Entre o final de dezembro de 1922 e o início de janeiro de 1923, Lenin
ditou aos seus secretários uma série de notas confidenciais. O conjunto dessas
notas é conhecido como Testamento político de Lenin. Esta Carta foi lida aos
delegados do Congresso realizado em Maio de 1924 por Krupskaya, companheira de
Lenin, os delegados do Congresso, por vê-la como parte da discussão interna do
Congresso não a publicaram no momento. Logo, pela opinião negativa de Stalin no
que a Carta se expressa, ela foi suprimida até o XX Congresso do PCUS em 1956.
Este documento é de importância central não só porque levanta uma série de
propostas programáticas ao conjunto do partido para frear a crescente
burocratização, mas também porque propõe destituir de Stalin de suas funções
enquanto exalta as virtudes de Trotsky. Na primeira parte do Testamento, Lenin
avançou para a necessidade de fazer aumentar o efetivo do Comité Central
impulsionando a entrada de operários e camponeses (50-100 dos membros), e
também esboçou retratos de dirigentes do partido para os candidatos a sua
sucessão. "Stalin concentrou um imenso poder como Secretário Geral" e
Lenin interroga-se até que ponto ele saberá utilizá-lo com precaução
suficiente. Leon Trotsky é apresentado como o dirigente mais capaz do Comité
Central, mas "peca por uma excessiva segurança e uma visão demasiado
administrativa das coisas". Em seguida, vêm Zinoviev e Kamenev, cujos,
Lenin, recorda que não é por acaso que se opuseram à tomada do poder em
Outubro. Bukharin e Piatakov são mais notáveis dos jovens membros do Comité central.
Mas o primeiro tem algo de "escolástica" nos seus raciocínios e as
capacidades do segundo são mais de ordem administrativa do que política. A
última adição ao testamento de 4 de Janeiro de 1923 Lenin é muito mais forte:
“Stalin é demasiado bruto”. Lenin propõe, portanto, considerar maneiras de
substituir o Secretário-geral por um companheiro “mais tolerante, mais leal,
mais educado e mais atento aos camaradas", documento que o BLOG da LBI reproduz abaixo.
CARTA AO CONGRESSO
Eu recomendaria muito que neste Congresso se introduzissem
muitas mudanças em nossa estrutura política.Gostaria de expor-lhes as considerações que considero mais
importantes.
Em primeiro lugar coloco o aumento do número de membros do
CC a várias dezenas e inclusive a uma centena. Creio que se não empreendermos
tal reforma, nosso Comitê Central se veria ameaçado de grandes perigos, caso o
curso dos acontecimentos não seja de todo favorável para nós (e não podemos
contar com isso).
Também penso em propor ao Congresso que dentro de certas
condições se dê caráter legislativo às discussões da Gosplan, coincidindo
neste sentido com o camarada Trotsky, até certo ponto e em certas condições.
Pelo que se refere ao primeiro ponto, ou seja, ao aumento do
número de membros do CC, creio que isto é necessário tanto para elevar o prestígio
do CC como para um trabalho sério com objetivo de melhorar nosso aparato e como
para evitar que os conflitos de pequenas partes do CC possam adquirir uma
importância excessiva para todos os destinos do partido.
Opino que nosso Partido está em seu direito de pedir à
classe operária de de 50 a 100 membros do CC, e que pode receber dela sem
colocar tensão demais em suas forças. Esta reforma aumentaria consideravelmente
a solidez de nosso Partido e lhe facilitaria a luta que trava, rodeado de
Estados hostis, luta que, ao meu modo de ver, pode e deve agudizar-se muito nos
próximos anos. Me parece que, graças a esta medida, a estabilidade de nosso
Partido estaria mil vezes maior.
CONTINUAÇÃO DAS NOTAS
Pela estabilidade do Comitê Central, da qual falava mais acima, entendo as medidas contra a ruptura ao passo em que tais medidas possam, em geral, adotar-se. Porque, naturalmente, teria razão o guarda branco de Rússkaya Mysl (creio que era S. F. Oldenbourg) quando, o primeiro, no jogo dessas gentes contra a Rússia Soviética colocava suas esperanças na cisão de nosso Partido e quando, o segundo, as esperanças de que iria a provocar esta divisão as cifrava em gravíssimas discrepâncias no seio do Partido.
Nosso Partido se apóia em duas classes, e por isso é
possível sua instabilidade e seria inevitável sua queda se estas duas classes
não pudessem chegar a um acordo. Seria inútil adotar umas ou outras medidas com
vistas a esta eventualidade e, em geral, fazer considerações acerca da
estabilidade de nosso CC. Nenhuma medida seria capaz, neste caso, de evitar a
divisão. Mas eu confio que isto se refere a um futuro longínquo e é um
acontecimento improvável demais para falar do mesmo.
Me refiro à estabilidade como garantia contra a ruptura em
um futuro próximo, e tenho a proposta de colocar aqui várias considerações de
índole puramente pessoal. Creio que o fundamental no problema da estabilidade,
desde este ponto de vista, são tais membros do CC como Stálin e Trotsky. As
relações entre eles, a meu modo de ver, encerram mais da metade do perigo desta
divisão que se poderia evitar, e a cujo objetivo deveria servir entre outras
coisas, segundo meu critério, a ampliação do CC a 50 ou até 100 membros.
O camarada Stálin, tendo chegado ao Secretariado Geral, tem
concentrado em suas mãos um poder enorme, e não estou seguro que sempre irá
utilizá-lo com suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky,
segundo demonstra sua luta contra o CC em razão do problema do Comissariado do
Povo de Vias de Comunicação, não se distingue apenas por sua grande capacidade.
Pessoalmente, embora seja o homem mais capaz do atual CC, está demasiado
ensoberbecido e atraído pelo aspecto puramente administrativo dos assuntos.
Estas características de dois destacados dirigentes do atual
CC podem levar sem querer-lo à ruptura, e se nosso Partido não toma medidas
para impedir-lo, a divisão pode vir sem que se espere.
Não seguirei caracterizando aos demais membros do CC por
suas características pessoais. Recordarei apenas que o episódio de Zinoviev e
Kamenev em Outubro não é, naturalmente, uma casualidade, e que se disto não
se pode culpar pessoalmente, tão pouco a Trotsky pelo seu não bolchevismo.
Quanto aos jovens membros do CC, direi algumas palavras
sobre Bukharin e Piatakov. São, a meu juízo os que mais se destacam (entre os
mais jovens), e neles deveria se levar em conta o seguinte: Bukharin não é só
um valiosíssimo e notabilíssimo teórico do Partido, senão que, ademais, se lhe
considera legitimamente o favorito de todo o Partido; porém suas concepções
teóricas muito dificilmente podem qualificar-se de inteiramente marxistas, pois
há nele algo escolástico (jamais estudou e creio que jamais compreendeu por
completo a dialética).
Depois vemos Piatakov, homem sem dúvida de grande
vontade e grande capacidade, porém a quem atrai demais a administração e o
aspecto administrativo dos assuntos para que se possa confiar nele um problema
político sério.
Naturalmente, uma ou outra observação são válidas apenas
para o presente, supondo que estes dois destacados e fiéis militantes não
consigam completar seus conhecimentos e corrigir sua formação unilateral.
SUPLEMENTO À CARTA DE 24 DE DEZEMBRO DE 1922
Stálin é brusco demais, e este defeito, plenamente tolerável em nosso meio e entre nós, os comunistas, se coloca intolerável no cargo de Secretário Geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem a forma de passar Stálin a outro posto e nomear a este cargo outro homem que se diferencie do camarada Stálin em todos os demais aspectos apenas por uma vantagem a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer fútil tolice. Porém eu creio que, desde o ponto de vista de prevenir a divisão e desde o ponto de vista do que escrevi anteriormente sobre as relações entre Stálin e Trotsky, não é uma tolice, ou se trata de uma tolice que pode adquirir importância decisiva.
Lenin
04.01.23
Taquigrafado por L. F.