participe do APRA, Kuomintang e o PRM, que conserve uma total liberdade de ação e crítica absoluta” (Discusión sobre America Latina, 04/11/1938). E mais adiante assinala, que o APRA “é um partido-frente popular. Uma frente popular está incluída no partido, com toda combinação desta natureza. A direção está nas mãos da burguesia e a burguesia teme seus próprios operários. Por este partido, ainda que seja suficientemente forte para tomar o poder pela revolução, tem medo de comprometer-se nesta via. Não tem nem a coragem nem o interesse de classe para mobilizar os camponeses e os operários e os substituirá por manobras militares (...) Por suposto, não podemos entrar em um partido assim, mas podemos construir ali um núcleo para ganhar operários e separá-los da burguesia. Mas sob nenhuma circunstância devemos repetir a idiotice de Stalin com o Kuomintang na China” (idem).

Verifiquemos o caso argentino. Ao contrário do APRA que é um partido ilegal de oposição que pode, mas se nega a tomar o poder, Perón detinha o poder e o entregou pacificamente para os golpistas da UCR em 1955. Guardadas as proporções, Moreno repete a idiotice de Stalin em relação ao Kuomintang, ingressou nas 62 Organizações peronistas com o fundamento de manter a “unidade da classe operária”, não preserva nenhuma independência organizativa e muito menos a total liberdade de ação ou a crítica absoluta, se disciplina, defende que frente ao golpe é preciso aceitar a renúncia de Perón e designar sua substituição por um senador da CGT.

Mesmo após a traição de Perón a suas bases, retirando-se sem luta diante do golpe militar de 1955, quando os burocratas sindicais peronistas pactuam com o general Eduardo Lonardi, líder do golpe gorila contra o proletariado, o morenismo segue disciplinadamente a covarde direção populista burguesa, enquanto o movimento operário resiste protagonizando heróicas greves com ocupação de fábrica. Defendendo o entrismo sui generis de Moreno, a LIT tentou justificar: “O ‘entrismo’ impõe algumas condições, neste caso o de pôr no periódico que editava a corrente de Moreno (Palabra Obrera) que se aceitava a disciplina do General Perón. Condição fácil de aceitar porque nestes momentos Perón não impunha nenhuma disciplina. Por isto a partir de Palabra Obrera se podia chegar a milhares de lutadores questionando os manejos da burocracia, chamando a organização política independente da classe operária e enfrentando políticas de Perón como o chamado a votar em Frondizi. Quando Perón começou a impor disciplina, como foi o caso do voto em Frondizi em 1958, a corrente de Moreno começou a organizar a saída das ´62´” (Ante las infamias del PO sobre Nahuel Moreno, Alicia Sagra, 17/02/2007). As “62” referem-se às 62 organizações peronistas.

Tradicionalmente a falta de disciplina sobre o movimento operário não é uma das características mais reconhecidas nos líderes populistas. Todavia custa a acreditar ainda mais que Perón só veio disciplinar suas bases quando já havia perdido o poder e estava no exílio. Mas é aí que nos chama a atenção uma verdadeira falsificação histórica. A verdade é que Moreno acatou disciplinadamente o chamado a votar em Frondizi, candidato presidencial de um setor da UCR que orquestrou o golpe gorila e pró-imperialista de 1955. Graças ao apoio do peronismo e de seus satélites como o morenismo, Frondizi foi eleito e, ao assumir a presidência, estabeleceu o Plano Conintes que permitia declarar zonas militarizadas os principais distritos industriais e autorizava a detenção de ativistas sindicais e militantes políticos opositores. Por sua vez, a tal saída das fileiras do peronismo que Moreno teria começado a organizar em 1958, segundo advoga agora a LIT, mais morenista que Moreno, só ocorreu de fato em 1964, ou seja, seis anos depois! A justificativa cai completamente por terra se lembramos de que ao total, o “entrismo” de Moreno no peronismo durou sete anos!

Este “entrismo” foi típico do trotskismo após 1951. Pablo orientou o ingresso durante 17 longos anos no stalinismo e neste aparato “contra-revolucionário até a medula” dissolveu várias seções da IV Internacional. Mais recentemente, sob a justificativa de “lutar a partir de dentro”, o entrismo no PT brasileiro por parte de várias correntes trotskistas (incluindo a Convergência Socialista morenista e a Causa Operária altamirista), durou mais de dez anos (em alguns casos irreversíveis, como no dos setores majoritários do mandelismo e do lambertismo, resultou na quase completa dissolução destas correntes no lulismo). Como se pode notar, o entrismo “sui generis” destes senhores nada tem a ver com os fundamentos e a concepção de Trotsky para a tática do entrismo.

No plano internacional, Moreno alinha-se com as posições do grego Michel Raptis (Pablo), principal dirigente da Internacional desde o seu II Congresso realizado em 1948. Pablo, impressionado com o enorme prestígio capitalizado pelo stalinismo após a vitória do Exército Vermelho sobre o nazismo, a criação dos Estados operários no Leste europeu e a revolução chinesa, defendia a dissolução dos partidos trotskistas nos PCs para pressioná-los à esquerda, vendo o stalinismo como um substituto para a construção do partido revolucionário na luta contra o imperialismo. Moreno viria a ser, como ele próprio destacou, “um pablista de primeira hora”. Se a marca distintiva do pablismo é recusa em construir a direção revolucionária do proletariado para adaptar-se a direções stalinistas, social democratas, nacionalistas pequeno burguesas, etc., a marca do morenismo é adaptar-se a estas direções de forma tão “dinâmica” como quem troca de roupa.

O pablismo, nome dado ao revisionismo de Pablo e Mandel, seguido por Moreno e Posadas, difundia que o estouro da terceira guerra mundial era inevitável, que não daria tempo construir a IV Internacional e que o stalinismo se converteria em revolucionário. Decidiu então que os trotskistas deveriam fazer entrismo nos PCs (embora em alguns países, como na Alemanha e na Inglaterra, a tática entrista de Pablo tivesse sido aplicada à socialdemocracia), o que fizeram muitos grupos europeus por 20 anos. Esta orientação significou uma capitulação à burocracia stalinista, que se estenderia também pouco depois a outras direções burguesas e pequeno-burguesas, como fizeram Moreno e Posadas na América Latina. Isto provocou a quase extinção do trotskismo na Europa e o domínio tranquilo do movimento operário por direções populistas burguesas, como é o caso argentino em que o peronismo segue à cabeça da quase totalidade das direções sindicais nas últimas seis décadas.

Esta escandalosa revisão liquidacionista do trotskismo foi questionada por vários setores da Internacional, particularmente, pela maioria da seção francesa do Partido Comunista Internacionalista, liderada de Pierre Lambert, que logo é expulsa e acaba levando consigo a seção inglesa, Socialist Labour League (SLL), dirigida por Gerry Healy e o Socialist Workers Party (SWP) norte-americano de James P. Cannon, dando origem a primeira grande cisão da IV Internacional em 1953. Os antipablistas fundaram o Comitê Internacional (CI) que, apesar de se apresentar como uma alternativa ao revisionismo do Secretariado Internacional (SI) pablista, caracterizavam-se pela frouxidão organizativa (eram uma mera federação de partidos sem nenhum centralismo).

Em 2007, as correntes Morenistas e alguns biógrafos defensores de Moreno como Hermán Brienza vêm reconstruindo a sua trajetória, tentando encontrar justificativas principistas para seus zigue-zagues e ressaltar traços de genialidade no dirigente argentino em meio a tantos desvios. Dentre estas novas descobertas está a de que em sua ruptura com o pablismo de 1953 “o principal motivo da discórdia foi o processo político boliviano”, uma vez que Moreno teria defendido que a consigna correta para o momento seria o chamado a “Todo poder à Central Operária Boliviana!” em oposição à orientação defendida por Pablo, Mandel e cia. que respaldaram a política menchevique do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano, dirigido por Guillermo Lora, de apoiar o governo burguês de Paz Estenssoro, do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). De fato, a traição da revolução boliviana foi o resultado mais desastroso da política pablista na América Latina, mas a posição de Moreno à época da dualidade de poderes foi idêntica a de seus pares internacionais.

Paz Estenssoro, candidato do MNR, partido da burguesia nativa, vence as eleições presidenciais. As oligarquias tradicionais se negam a reconhecer a derrota para o MNR e entregam o poder a uma Junta Militar presidida pelo General Hugo Ballivián. Em abril de 1952, o MNR, junto a uma fração do Comando do Exército, orquestrou um golpe palaciano contra Ballivián. Diante da resistência das forças leais do Exército, os golpistas acovardam-se e debandam, mas os trabalhadores espontaneamente dão continuidade às batalhas de rua e derrotam as tropas do odiado General Ballivián. O proletariado, organizado em torno da Federação dos Trabalhadores Mineiros (FSTMB), dos Sindicatos de La Paz e dos camponeses, constroem milícias que tomam de assalto os arsenais e os quartéis, cercam as tropas nas cidades, derrotam sete regimentos e dissolvem o Exército, pilar de sustentação do Estado capitalista. Ao final, “as forças rendidas do Exército desfilaram pela cidade custodiadas pelas milícias revolucionárias encabeçadas pelo ‘Comando Operário’” (J. Valdivia Altamirano, A revolução de 9 de abril de 1952).

Uma semana depois, 17 de abril, foi fundada a COB, um organismo de frente única das massas armadas. Seu dirigente era Juan Lechín, membro da ala esquerda do MNR que passara antes pelas fileiras do POR. Em 1947, o POR e a FSTMB firmaram um bloco político eleitoral que elegeu dez candidatos ao parlamento (2 senadores, entre os quais G. Lora, e 8 deputados). Em 1952 o POR possuía influência de massas e dois membros na direção executiva da COB. Apesar desta força, o POR não passava de um conselheiro de esquerda do MNR. Opunha-se a que a Central Operária rompesse com a burguesia nacionalista e seu governo, negava-se a convocar a ocupação das minas e a tomada do poder pelo proletariado, limitando-se à tática oportunista do ministerialismo ao propor o ingresso de “ministros operários” no governo capitalista. As milícias armadas centralizadas na COB eram o único poder efetivo e militar existente, responsáveis inclusive por guarnecer o Palácio Quemado (presidencial). Mas, sem uma direção revolucionária que orientasse a luta rumo ao estabelecimento de um governo operário e camponês, a direção da COB entregara o poder político para Paz Estenssoro, chamando as massas a confiar nele. Sem poder militar próprio, Estenssoro tomou várias medidas demagógicas enquanto ganhava tempo para reconstituir o Exército, desarmar as massas e burocratizar a COB.

Esta heroica luta do proletariado boliviano foi aonde o trotskismo chegou mais próximo da tomada do poder. Um governo operário e camponês no coração do continente mudaria qualitativamente toda a história da luta de classes. Todavia, nem a IV Internacional, nem tampouco sua seção no país estiveram a altura da tarefa. O POR desarmou a revolução e o combativo proletariado boliviano para a tomada do poder, reivindicando um governo encabeçado pela ala esquerda do MNR, de frente popular. Vale lembrar que em 1946, sob influência do POR, o Congresso da FSTMB aprovou um programa baseado na teoria da revolução permanente de Trotsky que ficou conhecido como “Teses de Pulacayo”. Estas resoluções apontavam a falência da burguesia nacional e a necessidade de uma revolução socialista como única via para a libertação proletária e que os dirigentes mineiros jamais entrariam em um governo burguês. Todavia o POR e a burocracia sindical da FSTMB transformaram estas resoluções em letra morta na revolução de 1952. Juan Lechín ingressou como “ministro operário” do gabinete de Paz Estenssoro para conter a luta dos mineiros pelo controle operário das recém-nacionalizadas minas de estanho. A posição do marxismo em relação a um governo como o de Paz Estenssoro, foi expressa por Lenin em suas “Teses de abril” quando combateu a política de Stalin e Kamenev de apoiar o governo provisório de Kerensky. Foi esta posição intransigente de Lenin o que possibilitou o avanço da revolução proletária contra a política menchevique e social-democrata de colaboração de classe e da defesa de ministros operários em governos burgueses. A linha do POR, patrocinada pelo conjunto da IV Internacional pablista, foi a linha combatida por Lenin e Trotsky em 1917. A traição do POR à revolução de 1952 foi o início do fim deste partido, que hoje não passa de uma seita moribunda.

No calor dos acontecimentos, o SI da IV Internacional defende em uníssono a política menchevique, orientando o POR a apoiar o governo do MNR e, inclusive, entrar no MNR, caracterizado por Pablo como o “partido da pequena burguesia mineira”. Foi somente um ano depois, em 1953, quando já está em curso a ruptura com o pablismo que viria a construir o Comitê Internacional que Moreno vem a reivindicar a consigna de “Todo poder à COB”. Tarde demais para romper com o oportunismo, a COB havia se burocratizado e integrada ao regime, a revolução se encontrava em refluxo e abortada graças à política do POR e da Internacional menchevique com a qual Moreno comungava.

Em seus últimos meses de vida, Trotsky se dedicou a dissipar estas dúvidas, sabendo opor-se principistamente ao caminho da prostração política. “Se admitimos que é verdade que a causa das derrotas residem nas qualidades sociais do próprio proletariado, então a situação da sociedade moderna deverá ser considerada como desesperadora. Sob as condições do capitalismo decadente, o proletariado não cresce nem numérica nem culturalmente. Portanto, não existem motivos para esperar que em algum momento se coloque à altura das tarefas revolucionárias. A questão se apresenta de forma completamente diferente para aquele que tem claro o profundo antagonismo que existe entre a exigência orgânica, profunda e insuperável das massas trabalhadoras para se libertarem do sangrento caos capitalista e o caráter conservador, patriótico e completamente burguês da direção do movimento operário, que sobrevive por si mesma. Devemos escolher entre uma destas duas concepções irreconciliáveis” (Em defesa do marxismo, 25/09/1939). Embora muitos dirigentes do II Congresso da IV Internacional não manifestassem de forma clara e explícita este diagnóstico, suas conclusões políticas refletiam exatamente a concepção dos representantes atemorizados e impressionistas do pseudomarxismo que renunciou à tarefa de erguer uma verdadeira direção revolucionária capaz de dirigir o proletariado rumo à conquista do poder, preferindo apegar-se às saias das direções conservadoras, patrióticas e burguesas do movimento operário.

Não foi a traição à revolução boliviana pela direção do SI um motivo suficientemente convincente para que Moreno rompesse com o pablismo. Em 1953, no III Congresso da IV Internacional, Pablo resolve entregar a direção do Bureau Latino-Americano (BLA) da Internacional ao argentino J. Posadas, reconhecer o POR posadista como seção oficial e rebaixar a organização de Moreno a simpatizante na Argentina. O fato levou o “pablista de primeira hora”, a se alinhar com o Comitê Internacional, formado pelos antipablistas, e fundar o seu próprio bureau, o Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO).

Logo a princípio, os “trotskistas ortodoxos” do SLATO qualificaram de “direitista” o movimento guerrilheiro 26 de julho contra Batista, e de “gorila” o seu dirigente Fidel Castro, assim como eram chamadas as ditaduras latino-americanas. Mas o próximo reagrupamento internacional e a onda foquista que se seguiu à Revolução cubana viriam a mudar radicalmente as posições de Moreno sobre a questão.

Embora em 1959, Moreno defina a revolução cubana de “Revolución Gorila”, comparando-a com o Golpe Militar de 1955 na Argentina, posteriormente se ratificaria, declarando-se castrista. “No caso de Fidel Castro não temos dúvida em considerá-lo junto com Lenin e Trotsky, um dos maiores gênios revolucionários deste século” (Dos métodos frente a la revolución latinoamericana, 1964). No mesmo texto, Moreno propôs uma profunda revisão do trotskismo e do marxismo em geral, ao defender que o proletariado não deveria ser necessariamente a vanguarda da revolução socialista: “Temos superado o esquema trotskista de que só o proletariado é a vanguarda da revolução” (idem) e chega a reconhecer que afora o castrismo não há outra corrente revolucionária na América. Sob esta política “se abre uma forte crise quando em 1964, ganho pela direção cubana rompe Vasco Bengochea, quem foi junto com Moreno, o principal dirigente de nossa organização” (Un Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995).

O curso foquista do morenismo só estava começando. A partir desta nova orientação política Moreno aproximou-se da Frente Revolucionária Indoamericana Popular, organização dirigida por Mario Roberto Santucho. Da fusão da FRIP com o Palabra Obrera surge, em 25 de maio de 1965, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores. É neste período que Moreno escreve “A América Latina e a OLAS” e “As revoluções chinesa e indo-chinesa”. Tendo se orientado profundamente em direção ao foquismo castrista, em 1968 “provoca-se uma ruptura que levou aos principais quadros do partido a defender as posições foquistas” (Un Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995).

A adesão ao castrismo provoca uma nova cisão no CI em 1963. Moreno e o SWP americano demonstram que não aprenderam nada com a política liquidacionista imposta pelo pablismo à IV Internacional e a traição à revolução boliviana e resolvem se reunificar com o SI, com o qual haviam rompido dez anos antes, passando a se chamar Secretariado Unificado da IV Internacional. O SU tem como principal dirigente Ernest Mandel, a quem Moreno acusava de “pablista” na década anterior; agora apresentado pelo mesmo Moreno como “revolucionário” (!?) .Permanecem no CI a OCI do francês P. Lambert (o qual viria a fundar a corrente OSI, Jornal “O Trabalho”, no Brasil) e o SLL do inglês G. Healy. O CI adota uma posição sectária em relação a Cuba após a revolução, não a reconhecendo como um Estado operário, mas sim como um regime capitalista governado pela ala nacionalista da burguesia.

O SU, por sua vez, vai ao outro extremo, considera Castro como um “trotskista inconsciente” e Cuba como um “Estado operário são”. O ex-anticastrista, Moreno, passa a defender a construção de partidos castristas em todo o continente, aspirando a tornar-se uma representação da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade, criada por Castro para difundir movimentos foquistas na América Latina) na Argentina, defendendo o foquismo como uma nova via para a revolução e apresentando o castrismo como uma alternativa ao stalinismo.

Na Argentina, a experiência do Partido Revolucionário dos Trabalhadores não dura mais do que quatro anos. A direção do SU, em sua adesão febril ao guerrilheirismo pró-cubano passa a privilegiar o agrupamento de Santucho no interior do PRT, provocando um racha no partido onde o PRT-Santucho (depois rebatizado como ERP, Exército Revolucionário do Povo, nome que tornou este agrupamento conhecido mundialmente, por suas ações foquistas), passa a ser reconhecido como seção oficial do SU, enquanto o PRT-Moreno é rebaixado à condição de mero simpatizante, ainda que siga reivindicando a internacional mandelista. Entre 1967 e 1968 conclui-se a cisão que levaria a conformação do PRT-La Verdad (Moreno) e PRT-El Combatiente (Santucho).

É a partir de então que tendo aderido profundamente às concepções guerrilheiristas de Mandel como tarefa central na América Latina até o IX Congresso Mundial do SU da IV Internacional, vem a descobrir os desvios deste pouco antes do X Congresso da internacional mandelista. Escreve em 1973 o texto “Un documento escandaloso” em resposta ao “En defensa del leninismo, en defensa de la Cuarta Internacional” de Mandel, escrito sob o pseudônimo de Ernest Germain. Em seguida, também em nome do leninismo, Moreno anuncia sua intenção de construir na América Latina partidos social-democratas, tendo como exemplos os grandes partidos reformistas europeus.

1972 é o ano da nova guinada do morenismo, desta vez, do guerrilheirismo à “institucionalização”, propondo-se novamente a criar um “partido centrista de esquerda legal”. Liga-se então a Juan Carlos Coral, dissidente do Partido Socialista Argentino (agrupamento social-democrata que já na década de 40 aliava-se às oligarquias locais e aos agentes imperialistas na Argentina em nome de combater o peronismo), para “refundar o Partido Socialista”, criando o Partido Socialista dos Trabalhadores que, nas eleições do ano seguinte, chega a obter mais de 180 mil votos. A fórmula eleitoral de unidade com a socialdemocracia tem como exemplo de partido os PSs português e espanhol, que serviram de modelo para criar ou fazer crescer as futuras seções Morenistas latino-americanas. O PST passa a assumir então características marcadamente neo-esquerdistas. Torna-se um ferrenho crítico do guerrilheirismo, e defensor da unidade de todos os socialistas num único partido, aspiração contida no nome de batismo da seção brasileira do morenismo, a Convergência Socialista, que no Brasil abrange até mesmo os chamados “socialistas do MDB”.

Com o golpe militar e a instauração da ditadura Videla em 1976, Moreno se vê obrigado a exilar-se e, como a maioria das organizações de esquerda argentina, o PST foi proscrito. Moreno vai para a Colômbia onde funda ali um outro PST. Em Bogotá, formou a Brigada Simón Bolívar para combater junto a Frente Sandinista de Libertação Nacional na Nicarágua. Já por seu nome de batismo a Brigada dá indícios de que seus propósitos têm mais a ver com o latino-americanismo burguês do tipo aprista, hoje reencarnado no chavismo, que com o internacionalismo proletário.

Em 1979, quando sua brigada é expulsa da Nicarágua pelo governo da FSLN, o seu então “camarada” Mandel apoia firmemente as medidas repressivas dos sandinistas contra os Morenistas. “O SU envia uma delegação a Manágua para dizer que éramos um grupo ultra-esquerdista com o qual não tinham nada a ver, e vota uma resolução proibindo a construção de partidos por fora do sandinismo. A negativa em defender militantes revolucionários torturados pela burguesia e o fato de terem votado essa resolução interna que na prática era um decreto de expulsão de nossa corrente obrigaram nossa ruptura definitiva com o SU” (Un Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995). Com “camaradas de Internacional” como estes quem precisa de inimigos? Foi somente a partir desta traição vinda de sua própria Internacional, que Moreno passa a qualificar o mandelismo como “centro do revisionismo mundial” e o próprio Mandel como um elemento sem nenhum caráter. Todavia, esta conduta escroque do mandelismo é apenas a consumação de suas concepções pablistas que até então não haviam sido motivo suficiente para que Moreno rompesse com o SU.

A OCI de Lambert solidariza-se com o grupo de Moreno, que após romper com o SU de Mandel, resolve fundir-se com o agrupamento internacional lambertista. O novo agrupamento de Moreno-Lambert, a “IV Internacional - Comitê Internacional”, adota uma Tese Política - escrita por Moreno, a pedido de Lambert - que se autoproclama, “o documento mais importante do marxismo desde 1938”. Todavia, como reconhece Moreno ele “tivesse uma omissão importante, o problema da Frente Popular” (Nossa experiência com o Lambertismo, 1986). Estranho não? Que um documento tão importante tenha deixado uma lacuna tão fundamental, coincidentemente quando Moreno e Lambert estavam apoiando a candidatura da frente popular de Miterrand à presidência da França! E mais “estranho” ainda é que Moreno só tenha notado este esquecimento na elaboração do documento cinco anos depois de rompido com Lambert, justamente acusando-o de frente populista!!!

Bem distinto desta dupla, Trotsky ressaltava que “No momento atual, a questão das questões é a frente popular. Os centristas de esquerda procuram apresentar esta questão como uma manobra tática ou até técnica, para poder melhor vender sua mercadoria na sombra da frente popular. Na realidade, a frente popular É A QUESTÃO PRINCIPAL DA ESTRATÉGIA PROLETÁRIA desta época. Também oferece o melhor critério para distinguir entre o bolchevismo e o menchevismo” (“Carta ao RSAP holandês”, julho/1936; grifo no original). A durabilidade do novo agrupamento sem princípios é inversamente proporcional ao tamanho do seu messianismo autoproclamatório. Não durou um ano. Moreno rompe com Lambert acusando-o de fazer seguidismo aos “campos burgueses progressistas”, no caso, ao PS francês durante o governo social-imperialista de Miterrand. No documento “A traição da OCI”, Moreno também critica as teses etapistas da III Internacional. “A concepção não só da revolução por etapas, senão também o apoio ou defesa do ‘campo burguês progressivo’ nos países coloniais e semicoloniais, principalmente os mais atrasados. Trata-se, pois, de um menchevismo ‘sui generis’, que tem um aspecto revolucionário, já que integra esta revolução por etapas dentro da revolução socialista mundial, principalmente, e se insiste na independência política da classe operária européia” (A traição da OCI, 1982).

De fato, a corrente de Lambert liquidou-se como corrente trotskista a partir de sua capitulação vergonhosa ao governo de Miterrand, tornando-se a partir de então e em todas as partes, mero assessor de esquerda da social democracia, vide a guinada pró-Lulista da corrente OT no Brasil e o papel que esta desempenha na esquerda mundial até hoje.

Contradizendo várias de suas críticas acertadas, a capitulação do lambertismo aos “campos burgueses progressivos”, o próprio Moreno faz sua versão das concepções etapistas em “1982, começa a revolução” revisando a teoria da revolução permanente de Trotsky e transformando-a em uma teoria menchevique de “revoluções democráticas”. Neste ano, ainda em Bogotá, Moreno funda a Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI) e após regressar à Argentina, muda o nome do PST argentino para “Movimento Al Socialismo” – MAS. Em seu folheto “Revoluções do Século XX” (1984) caracteriza que “na Argentina, Bolívia e Peru houve uma revolução” com a mudança de regimes da ditadura militar para a democracia burguesa, fazendo ele mesmo seguidismo dos campos burgueses democráticos e dos processos de transição para a democracia burguesa no continente latino americano, chegando a dizer que o governo Alfonsín seria produto de uma revolução.

Já no início da década, Moreno havia começado a organizar uma síntese de suas revisões do legado teórico de Trotsky. Em 1980 escreve o documento principal de sua corrente: “A Atualização do Programa de Transição”, onde afirma que Trotsky se equivocou em vários dos prognósticos do “Programa de Transição”. Ao contrário de uma revisão marxista do programa fundacional da IV Internacional, como fez Trotsky do Manifesto Comunista, o que Moreno formula é uma justificação teórica para o abandono completo do legado trotskista e, portanto, do marxismo revolucionário, transformando sua trajetória empírica e oportunista em teoria. Sendo assim, ele formula “sua tese” das “revoluções inconscientes” (ou “revoluções de Fevereiro ou democráticas”), quando em um primeiro momento o eixo da atividade política das massas não seria a tomada do poder, mas a luta por substituir regimes ditatoriais por democracias burguesas. Somente depois de vencida esta etapa é que viria o momento das “revoluções conscientes” (ou “revoluções de Outubro”). Esta caracterização choca-se profundamente com a tese central da teoria da revolução permanente, desenvolvida por Trotsky desde 1905 que sinteticamente defende que só a ditadura do proletariado pode assegurar a realização das mais elementares tarefas democráticas.

De fato, a “teoria” de Moreno nada tem de nova ou original. Trata-se de um retorno às velhas e surradas posições etapistas, formuladas pela socialdemocracia reformista do início do século XX, requentadas pelos mencheviques, pelos stalinistas e duramente combatidas por Trotsky. Moreno também não foi o único na época a empreender uma cruzada revisionista contra a revolução permanente. Jack Barnes, o dirigente do SWP dos EUA (o SWP ou Partido Socialista dos Trabalhadores foi dirigido por James P. Cannon entre 1938-1953, Farrell Dobbs de 1953 a 1972 e a partir de então por Barnes), já havia atacado as teses da Revolução Permanente, defendendo a teoria etapista da “revolução democrática”, com seu documento “Their Trotsky and Ours” (O Trotsky deles e o nosso). Este foi só o primeiro passo para que o SWP renunciasse formalmente ao trotskismo em 1985 e perdesse boa parte de sua influência política construída a duras penas desde a época de Trotsky e Cannon. Moreno esquivou-se do mesmo destino, declarou que Trotsky não havia dado suficiente importância às revoluções democráticas enquanto prostituiu barbaramente os fundamentos teóricos da IV Internacional.

Se para Lenin e Trotsky, como regra geral, somente um genuíno partido do tipo bolchevique é capaz de orientar as massas à tomada do poder e à ditadura do proletariado e, na sua ausência, as direções centristas e reformistas traem ou sabotam os processos revolucionários e, que apenas sob condições excepcionais (ofensiva revolucionária das massas, boicote da burguesia ao chamado a conformar a frente popular, pressão do imperialismo, crise econômica, guerra etc.) os centristas seriam capazes de ir mais além de onde pretendiam numa ruptura com a burguesia, para Moreno (e não por coincidência, também para toda escola pablista) é o oposto: “a variante que Trotsky qualificava de ‘altamente improvável’ é a única que tem se deu nestes 35 anos” (Teses de Atualização do Programa de Transição, 1980). Em outras palavras, o que para Trotsky era exceção, foi tomado como regra por Moreno.

Mas de longe, a história dos últimos 65 anos deu razão a Trotsky que morreu cinco anos antes do fim da II Guerra, e não a Moreno que teve a possibilidade de verificar com seus próprios olhos a confirmação do prognóstico do Programa de Transição. Se contarmos a quantidade de processos revolucionários abortados neste período (França, Espanha, Grécia, Itália, Bolívia, Argélia, Portugal, Indonésia, Chile, Camboja, Nicarágua, Peru, Guatemala, El Salvador, só para citar alguns exemplos clássicos) em comparação aos países onde a burguesia foi expropriada por correntes centristas e stalinistas (Europa Oriental, Iugoslávia, China, Vietnã, Cuba, Coréia do Norte), veremos com toda a clareza que os primeiros casos são a esmagadora maioria (dentre os quais inclusive estão metrópoles imperialistas) e que os segundos apenas ocorreram pela combinação de circunstâncias extremamente excepcionais que empurraram as direções centristas destes processos a romper com sua própria estratégia conciliacionista pequeno-burguesa ou burguesa.

Se para Moreno a regra é que as direções centristas, ao contrário de abortar, são capazes de levar adiante os processos revolucionários (como também defendia Pablo), caberia aos Morenistas estabelecer uma frente com estas direções para impulsionar o que o dirigente da LIT denominou de “revolução democrática” ou “de fevereiro”. O desdobramento prático das premissas de Moreno é uma concepção etapista particular de revolução e a orientação política em favor de uma frente popular que a realize.

Para justificar teoricamente a sua adaptação aos fenômenos pequeno-burgueses ou burgueses, como o foquismo, o nacionalismo, a socialdemocracia e o centrismo stalinista, Moreno afirmou que Trotsky havia deixado lacunas teóricas que ele se incumbiria de preenchê-las. Por exemplo, de “que também nos países coloniais e semicoloniais era necessário fazer uma revolução no regime político: destruir o fascismo para conquistar as liberdades da democracia burguesa, embora fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia e do Estado burguês. Concretamente não propôs que era necessário uma revolução democrática que liquidasse o regime totalitário fascista, como parte ou primeiro passo da revolução socialista e deixou pendente este grave problema teórico” (Revoluções no Século XX, 1984).

De fato, Moreno tem razão. Trotsky não propôs uma revolução democrática para estabelecer um regime democrático burguês contra o regime totalitário fascista, como parte ou primeiro passo da revolução socialista. Não por descuido teórico, como tenta passar Moreno, mas tão somente porque defendia a construção da frente única operária e travou uma luta encarniçada contra o stalinismo porque se opunha à “teoria etapista” da revolução que justificava as frentes populares com os ditos setores progressistas e democráticos da burguesia. Para o fundador da IV Internacional, a revolução democrática só poderá triunfar por meio da ditadura do proletariado. Do contrário, “uma revolução democrática ou um movimento de libertação nacional podem dar à burguesia a possibilidade de intensificar e estender a exploração da classe operária. A intervenção do proletariado como força autônoma na luta política pode evitar completamente toda a possibilidade da burguesia de continuar com a exploração” (Stálin, o grande organizador de derrotas, 1928).

A teoria da “revolução democrática” de Moreno coloca-se abertamente contra as Teses da Revolução Permanente de Trotsky. Na revolução democrática cabe ao proletariado respeitar os limites da primeira fase da revolução que se situa “no terreno dos regimes políticos da burguesia e do Estado burguês”, o que não é outra coisa que o etapismo defendidos tanto pelos mencheviques, quanto pelo stalinismo.

A diferença é que a teoria etapista para os mencheviques e, depois, para o stalinismo se justificava por razões econômicas, no sentido do desenvolvimento do capitalismo em relação aos modos de produção atrasados (feudalismo, escravismo), pois advogam que enquanto um determinado país ainda não tiver eliminado os resquícios de etapas pré-capitalistas era preciso que atravessasse por uma revolução democrático-burguesa, onde o proletariado jogaria um papel subordinado à burguesia liberal nativa. Já o morenismo justifica o seu etapismo do ponto de vista do desenvolvimento do regime político burguês em direção à democracia.

A teoria da Revolução Permanente sustenta que nos países atrasados a burguesia local é incapaz de avançar rumo à resolução das tarefas democráticas e toda conquista democrática faz parte da luta anticapitalista, que tem de ser levada a cabo pelo proletariado através de sua vanguarda consciente, o partido marxista revolucionário, contra os capitalistas nativos. Por sua vez, Moreno descarta o elemento subjetivo e cai num claro desvio objetivista, advogando que qualquer transição democrática dirigida por quem quer que seja, independente de ter sido protagonizada pelo proletariado ou orientada por um partido bolchevique, já é uma revolução democrática e faz parte objetivamente de uma primeira etapa da luta pelo socialismo. É sob estas concepções que os Morenistas justificam seu apoio aos processos contrarrevolucionários no Leste Europeu, a respeito dos quais trataremos mais adiante.

Através da teoria da revolução democrática, os Morenistas tratam de abstrair o conteúdo social de uma revolução. A evolução desta concepção é a principal geradora de terríveis equívocos e capitulações nas fileiras do morenismo. Passam a chamar a qualquer coisa que vêem pela frente de revolução democrática ou de fevereiro, desde os processos de expropriação das burguesias nos Estados operários surgidos no pós-guerra, até a transição pactuada da ditadura à pseudodemocracia no Brasil, batizada pelos próprios generais de “abertura lenta e gradual”, passando ainda pelas revoluções abortadas pela frente popular na Nicarágua ou pelo fundamentalismo reacionário do Irã.

Os processos de transição democrática ou a instauração de um governo de frente popular são táticas burguesas para desviar a luta de classes e restabelecer a governabilidade capitalista sobre bases “democráticas”, substituindo o desgastado governo anterior. Nesta manobra, para obter êxito, a burguesia terá de conseguir cooptar a direção do movimento operário para limitar a luta “no terreno dos regimes políticos da burguesia e do Estado burguês”. E é aí que entram os Morenistas, como força auxiliar das direções burocráticas do movimento de massas para dar uma justificativa teórica ao apoio dado por estas direções traidoras a transição pactuada pela burguesia e calcada na colaboração de classes. Animados com as possibilidades de desfrutar plenamente das vantagens da democracia parlamentar, os Morenistas tratam de pintar com cores revolucionárias a manobra burguesa, enquanto tentam consolar as massas insatisfeitas com a continuidade da escravidão capitalista, propagandeando que a verdadeira revolução de outubro estaria reservada para a posteridade.

A concepção morenista de "revolução democrática", segundo a qual a substituição de um governo fascista por um de características pseudodemocráticas, ou seja, “uma revolução no regime político” é o prenúncio da Revolução de Outubro é oposta pelo vértice à teoria da Revolução Permanente, defendida por Trotsky. Para o dirigente do Exército Vermelho, o proletariado deve estar na linha de frente da defesa das tarefas democráticas e mesmo das liberdades democráticas contra o fascismo, inclusive sem negar a possibilidade de ações comuns pontuais com agrupamentos burgueses de oposição. Porém, o partido revolucionário deve nessa luta democrática ter seu próprio programa e, mantendo sua independência de classe, apontar que a defesa mais consequente da democracia é através da vitória da revolução proletária, ou seja, da classe operária construir seu próprio poder.

Trotsky nos ensinou que “para os países de desenvolvimento atrasado, e em particular, para os países coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a verdadeira e completa solução das tarefas democráticas e de libertação nacional, não pode ser outra que não seja a ditadura do proletariado, que se coloca à cabeça da nação oprimida, e em primeiro lugar, das suas massas camponesas” (Tese 2 da Revolução Permanente, 1930). Apesar dos primeiros objetivos da revolução socialista serem os democráticos em países atrasados ou governados sob o fascismo, o proletariado tem que estar à cabeça dessa luta para superar o próprio regime burguês e só dessa forma estará trabalhando pela vitória da Revolução de Outubro.

Trotsky não defendia que a luta democrática estivesse dissociada da tarefa do proletariado em instaurar seu próprio poder, como prega Moreno, e sim “que a vitória da revolução democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado, que se apoia na sua aliança com o campesinato e que, em primeiro lugar, decide as tarefas da revolução democrática” (Tese 4 da Revolução Permanente, 1930).

Está claro que a revolução democrática de Moreno está muito mais próxima das ideias dos renegados da socialdemocracia europeia do que do marxismo revolucionário . “A democracia idealizada pela burguesia não é, como pensam Bernstein e Kautsky, uma casca vazia que se pode, tranquilamente, encher sem se importar com o conteúdo. A democracia burguesa só pode servir à burguesia” (90 anos do Manifesto Comunista, L. Trotsky, 1937).

Moreno vem rever também as posições de Lenin e Trotsky sobre as guerras interburguesas. Já nos cursos internos de formação, o dirigente argentino ensina que a Segunda Guerra mundial não foi uma guerra interimperialista, combinada com o ataque a URSS, mas, em essência, uma guerra entre o fascismo e a democracia. Vale a pena resgatar as pérolas programáticas da LIT: “Provavelmente Nahuel Moreno tenha razão ao afirmar que Trotsky cometeu o maior erro de sua história ao caracterizar e apontar  a política para a Segunda Guerra Mundial. Ele viu a diferença com a Primeira [guerra] no caráter contra-revolucionário em relação a ameaça a URSS, porém não viu que este caráter contra-revolucionário se expressava em nível mundial no enfrentamento entre dois regimes, o fascista contra o democrático-burguês (...). Para Trotsky, o centro de sua política era o derrotismo revolucionário. Moreno opinou o contrário e considerou que o enfrentamento entre regimes era o ingrediente” (A história das internacionais socialistas, Alicia Sagra, janeiro/2005). Daí se desenvolve a caracterização que o triunfo da frente popular mundial entre o imperialismo e o stalinismo, seria o grande triunfo da “revolução democrática” (que deveria ter sido apoiada pelos trotskistas), o que abriria a era de revoluções socialistas iminentes em todo o planeta. As posições deste tipo significavam um abandono total das posições essenciais do “Manifesto da IV Internacional frente a guerra imperialista e a revolução proletária mundial”, redigido por Trotsky e adotado pela conferência internacional reunida em Nova York em maio de 1940 que criticava antecipadamente qualquer conduta impressionista frente ao avanço do nazismo sobre as outras nações europeias e ratificava o prognóstico anterior acerca das perspectivas revolucionárias, defendendo a necessidade de promover o “derrotismo” em todos os países imperialistas e a defesa incondicional, o defensismo, da URSS.

É bem sabido que as nações imperialistas “democráticas” não deixaram nem só por um momento de atuar como potências coloniais nem deixaram de explorar a guerra para enfraquecer a URSS. Em plena invasão alemã, o governo francês se recusou a trazer de volta suas esquadras estacionadas na Síria, pois para a burguesia francesa, pior que a ocupação nazista era comprometer sua dominação no Oriente Médio. Enquanto Hitler avançava sobre a URSS, as potências imperialistas “democráticas” aliadas, as quais Moreno reivindicou retrospectivamente que os trotskistas deveriam apoiar, não moveram um dedo em seus contingentes militares nas colônias para frear o avanço das tropas alemãs e japonesas, revelando assim quais eram suas prioridades. É difícil definir se este foi o maior erro de Moreno pela quantidade e qualidade de erros que ele nos oferece para optar. No entanto, podemos julgar que foram suas caracterizações mais presunçosas contra Trotsky. Deixemos que o próprio fundador do Exército Vermelho o responda: “realmente, é preciso ser muito cabeça oca para reduzir os antagonismos e conflitos militares mundiais a luta entre o fascismo e a democracia. É preciso saber desmascarar todos os exploradores, escravistas e ladrões sob a máscara com que se ocultam!” (La lucha antiimperialista es la clave de la liberación, una entrevista con Mateo Fossa, 23/09/1938).

Por mais daninho que o revisionismo de Moreno tenha sido ao trotskismo, como expressão dos tempos – de reação democrática anticomunista – o revisionismo de seus seguidores no século XXI consegue fazer pior, provando que em política revolucionária não vale o “quanto pior melhor” e que a degeneração da degeneração não é a regeneração. Se Moreno caracterizava a transição de uma ditadura para a democracia burguesa como uma revolução, os atuais Morenistas aviltaram tanto a noção de revolução que por fim, a simples substituição de um presidente desgastado por seu vice ou por outro representante burguês qualquer, ou seja, a troca de fusíveis da burguesia, passou a ser chamado de revolução. Deste mal são acometidos inclusive os que renegam peremptoriamente o morenismo como suas variantes originárias da juventude do MAS, como o PTS. Vale lembrar que, embora estas organizações vejam uma revolução em cada esquina, quando mais estiveram à prova, em 2001, durante o levante popular na Argentina ao qual eles também caracterizaram como revolução, recorreram ao velho programa da revolução democrática morenista, opondo-se à organização proletária rumo à construção de poder dual dos trabalhadores e da população oprimida para defender em conjunto (assim como o PO, MST, etc.) uma saída parlamentarista de Assembleia Nacional Constituinte (à qual acrescentaram a adjetivação revolucionária para embelezá-la), que naquele momento na Argentina representava um programa para a recomposição do regime político.

“O que mais é necessário é que as frases não obscureçam o entendimento nem embotem a consciência. Quando se fala em ‘revolução’, de ‘povo revolucionário’, de ‘democracia revolucionária’, etc., em nove da cada dez casos se trata de mentiras ou autoengano. É preciso perguntar: que classe faz a revolução? Contra quem se faz a revolução? Contra o czarismo? Neste sentido, na Rússia são hoje revolucionários a maioria dos latifundiários e dos capitalistas. Uma vez consumado o fato [da revolução política de fevereiro] até os reacionários se apoiam nas conquistas da revolução. Na atualidade, o modo mais frequente, mais abjeto e mais nocivo de enganar as massas, é elogiar a revolução neste sentido. A conclusão é clara, só o poder proletário, apoiado pelos semiproletários, pode dar ao país um poder realmente firme e verdadeiramente revolucionário. Será realmente firme, pois não se apoiará, por necessidade, no “conciliacionismo” instável dos capitalistas com os pequenos proprietários, dos milionários com a pequena burguesia” (V.I. Lenin: “Acerca del poder revolucionario firme” 06/05/917). E olha que Lenin referia-se a própria e genuína revolução democrática e de fevereiro! Os Morenistas assumidos ou envergonhados recorrem incuravelmente ao “modo mais abjeto e mais nocivo de enganar as massas” para propor, como lhes ensinou seu mestre Moreno, fóruns conciliacionistas com a burguesia como uma ANC em pleno levante popular na Argentina.

A posição dos marxistas acerca de uma revolução tem por obrigação de ser inequívoca. Trotsky afirma que “a revolução é uma prova aberta entre as forças sociais em luta pelo poder” (Resultados e Perspectivas, 1906). E confirma anos depois da revolução de outubro “... a revolução não é outra coisa que a luta pelo poder, uma luta política que as classes travam não com as mãos vazias, mas por meio de instituições políticas concretas” (A Revolução Permanente, 1929).

Apenas formalmente os Morenistas ainda reconhecem que a democracia burguesa é a ditadura da burguesia de forma dissimulada. Na prática, estes senhores buscam ser os campeões do antiautoritarismo, e para eles a democracia funciona como um elixir milagroso. Assim como o Rei Midas que a tudo transformava em ouro, o PSTU, a CST e mais recentemente o MAIS tenta travestir todos os conceitos marxistas sob a ótica da democracia burguesa. Então o socialismo ganha a adjetivação de “socialismo com democracia”, para tentar distinguir o seu socialismo da idéia negativa apregoada tanto de forma subestimada pela burguesia mundial, como de forma superestimada pelo stalinismo dos Estados operários burocratizados. Aqui reside uma imensa ignorância do marxismo e uma ainda maior concessão ao stalinismo e também ao imperialismo em reconhecer que o regime transitório e deformado comandado pela burocracia era alguma forma de socialismo. Para os verdadeiros trotskistas, o socialismo nunca existiu e só existirá como um fenômeno histórico quando a luta de classes alcançar a fase inferior da sociedade comunista. Os que acreditam que é possível coabitarem o socialismo e a democracia no mesmo período histórico terão de renunciar primeiro ao marxismo, que provou cientificamente que estes dois elementos são historicamente incompatíveis. É a mesma coisa que acreditar que o homo sapiens e o tiranossauro conviveram na mesma época. Para Lenin “a extinção do Estado implica a destruição da democracia (...) a democracia não é idêntica à subordinação da minoria à maioria. Democracia é o Estado que reconhece a subordinação da minoria à maioria, ou seja, uma organização chamada a exercer a violência de uma classe contra a outra, de uma parte da população contra a outra” (Capítulo IV.6, Engels e a superação da democracia, em O Estado e a Revolução, 1918). No socialismo, o Estado, como um instrumento de dominação de classes, “se extingue porque já não há capitalistas, já não há classes e, por isso mesmo, não tem cabimento reprimir nenhuma classe” (Cap. V.3, Primeira fase da sociedade comunista, idem).

Se, como vimos, as “revoluções de fevereiro” de Moreno nada têm a ver, em suas várias facetas em que é aplicada a analogia, com a derrubada do Czar e ascensão ao poder de Kerensky, a ideia de “Revolução de Outubro” morenista, utilizada como consolo diante das limitações de seus “fevereiros”, nem de longe encontra similar na tomada de poder ou tampouco no governo dirigido por Lenin e Trotsky. Segundo o PSTU, “o Estado Proletário, (...) é um Estado baseado na mais ampla liberdade de organização e expressão para todas as correntes e partidos políticos. (...) A todos, inclusive aos partidos burgueses que tenham apoio entre a massa trabalhadora, devem ser garantidas as liberdades democráticas de associação, reunião e expressão de suas posições, desde que não defendam a luta armada contra o regime” (Programa para a Revolução Proletária, anteprojeto de programa para o PSTU, março de 1994). Isto nada tem a ver com ditadura do proletariado, trata-se, melhor dizendo, de sua negação. É a confissão adiantada do PSTU que caso “sob condições (muito) excepcionais” chegasse ao poder, daria todas as garantias “democráticas” para que a burguesia tivesse plenas condições para reorganizar-se e afogar em sangue qualquer processo revolucionário.

Em sua Pré-Tese para o I Congresso do PT, a então Convergência Socialista, referindo-se ao tipo de Estado descrito acima, argumenta que “é o socialismo das mais amplas liberdades de imprensa, de organização, de liberdade de pensamento, (...) um regime assim não é utópico, ele existiu de forma pioneira e embrionária durante um curto período, depois da revolução russa de 1917. Foi o regime de Lenin e Trotsky, antes de ser destruído pela contra-revolução stalinista” . Não pode existir algo tão fantasioso da realidade como as ilusões democratizantes de um pequeno-burguês acerca do socialismo ou do paraíso celestial. O período em que a URSS foi dirigida por Lenin e Trotsky, que corresponde ao comunismo de guerra, quando foi empregado o terror vermelho contra o terror branco, para o PSTU é algo tão fictício que certamente não encontraríamos paralelo nem nas fantasias de Alice no País das Maravilhas. O PSTU pretende conciliar o inconciliável, a ditadura proletária com a democracia burguesa. Deixemos que o velho Engels responda ao PSTU: “Estes senhores nunca viram uma revolução? Uma revolução é, indiscutivelmente a coisa mais autoritária que existe; é um ato mediante o qual uma parte da população impõe sua vontade a outra parte por meio de fuzis, baionetas e canhões; meios mais autoritários não existem; e o partido vitorioso, se não deseja ter lutado em vão, tem que manter este domínio pelo terror que suas armas inspiram aos reacionários. A Comuna de Paris duraria mais de um dia, se não houvesse empregado esta autoridade do povo armado frente aos burgueses? Não podemos, pelo contrário, reprovar-lhe o não se haver servido o bastante dela? Assim, pois, de duas uma: ou os antiautoritários não sabem o que dizem, e neste caso não fazem mais que semear confusão; ou sabem e, neste caso, traem o movimento do proletariado. Num ou noutro caso servem à reação” (Sobre o Autoritarismo, artigo escrito para o Almanaque Republicano, 1847).

Moreno morre no conturbado ano de 1987. Logo após ao inicio do ano de 1990, em seu III Congresso Mundial, no começo da década em que explodiria em quase uma dezena de partes, a direção da LIT, euforizada pela onda restauracionista que varria o Leste europeu declara que “do mesmo modo em que os últimos meses significaram uma virada histórica para a humanidade, eles foram para a LIT-QI o salto para ganhar influência em setores de massas. Os dois acontecimentos estão relacionados. O trotskismo está vivo porque a revolução mundial matou o stalinismo e colocou em marcha uma grandiosa luta de massas, e porque a LIT-QI analisou corretamente os acontecimentos e atuou coerentemente de acordo com eles” (Correio Internacional, julho/1990).

Lamentavelmente não foi a revolução mundial que derrubou o stalinismo, mas sim a contrarrevolução imperialista, naquela parte do planeta onde os trabalhadores já haviam expropriado os capitalistas. Bandos políticos abertamente burgueses, agentes diretos do imperialismo tomaram o poder e deram início à maior pilhagem das condições de vida que os trabalhadores daqueles países já viram, arrancaram seus direitos de pleno emprego, a saúde, moradia e educação gratuitas, converteram a segunda maior potência do planeta numa semicolônia escravizada pelo imperialismo. O remédio (a restauração burguesa) foi pior do que a enfermidade (a burocracia stalinista) e matou o doente (Estado operário degenerado). Por sua vez, a caracterização impressionista e completamente invertida dos processos contrarrevolucionários do Leste foram para a LIT a prova de fogo em que a corrente de Moreno saiu reprovada e atomizou-se. O documento prossegue em suas “análises corretas dos acontecimentos”: “Quando a revolução política triunfou na Polônia, derrubou o Muro de Berlim e liquidou as ditaduras de partido único na Alemanha, Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia e, por fim, na URSS, para a LIT-QI já não houve a menor dúvida. A virada histórica das massas estava enterrando o stalinismo e abrindo no mundo uma nova etapa da revolução socialista. Está se abrindo a hora do socialismo com democracia. Sobre o Leste, o Congresso definiu que, depois da fase democrática da revolução, esta segue em frente” (idem).

A LIT justifica a posição que a coloca objetivamente na trincheira da contrarrevolução a partir do legado de Moreno: “Trotsky acreditava, e assim escreveu muitas vezes, que só um partido revolucionário (um partido da IV Internacional) poderia dirigir uma revolução vitoriosa contra o stalinismo. Nahuel Moreno pôde apoiar-se nas primeiras tentativas (derrotadas) de revolução política para prever teoricamente um desenvolvimento diferente da mesma através de fases que, por analogia, chamou de ‘Fevereiro’ e ‘Outubro’” (idem).

É escandaloso o malabarismo oportunista que a partir desta caracterização tenta justificar a oposição da LIT ao defensismo revolucionário estabelecido no Programa de Transição, buscando camuflar que o “desenvolvimento teórico diferente” de Moreno é justamente o oposto do que defendia Trotsky. A partir da teoria de que a chegada dos agentes da contrarrevolução ao poder se tratava de uma “revolução de fevereiro”, a LIT justifica sua concepção etapista também nos Estados operários deformados e por sua vez propõe uma frente popular com todos que defendem a democracia contra a ditadura da burocracia stalinista. Sob a caracterização de que qualquer direção de massas que se enfrente com o stalinismo é progressista, a LIT aprofunda ainda mais o seu revisionismo antimarxista para impulsionar uma aliança com as direções burguesas e pequeno-burguesas restauracionistas através de um programa que tenta conciliar o “socialismo com a democracia”. Não por acaso, os Morenistas reivindicam a legalização de todos os partidos no Estado operário deformado, ou seja, o direito de organização política dos restauracionistas em oposição à defesa de legalização apenas dos partidos soviéticos, como defendia Trotsky. Além de que os marxistas sempre se opuseram a que o socialismo fosse adjetivado (com democracia, real, etc.), desmascarando o revisionismo dos que assim o fizeram, está claro também que a democracia defendida pelos Morenistas não é a democracia operária, mas a democracia burguesa, que é diametralmente oposta ao socialismo.

Sob o escudo "teórico" de defender uma “revolução de fevereiro” também nos Estados operários, a LIT reivindica um programa democratizante restauracionista oposto à revolução política. Trata de esclarecer que “o primeiro movimento da revolução política esteve regido por uma tarefa central: acabar com o regime totalitário do stalinismo. Todas as demais reivindicações, algumas de importância determinante, como as nacionais ou as de caráter econômico-social, estavam combinadas e subordinadas ao combate contra a dominação dos partidos comunistas” (idem). Assim estabelece a priori um programa mínimo para a frente restauracionista sob a consigna de “todos juntos contra o stalinismo”.

A caracterização etapista da contrarrevolução vem mais uma vez acompanhada com tudo a que tem direito, caracterizando os novos governos como “novos regimes e governos kerenskistas declaradamente restauracionistas” (idem). Os governos restauracionistas, nem de longe se assemelham a um governo do tipo kerenskista e a situação que os pariram muito menos. A derrubada do czar, a instabilidade política baseada na dualidade de poderes e a existência do Partido Bolchevique impulsionaram as condições para a Revolução de Outubro. De forma inversa, a confusão das massas traumatizadas por décadas de stalinismo, sem nenhuma organização operária revolucionária de vanguarda ou de massas que as dirigisse permitiu a volta da burguesia ao poder, mais de 70 anos após ter sido expropriada, a instauração de governos mafiosos antioperários nada tem de progressivo. Muito pelo contrário, significa um profundo retrocesso sob um terreno que já havia sido conquistado pelo proletariado mundial. Esta analogia absurda e oportunista mostra que o morenismo não entende, ou melhor, não quer entender absolutamente nada do que seja uma revolução democrática, de fevereiro nem o que seja um governo de características kerenskistas. Contra este tipo de malabarismo, o grande fundador do Exército Vermelho alertava que “de trágicas circunstâncias históricas não é possível sair-se com estratagemas, frases ocas e pequenas mentiras. Devemos dizer às massas a verdade, toda a verdade e nada menos que a verdade” (Conversando com L. Trotsky, por Mateo Fossa, 1938).

Trotsky faz uma analogia no livro “Em defesa do Marxismo”, comparando a defesa da URSS em escala mundial com a defesa da democracia em escala nacional. Em ambos os casos, assinala que é preciso combinar a tática da frente única (não descartando a possibilidade de fazer uma frente militar com a burocracia stalinista diante dos agentes restauracionistas internos ou externos) com a revolução proletária (no caso da URSS, revolução política). Moreno também faz a sua analogia, só que a utiliza num sentido bem distinto em que a revolução proletária é substituída pela revolução democrática e a frente única pela frente popular.

É preciso recordar que antes da destruição dos Estados operários, o morenismo apoiou todos os movimentos que serviram de ponta de lança do imperialismo contra a URSS e os países do Leste europeu, desde o apoio à reacionária guerrilha islâmica impulsionada pela CIA no Afeganistão, até os burocratas nacionalistas da Lituânia (e também da Bósnia e Croácia, ainda durante a existência do Estado operário iugoslavo) que a LIT apoiou sob a consigna de “independência das nacionalidades”, sobrepondo a questão nacional e as reivindicações democráticas burguesas à defesa das bases sociais conquistadas pela expropriação da burguesia nos Estados operários.

Na Polônia, durante anos, a LIT reivindicou um governo de Lech Walessa, uma vez atendidas as preces Morenistas em 1989, se mostrou ainda mais descarada a capitulação de sua corrente ao setor restauracionista de Walessa, anunciando como uma revolução política a instauração de um governo lacaio da restauração burguesa, que assumiu o poder com as mãos livres para destruir as condições de vida dos trabalhadores polacos, após pactuar com a burocracia stalinista que esmagou a base do Solidariedade no golpe de dezembro de 1981. Aqui, mais uma vez, o morenismo vai ao extremo do oportunismo e à capitulação às direções pró-imperialistas. A política correta na Polônia era de colocar-se no campo da resistência operária protagonizada pelas bases do Solidariedade em oposição à orientação de sua direção de não enfrentar o golpe que conduziu à restauração capitalista, selada posteriormente por Walessa e Juaruselsky.

Revisando as Teses da Revolução Permanente, Moreno despreza o papel do elemento subjetivo nos processos revolucionários, afirmando que “esse foi um tremendo erro ... (porque no pós-guerra)... houve processos de revolução permanente que expropriaram a burguesia, fizeram uma revolução operária e socialista sem ser liderados pela classe operária e sem partidos comunistas revolucionários. Quer dizer, os dois sujeitos de Trotsky, o social e o político faltaram ao encontro histórico. (...) temos que formular que não é obrigatório que seja a classe operária e um partido marxista revolucionário os que dirijam o processo da revolução democrática para a revolução socialista ...” (Escola de Quadros, Argentina, 1984).

O revisionista argentino tratou de fazer alguns acertos preventivos em sua própria teoria da revolução permanente, através de uma combinação de regras do senso comum com algo que se aproxima muito da crença da existência de um destino governante da história. Uma delas foi a de estabelecer que “nesta época revolucionária, todo avanço que não for seguido por outro avanço significa um retrocesso” (Tese II, Teses para a Atualização do Programa de Transição, 1980). Outra que se desprende da primeira advoga que “enquanto o proletariado não superar sua crise de direção revolucionária, não conseguirá derrotar o imperialismo mundial e, em conseqüência, todas as lutas estarão pontilhadas de vitórias que inevitavelmente conduzirão a derrotas catastróficas” (idem).

Os Morenistas não se contentam com a restauração na URSS e no Leste europeu e declaram criminosamente que “continua o combate pela derrubada dos regimes totalitários na China, Albânia, Coréia do Norte, Vietnã e Cuba (independentemente da forma que tome a revolução política em cada um deles), em todos os quais já começou a contagem regressiva” (Correio Internacional, julho de 1990). Nada mais sórdido e criminoso, defendem a derrubada dos regimes burocráticos, inclusive, em favor da possibilidade mais factível que, pela ausência de um genuíno partido revolucionário, assumissem no seu lugar regimes capitalistas (a ditadura da burguesia) ávidos por liquidar com as condições de vida das massas. Mas, como se não bastasse tamanha manifestação de antidefensismo, reivindicam esta via contrarrevolucionária, “independentemente” da forma truculenta que venham assumir os novos regimes totalitários, que lançarão mão de todos os expedientes (terror das máfias, guerras fratricidas, privatizações, demissões em massa, etc.) para reconquistarem o espaço expropriado dos capitalistas há várias décadas. Na verdade, ao contrário dos verdadeiros trotskistas que se colocam incondicionalmente em defesa dos Estados operários, os Morenistas estão incondicionalmente pela restauração capitalista, ou seja, contra os Estados operários ainda existentes, como Cuba e Coréia do Norte.

Moreno assentou as bases para que os distintos herdeiros , " oficiais e oficiosos" , de sua corrente internacional viessem a saudar a restauração capitalista no Leste europeu como grandes revoluções democráticas e que a partir de então era a vez do morenismo crescer no mundo todo. Poucos anos depois destes prognósticos exitistas feitos durante os processos contrarrevolucionários de 89 a 91 era a própria internacional morenista que reconhecia sua disfunção: “Muitos camaradas se perguntam se a LIT já acabou ou está preste a acabar. Uma única opinião é unânime no conjunto da LIT: estamos em meio a uma crise monumental” (LST-BDI, “Rapport sur la crise de la LIT, la situation actualle et nos tâches”, 28/07/1993). Em 2006, depois da internacional morenista anunciar aos quatro ventos sua recuperação, sai da LIT o MST boliviano assim como o POS mexicano. A então seção mexicana alertava para o fato de que os documentos internos de discussão do pré-Congresso do PSTU “evidenciam que estamos diante de uma situação de extrema gravidade. Não unicamente no partido brasileiro, mas no conjunto da internacional” (POS, Nacional-trotskismo, burocratismo y menchevismo pueden destruir al PSTU y a la LIT, 02/07/2006). Após seu “coma” na década de 1990, hoje a LIT está reduzida ao PSTU brasileiro e seus satélites, uma dúzia de pequenos grupos ou núcleo de militantes carentes de imprensa partidária, que mantém relações políticas irregulares entre si. A incorporação de um grupo de militantes italianos, oriundos de um racha da organização política que participava da federação menchevique internacional impulsionada pelo PO argentino, é a “grande conquista” da LIT depois de vários anos.

Como prognosticava Trotsky em seu “Em defesa do Marxismo”, conjunto de documentos defensistas “malditos” que foram jogados no esquecimento pelo autoproclamado movimento trotskista, uma atitude falsa, errônea acerca do primeiro Estado operário do planeta, a mais rica experiência da luta pelo poder pelo proletariado, ameaçava com a existência de todo o partido, pois aqueles que são incapazes de defender as posições já alcançadas, nunca conquistarão outras novas.

Sob a experiência de varias batalhas no interior da IV Internacional acerca desta questão, J. P. Cannon, dirigente do SWP dos EUA, fez o seguinte depoimento: “como assinalei na conferência anterior [maio de 1929], já desde 1917 se demonstrou mais e mais que a questão russa é a pedra de toque para toda corrente do movimento operário. Aqueles que tomam uma posição incorreta sobre a questão russa deixam o campo revolucionário cedo ou tarde. A questão russa tem sido debatida inumeráveis vezes em artigos, folhetos e livros. Mas a cada guinada importante dos fatos ela vem à tona de novo. Ainda em 1939 e 1940, tivemos que lutar novamente sobre a questão russa com uma corrente pequeno-burguesa em nosso próprio movimento” (A história do trotskismo norte-americano, V Conferência: Os dias de cão da Oposição de Esquerda, 03/1944).

A revolução russa é a pedra de toque de toda corrente do movimento operário, porque a partir dela se abriu uma nova era para a humanidade, provou que é possível, não apenas por algumas semanas como foi a Comuna de Paris, mas por anos, que o proletariado conquiste em mantenha em suas mãos o poder estatal. E mais do que isto, faça-o de forma consciente, enquanto classe para si, como haviam prognosticado Marx e Engels, através de seu partido comunista revolucionário e internacionalista. Independente da degeneração stalinista posterior, que só ocorreu como subproduto da revolução russa não ter se repetido mundo afora, foi provado. É possível! Então quando a burguesia mundial aproveita-se do trabalho nefasto realizado por décadas pelo stalinismo e toma de volta o terreno que o proletariado havia lhe expropriado – em nome daqueles que “teriam que resistir até a última das trincheiras” na defesa da URSS, como diria Trotsky – os pseudotrotskistas aplaudiram como revoluções políticas (que na concepção de Trotsky é sinônimo de revolução antiburocrática socialista, soviética) a privatização dos Estados operários. Com esta posição os pseudotrotskistas atravessassem o rubicão como a seu momento fizera a fração antidefensistas do SWP encabeçada por Shachtman e Burnham. O fato dos shachtmanistas modernos fazerem coro mimetizando os gritos de vitória do grande capital imperialista, da socialdemocracia, do Vaticano e de toda a reação mundial mostra a que vileza e a que distância chegaram os epígonos de Trotsky de sua ideias mais elementares. “Toda tendência política que, desesperançada, diz adeus à URSS, sob o pretexto de seu caráter ‘não proletário’, corre o risco de transformar-se em um instrumento passivo do imperialismo. Evidentemente nossa tendência não exclui a trágica possibilidade de que o primeiro Estado operário, debilitado por sua burocracia, venha a cair sob os golpes mancomunados de seus inimigos internos e externos. Mas, se isto ocorrer, a pior das variantes possíveis, adquirirá enorme importância para o curso posterior da luta revolucionária, pergunta QUEM seriam os culpados da catástrofe. Sobre os internacionalistas revolucionários não deve cair nem uma sombra de culpa. Na hora do perigo mortal, terão de resistir até a última das trincheiras” (A natureza de classe da URSS, 1933).

No século XXI, a esclerose teórica destas direções cristalizou-se, convertendo-se em um obstáculo intransponível para que os dirigentes pudessem sequer verificar as razões da crise que devastou suas organizações, então no curso de seu raciocínio pularem de uma questão a outra para fugir de um balanço verdadeiro. Em 2005, no VIII Congresso da LIT, foram elaborados, finalmente, os documentos de “reavaliação das Teses de 90”. Mas longe de revisar suas posições hediondas, a LIT reafirmou de maneira cretina que “a partir do ano de 1989, se abriu uma nova etapa revolucionária, a quarta, que se origina em um dos maiores triunfos da história da luta de classes: a derrota do aparato contra-revolucionário stalinista” (Resoluções do VIII Congresso Mundial da LIT, julho/2005). O que se fez foi aprofundar os erros ao extremo ao ponto de argumentar que o processo que levou a destruição dos Estados operários do Leste europeu e da URSS representaria a terceira maior vitória histórica dos trabalhadores no século XX, ao lado da própria construção da URSS e da derrota do nazi-fascismo durante a Segunda Guerra Mundial, também realizada pelo proletariado da URSS!!!

Transformando suas vergonhosas autojustificações em teorias a direção da LIT recorre ao artifício “teórico” de reescrever a história argumentando que o capitalismo já havia sido restaurado na URSS, por Gorbachev, em 1986, e que, portanto, o alvo da “revolução política de 90”, saudada euforicamente pela LIT, seria o capitalismo já restaurado. Um truque pueril que parece ter sido aprendido da escola de falsificação stalinista da história da URSS. Resolvem, então, o problema por decreto: “A partir de fevereiro-março de 1986, a ex-URSS não é mais um Estado operário burocratizado, e sim um Estado burguês” (Quando o Estado soviético passou a ser capitalista, sítio do PSTU, 01/09/2005). Apesar de Gorbachev ter tomado medidas de mercado para oxigenar a economia soviética planificada burocraticamente e em crise, medidas estas que sob a política desastrosa da camarilha stalinista favoreceram a pressão imperialista sobre a URSS, porque estavam subordinadas à política de “coexistência pacífica” e nada tinham em comum com a NEP leninista, essa orientação não alterou o caráter de classe da URSS. Retrospectivamente os “espertos” dirigentes Morenistas acreditam que podem criar uma cortina de fumaça em torno de sua culpa, dizendo “adeus a URSS” mais cedo (cinco anos antes). Usam como álibi o argumento de que na época em que eles são acusados de saudaram o assassinato do Estado operário “ele já estava morto mesmo”. Assim, acreditam livrar a cara de sua corrente pela cumplicidade na destruição contrarrevolucionária da URSS, uma vez que o crime adquiria menor importância.

Uma vez declarando que a restauração capitalista já ocorreu também em Cuba, a LIT lava suas mãos para a defesa das conquistas revolucionárias (ainda que já bastante descaracterizadas elas continuam existindo) da ilha e torna-se despudoradamente “um instrumento passivo do imperialismo” como diria Trotsky. Não contente com toda destruição causada pela restauração capitalista na URSS e no Leste europeu, com uma fraseologia democratizante e anticomunista a LIT lembra que  “Existem diferenças entre o resto [URSS e Leste Europeu] e China e Cuba, já que nestes países as massas não derrubaram ainda os regimes de partido único nem destruíram os respectivos partidos comunistas” (Resoluções do VIII Congresso Mundial da LIT, julho/2005). Sua revista “teórica”, Marxismo Vivo nº 14, incorpora definitivamente ao seu programa a plataforma contrarrevolucionária burguesa para Cuba, substituindo por completo as tarefas da revolução política pela defesa da democracia burguesa contra a ditadura do partido único. Esta organização pequeno-burguesa reconhece abertamente que este é o programa da grande burguesia mundial, constatando que a política do imperialismo para Cuba “é pressionar para que sejam legalizados os partidos políticos e o processo sucessório de Fidel seja decidido nas urnas” (Marxismo Vivo nº14, 2006).

Longe de sonhar com uma “revolução democrática” que mascarasse a restauração capitalista, Trotsky advertiu uma e outra vez sobre os perigos de confundir as bandeiras da oposição antiburocrática operária à oposição restauracionista. Assim, por exemplo, se opôs explicitamente à palavra de ordem de “Abaixo Stalin” nos anos 30. “É verdade que a consigna ‘Abaixo Stalin’ no partido como no exterior está cada vez mais popular... Não obstante, acreditamos que este ‘slogan’ é falso. Alguém pode ver uma vantagem nesta consigna, mas ao mesmo tempo, indubitavelmente, seu perigo. Assumir uma camuflagem e dissolver-se politicamente no descontentamento geral com o regime stalinista é algo que nós não podemos fazer, nem devemos fazer nem faremos” (Abaixo Stalin não é nossa consigna, Escritos, março/1933). Para concluir este ponto queremos destacar a posição de Trotsky sobre a Ucrânia: “Os nacionalistas ucranianos consideram correta a consigna de uma Ucrânia independente. Mas se opõem a relacionar esta consigna com a revolução proletária. Querem uma Ucrânia independente democrática e não soviética. (...) A consigna de uma Ucrânia democrática está historicamente ultrapassada. Sua única função é consolar os intelectuais burgueses” (La independencia de Ucrania y el confusionismo sectario, 30/07/1939).

Reconhecer a importância devida às consignas democráticas nada tem a ver com fazer da democracia burguesa o eixo estrutural do programa do partido. Esta delimitação adquire ainda maior relevância quando se trata de lutar pelas consignas democráticas em Estados de natureza de classe distintas como são os Estados operários e os Estados capitalistas. Diante de um Estado operário burocratizado os marxistas revolucionários não defendem retroceder em direção à democracia burguesa, ou seja, não acreditam que em face à burocratização da ditadura do proletariado a saída esteja em retomar a ditadura da burguesia. Defendem sim o avanço em direção à democracia dos conselhos revolucionários. Por esta razão o Programa de Transição não defende a volta à democracia burguesa e a legalização de todos os partidos de uma maneira geral, mas unicamente defende a democracia soviética, a legalização dos partidos soviéticos e o conjunto das liberdades que os conselhos populares decidirem. “A Plataforma da Oposição de Esquerda não contempla, naturalmente, uma democracia absoluta e auto-suficiente, acima da realidade política e social. Necessitamos da democracia para a ditadura do proletariado e dentro dos marcos desta ditadura” (Es necesario concertar un acuerdo intrapartidario honesto, 30/3/1933).

Na ausência de uma seção da IV Internacional no interior dos Estados operários burocratizados do Leste europeu com a firmeza dos trotskistas de Vorkuta (campo de concentração stalinista) – fato que aponta que o pablismo de todos os epígonos de Trotsky postergou-se muito além da influência de Pablo – o vazio deixado pelo marxismo revolucionário foi ocupado pelo programa da democracia burguesa patrocinada pelo imperialismo. Não havia uma terceira via, somente trotskistas defensistas ou restauracionistas pró-imperialistas. No meio as massas proletárias atomizadas, identificando falsamente as idéias do marxismo com a de seus algozes stalinistas, sem qualquer referência genuína do marxismo e confundidas por agentes restauracionistas, dentre os quais, não poucos agentes do aparato estatal stalinista. Assim, até o fim da URSS continuaram vigentes as advertências de Trotsky contra os perigos de confundir o programa da luta pela democracia soviética com o da democracia burguesa. O mesmo vale para Cuba. Para eximir-se da tarefa de montar um núcleo trotskista defensista e organizador da revolução política na Ilha, os Morenistas já jogaram foram a criança com a água da bacia decretando que a restauração capitalista já se completou e que nada mais há que defender como conquista operária. Os Morenistas sustentam que em Cuba já não existem mais as bases do Estado Operário, sufocadas pela falta de liberdades e pela restauração capitalista, vejamos o que disse o grupo MAIS recentemente: "Reivindicamos a revolução cubana e o que representou o processo revolucionário para o povo cubano e latino-americano, ao mesmo tempo, que somos opositores da Burocracia castrista e o seu curso de restauração do capitalismo em Cuba e a falta de liberdades democráticas na ilha", para logo depois fecharem a sentença de óbito: "Aos poucos foi caindo a planificação da economia, o monopólio do comércio exterior e a propriedade estatal dos meios de produção." (site do MAIS). Neoliberais e Morenistas tem em comum a caracterização de que em Cuba vige hoje as leis de mercado, formatadas por um regime político autoritário, como o de Putin na Rússia. Não se trata aqui de debater a trajetória contrarrevolucionária do Castrismo, que entre tantas "pérolas" detém o "feito" de ter condecorado em Havana o assassino de Trotsky, Ramon Mercader, ou mesmo recordar o boicote político e material feito contra seu camarada Che Guevara na guerrilha da Bolívia. Esta é a própria natureza da burocracia stalinista, defender as bases socializadas da economia, ao mesmo tempo em que impulsiona sua plataforma de colaboração de classes em nível mundial. Porém pretendemos esclarecer o atual caráter do regime social em Cuba, que nada tem a ver com o "modelo" russo ou mesmo chinês. Neste sentido é completamente incorreto atribuir a morte de Fidel com o "fim do ciclo", pelo simples fato de que em Cuba permanecem até hoje os mesmos mecanismos econômicos elementares que foram instaurados logo no início dos anos 60. É certo que a política do Castrismo "flexibilizou" muitos pontos, realizando tardiamente uma "NEP" em direção a pequenas atividades comerciais e de serviços, que podem ser exploradas por empreendedores individuais. Com o fim da parceria comercial com a URSS também houve a necessidade de abrir setores da economia para monopólios internacionais, como o turismo por exemplo. Entretanto mais de 70% do PIB cubano continua sob o rígido controle do Estado Operário, o que permitiu manter as conquistas sociais fundamentais da revolução de 59, ao contrário do que ocorreu na Rússia. Consiste em um completo equívoco teórico asseverar que em Cuba não existe a planificação central da economia, tomando apenas como base apenas a abertura em alguns segmentos onde o Estado não possuía capacidade de investimento. Os principais meios de produção, industriais e agrários do país não estão nas mãos de grupos capitalistas em Cuba, e este é motivo fulcral para que o Congresso Norte-Americano não retire o embargo comercial imposto à ilha, apesar dos "apelos" feitos por Obama. O regime stalinista se mantém de pé e com ele as conquistas da revolução cubana sobrevivem apesar do brutal cerco imperialista, esta constatação elementar não significa afirmar que as pressões políticas pela restauração capitalista não tenham se avolumado no marco da aproximação do Estado com monopólios internacionais. O fim da URSS e a posterior crise da Venezuela, iniciada com a morte de Chavez, impuseram um freio nos dois períodos de expansão econômica vívidos em Cuba, ou seja, anos 70 e início do século XXI. A situação de recessão mundial detonada com o crash financeiro de 2008 (queda das exportações), obrigou a burocracia Castrista a renegociar novas áreas de "livre comércio" no país, as tendências políticas em favor da introdução de instituições da democracia burguesa na Ilha Operária cresceram na mesma proporção da crise econômica. Portanto seria um crime histórico para os genuínos Trotskistas darem como perdida (ou abandonarem) a luta para se manter vivas para o povo cubano as imensas conquistas da revolução, ao contrário daqueles que "cantam loas" para comemorar o "fim do ciclo" dos Estados Operários.

Passados 33 anos da morte de Moreno podemos afirmar que seu “legado teórico” baseado na deformação completa do Marxismo Revolucionário e do próprio Trotsquismo vem liquidando a própria corrente Morenista a nível mundial, totalmente adaptada à democracia burguesa e ao imperialismo. Todos os grupos filiados a LIT e seus “simpatizantes” permanecem no terreno antidefensista, quando a questão envolve os Estados Operários sobreviventes, isto sem falar é claro da vergonhosa posição política que sustentaram no calor dos fatos da luta de classes no final dos 80 e início dos anos 90. Não acreditamos em uma suposta autocrítica do MAIS, por exemplo, com relação à política da LIT com relação a restauração capitalista da URSS, que nunca foi esboçada em relação ao apoio incondicional emprestado aos furiosos militantes da direita imperialista que “sacaram” suas picaretas para derrubarem o Muro de Berlim e agora repetiram mais recentemente na Ucrânia. Aliás “Muro” este que passaram décadas repetindo como papagaios da furibunda reação capitalista que se tratava da “vergonha” mundial da esquerda stalinista. A Resistência não é uma ruptura de “esquerda”, estão ideologicamente à direita do PSTU e no mesmo prumo "teórico" pró-imperialista do Morenismo, em resumo toda “família” revisionista 33 anos após a morte de Nahuel Moreno caminha rumo à direita, ou seja, no terreno político ou no campo ideológico. A profunda identidade que os une a social-democracia de “esquerda” como o PSOL no Brasil é a prova cabal do que afirmamos... O próprio Moreno deve está se revirando no túmulo com a acentuada degeneração de seus “herdeiros políticos” que colocam em risco a própria existência da corrente internacional que ele fundou!