terça-feira, 12 de julho de 2022

ESCÂNDALO DA UBER: VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES EXPÕE RELAÇÃO MAFIOSA ENTRE GOVERNOS BURGUESES E A BIG TECH

A história da plataforma de transporte Uber, criada em 2010, está recheada de escândalos de assédio, pirataria, espionagem industrial e disputas judiciais contra os trabalhadores.  A mais recente foi revelada por uma investigação feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. Ela mostrou que a Uber usou táticas mafiosas para impulsionar sua frenética expansão global há quase uma década. Expor motoristas à violência e jornadas degradantes. Subornar políticos burgueses e a mídia corporativa. Praticar crimes e apagar as provas. As reportagens evidenciam o esquema mafioso das Big Techs e suas relações obscuras com os governos burgueses de várias países "civilizados".

O chamado "Uber files" baseia-se em um conjunto de 124 mil documentos vazados por Mark MacGann, um ex-diretor que se diz arrependido pelos atos que ajudou a praticar. Entre as várias denúncias, a Uber é acusada de oferecer dinheiro para os empresários da mídia para obter cobertura favorável,agir deliberadamente para inibir aplicação das leis trabalhistas, ludibriar a polícia e corrompê-la, pressionar políticos burgueses e fechar acordo secreto de favorecimento na França com o governo de Emmanuel Macron.

Havia táxis antes de haver Uber, assim como havia livrarias antes da Amazon e amigos antes do Facebook. Uma grande parte da inovação consiste em novas maneiras de entregar ideias antigas. A tecnologia dá ao inovador uma vantagem ao reduzir os custos, permitindo entregas mais ágeis e superando os concorrentes presos a métodos obsoletos.

Esse é o mito fundacional do folclore do Vale do Silício. Foi a história que a Uber propagou sobre si mesma nos anos de seu crescimento mais explosivo, de um serviço de caronas em São Francisco a uma potência global de tecnologia. Aqui estava a ruptura digital arquetípica – um aplicativo para combinar demanda e oferta com uma capacidade que tirou a concorrência do caminho.

Quando esses concorrentes (taxistas licenciados) reclamaram, suas objeções foram descartadas pelo recém-chegado como o estertor da morte dos monopolistas e luditas (em referência aos trabalhadores ingleses que, no século XIX, quebravam as máquinas como forma de protesto contra a exploração trazida com a inovação tecnológica) que estavam atrapalhando o progresso.

Havia então, e ainda há, uma discussão sobre regulamentação que inibe a inovação e quando ela precisa mudar de acordo com os tempos de mudança em meio a barbárie capitalista. Esse debate parece um pouco diferente à luz das mensagens vazadas, datadas entre 2014 e 2017 e publicadas ontem pelo jornal britânico The Guardian, mostrando os métodos implacáveis ​​e agressivos que o Uber usou para forçar a entrada em vários mercados ao redor do mundo.

O ethos mercenário da empresa está sintetizado em uma conversa entre altos executivos que discutem a ameaça de os motoristas do Uber sofrerem um ataque em Paris, quando os taxistas da cidade entraram em greve. Travis Kalanick, cofundador da Uber e ex-presidente-executivo, queria que seus motoristas desafiassem a greve. Quando avisado de que isso poderia provocar uma retaliação violenta, Kalanick respondeu: “Acho que vale a pena. A violência garante o sucesso.” 

A acusação, que o Uber nega, é que a empresa viu a ameaça a seus motoristas como parte de um conjunto de ferramentas de relações públicas, juntamente com suas múltiplas atividades de lobby, para pressionar por mudanças regulatórias. A escala dessa operação, recrutando os principais políticos e poderosos de todo o mundo para defender os interesses da empresa, é de tirar o fôlego. 

A Uber agora diz que está sob gestão diferente com um modus operandi diferente. Kalanick deixou a empresa em 2017. Nada mais falso!

Não é incomum que uma jovem e ambiciosa empresa capitalista busque interesses comerciais com força destruidora de relações mafiosas. A brutalidade é um motor histórico da evolução econômica do modo de produção capitalista. O padrão ao longo da história é que a tecnologia abre caminho na economia e só mais tarde, quando as consequências mais amplas tornam-se visíveis, a sociedade organiza uma resposta política para mitigar as desvantagens. 

A Revolução Industrial gerou uma riqueza fenomenal para os industriais antes que houvesse leis contra o trabalho infantil. Foi preciso que os trabalhadores se organizassem em sindicatos para contrabalançar as forças que tendiam naturalmente à exploração em massa e ao pagamento miserável. (Somente no ano passado, a Suprema Corte do Reino Unido manteve uma decisão do tribunal trabalhista contra a Uber, que alegou que não precisava fornecer a seus motoristas o salário mínimo, licença remunerada ou pensões porque eles não eram tecnicamente categorizados como trabalhadores.)

Os arquivos do Uber são um instantâneo de um momento específico – o pico de credulidade política e negligência em torno do crescente poder das empresas de tecnologia. Mas as regras básicas da nova economia digital acabaram não sendo tão diferentes das antigas regras analógicas. 

A revelação das práticas da Uber mostra uma verdade simples sobre a tal revolução tecnológica. É a mesma verdade que aprendemos ao conhecer as árduas condições de trabalho em um armazém da Amazon e as bolhas envenenadas do debate público onde o Facebook descarrega desinformação. 

As novas empresas de transporte de passageiros, como Uber, são grandes monopólios internacionais que estão devorando o que até agora era um setor de trabalhadores autônomos, taxistas, ou seja, expressando a proletarização de parte da força de trabalho. Essa barbárie só pode acabar com o fim do capitalismo!