domingo, 3 de julho de 2022

“ATO PELA PAZ” NO EQUADOR: DIREÇÕES REFORMISTAS FECHAM ACORDO DA TRAIÇÃO QUE SALVOU O GOVERNO NEOLIBERAL DE LASSO

Após 18 dias de um levante popular que sacudiu o país e quase pôs abaixo o governo neoliberal de Guillermo Lasso (com o impeachment deixando de ser aprovado por pouquíssimos votos) a capital, Quito, presenciou um acordo de traição anunciado como vitória pelo presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), Leônidas Iza.

Comemorando cinicamente a assinatura do “Ato pela Paz” com uma gigantesca manifestação de solidariedade ao líder nas ruas, milhares de pessoas se aproximaram do carro que conduzia Iza para cumprimentá-lo com orgulho e alegria. Aplausos e saudações vibrantes pela contundência do protesto se somaram às declarações de pessoas de todas as idades de que o acompanharão na luta até a plena execução da pauta, que deverá ser executada no prazo máximo de 90 dias.

“Só a luta nos permitiu conquistar direitos! Temos resultados na agenda nacional de 10 pontos, conseguimos medidas para aliviar a situação econômica, saúde e educação de famílias vulneráveis ​​no campo e na cidade; baixamos decretos para defender vida”, apontou a Confederação de Nacionalidades Indígenas.

Apesar de o governo ter assinado um acordo com a mediação da Conferência Episcopal Equatoriana, com a Conaie, a Confederação Nacional das Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin) e o Conselho de Povos e Organizações Indígenas Evangélicas do Equador (Feine), as provocações não cessaram.

Mesmo depois de ter detido Iza no dia 14 de junho para libertá-lo posteriormente, agora o governo insiste em julgá-lo com base no Código Penal Orgânico Integral (COIP), que pune de um a três anos de prisão a realização de atos de “vandalismo”, atribuídos ao dirigente da Conaie durante os protestos. “Sabemos que eles tomam decisões coletivas, com suas bases, têm que consultar seus diferentes povos e nacionalidades. Mas quero ser categórico, em nenhum momento, nesse registro foi tocado o assunto desses atos de vandalismo, de um possível perdão dessas questões”, declarou o vice-ministro de Governo, Homero Castanier.

Diante da afronta, a defesa de Iza solicitou que Lasso e o ministro do Interior, Patricio Carrillo, comparecessem como testemunhas e esclareçam de uma vez por todas os fatos, já que haviam se comprometido a retomar o processo de diálogo com vistas a encontrar soluções pacíficas para as demandas econômicas e pôr fim aos protestos sociais.

O fato, observou a Aliança de Organizações de Direitos Humanos, que reúne 15 grupos, é que Lasso impôs o “estado de exceção” em seis províncias [Estados], tendo sido registrados seis mortos, 331 feridos e 152 detidos. A Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos, que acompanhou a mobilização, denunciou que o governo equatoriano cometeu “crimes contra a humanidade”. Além dos assassinatos, informaram, ocorreram detenções arbitrárias com “tormentos, tratamentos cruéis e degradantes”. 

Um documento assinado pelo movimento indígena destaca os supostos avanços obtidos durante os “18 dias de resistência”, colocando em destaque a redução do galão [de 3,78 litros] de diesel de US$ 1,90 para US$ 1,75 e de gasolina de US$ 2,55 para US$ 2,40, o que significa uma diminuição de US$ 0,15 o galão, bem como a acachapante derrota do Decreto 95, para que “não se permita a ampliação da fronteira petrolífera, a fim de proteger os territórios e direitos coletivos dos povos indígenas”.

Entre as prioridades dos próximos três meses está a “reforma do Decreto 151, com o qual não haverá mineração em áreas protegidas e em territórios ancestrais, zonas declaradas como intangíveis, zonas arqueológicas, áreas de proteção hídrica e se garantirá a consulta prévia, livre e com a devida informação às comunas, comunidades, povos e nacionalidades indígenas, considerando os padrões ditados pela Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Constitucional equatoriana”.

Agora, assinalam as lideranças, “o processo de negociação estará focado nos setores que necessitam mais subsídio: agricultores, camponeses, transportadores, pescadores e demais”.

Além disso, esclarecem, serão fortalecidas “as operações e mecanismos de controle de preços contra a especulação no mercado dos produtos de primeira necessidade (Decreto 452) e se declara em emergência o sistema de saúde pública para entregar imediatamente medicamentos e insumos aos hospitais e centros de saúde (Decreto 454)”.

“Com o Decreto 456, o Bônus de Desenvolvimento Humano [similar ao Bolsa Família] subirá de US$ 50 para US$ 55, beneficiando a um milhão e 400 mil famílias; haverá subsídio de 50% no preço da ureia para pequenos e médios produtores e redução da taxa de juros de 10% para 5% no Banecuador [banco estatal] para créditos de até US$ 3.000. Serão perdoados os empréstimos de até US$ 3.000 já vencidos e ainda destinados US$ 100 milhões a mais para os créditos produtivos, com até US$ 20.000 para serem pagos em 10 anos a uma taxa de juros anual de 5%”, acrescenta o documento.

O governo se compromete formalmente para sair das cordas a elaboração de “um projeto de lei de reformulação do artigo 66 da Lei Orgânica de Circunscrição Territorial Especial Amazônica” e que nos próximos três meses será instalada “uma mesa técnica de diálogo para dar prosseguimento aos acordos e à resolução dos temas pendentes da agenda nacional de 10 pontos”.

“Pela contundência da paralisação nacional, Guillermo Lasso apareceu tão somente em cadeias de televisão e nunca se sentou à mesa para dialogar. No entanto, seu governo se viu obrigado a responder ao povo. Não renunciamos ao direito à resistência. Caso não cumpram com o acordado, voltaremos e seremos milhões!”, concluíram os indígenas para vender essa derrota do movimento como uma vitória, como sempre fazem as direções reformistas traidoras.