ESCÂNDALO DA UBER: VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES EXPÕE RELAÇÃO MAFIOSA ENTRE GOVERNOS BURGUESES E A BIG TECH
A história da plataforma de transporte Uber, criada em 2010, está recheada de escândalos de assédio, pirataria, espionagem industrial e disputas judiciais contra os trabalhadores. A mais recente foi revelada por uma investigação feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. Ela mostrou que a Uber usou táticas mafiosas para impulsionar sua frenética expansão global há quase uma década. Expor motoristas à violência e jornadas degradantes. Subornar políticos burgueses e a mídia corporativa. Praticar crimes e apagar as provas. As reportagens evidenciam o esquema mafioso das Big Techs e suas relações obscuras com os governos burgueses de várias países "civilizados".
O chamado "Uber files" baseia-se em um conjunto de 124 mil documentos vazados por Mark MacGann, um ex-diretor que se
diz arrependido pelos atos que ajudou a praticar. Entre as várias denúncias, a
Uber é acusada de oferecer dinheiro para os empresários da mídia para obter cobertura favorável,agir deliberadamente para inibir
aplicação das leis trabalhistas, ludibriar a polícia e corrompê-la, pressionar políticos burgueses e fechar acordo
secreto de favorecimento na França com o governo de Emmanuel Macron.
Havia táxis antes de haver Uber, assim como havia livrarias
antes da Amazon e amigos antes do Facebook. Uma grande parte da inovação
consiste em novas maneiras de entregar ideias antigas. A tecnologia dá ao
inovador uma vantagem ao reduzir os custos, permitindo entregas mais ágeis e
superando os concorrentes presos a métodos obsoletos.
Esse é o mito fundacional do folclore do Vale do Silício.
Foi a história que a Uber propagou sobre si mesma nos anos de seu crescimento
mais explosivo, de um serviço de caronas em São Francisco a uma potência global
de tecnologia. Aqui estava a ruptura digital arquetípica – um aplicativo para
combinar demanda e oferta com uma capacidade que tirou a concorrência do
caminho.
Quando esses concorrentes (taxistas licenciados) reclamaram,
suas objeções foram descartadas pelo recém-chegado como o estertor da morte dos
monopolistas e luditas (em referência aos trabalhadores ingleses que, no século
XIX, quebravam as máquinas como forma de protesto contra a exploração trazida
com a inovação tecnológica) que estavam atrapalhando o progresso.
Havia então, e ainda há, uma discussão sobre regulamentação
que inibe a inovação e quando ela precisa mudar de acordo com os tempos de
mudança em meio a barbárie capitalista. Esse debate parece um pouco diferente à luz das mensagens vazadas,
datadas entre 2014 e 2017 e publicadas ontem pelo jornal britânico The
Guardian, mostrando os métodos implacáveis e agressivos que o Uber usou para
forçar a entrada em vários mercados ao redor do mundo.
O ethos mercenário da empresa está sintetizado em uma
conversa entre altos executivos que discutem a ameaça de os motoristas do Uber
sofrerem um ataque em Paris, quando os taxistas da cidade entraram em greve.
Travis Kalanick, cofundador da Uber e ex-presidente-executivo, queria que seus
motoristas desafiassem a greve. Quando avisado
de que isso poderia provocar uma retaliação violenta, Kalanick respondeu: “Acho
que vale a pena. A violência garante o sucesso.”
A acusação, que o Uber nega, é que a empresa viu a ameaça a seus motoristas como parte de um conjunto de ferramentas de relações públicas, juntamente com suas múltiplas atividades de lobby, para pressionar por mudanças regulatórias. A escala dessa operação, recrutando os principais políticos e poderosos de todo o mundo para defender os interesses da empresa, é de tirar o fôlego.
A Uber agora diz que está sob gestão diferente com um modus operandi
diferente. Kalanick deixou a empresa em 2017. Nada mais falso!
Não é incomum que uma jovem e ambiciosa empresa capitalista busque interesses comerciais com força destruidora de relações mafiosas. A brutalidade é um motor histórico da evolução econômica do modo de produção capitalista. O padrão ao longo da história é que a tecnologia abre caminho na economia e só mais tarde, quando as consequências mais amplas tornam-se visíveis, a sociedade organiza uma resposta política para mitigar as desvantagens.
A Revolução Industrial gerou uma riqueza fenomenal para os
industriais antes que houvesse leis contra o trabalho infantil. Foi preciso que
os trabalhadores se organizassem em sindicatos para contrabalançar as forças
que tendiam naturalmente à exploração em massa e ao pagamento miserável.
(Somente no ano passado, a Suprema Corte do Reino Unido manteve uma decisão do
tribunal trabalhista contra a Uber, que alegou que não precisava fornecer a
seus motoristas o salário mínimo, licença remunerada ou pensões porque eles não
eram tecnicamente categorizados como trabalhadores.)
Os arquivos do Uber são um instantâneo de um momento específico – o pico de credulidade política e negligência em torno do crescente poder das empresas de tecnologia. Mas as regras básicas da nova economia digital acabaram não sendo tão diferentes das antigas regras analógicas.
A revelação das práticas da Uber mostra uma verdade simples sobre a tal revolução tecnológica. É a mesma verdade que aprendemos ao conhecer as árduas condições de trabalho em um armazém da Amazon e as bolhas envenenadas do debate público onde o Facebook descarrega desinformação.
As novas empresas de transporte de passageiros, como Uber, são grandes monopólios internacionais que estão devorando o que até agora era um setor de trabalhadores autônomos, taxistas, ou seja, expressando a proletarização de parte da força de trabalho. Essa barbárie só pode acabar com o fim do capitalismo!