Há exatos 92 anos, em 14 de junho de 1928, nascia Ernesto
Guevara de la Serna na cidade de Rosário, Argentina. Era o primeiro dos cinco
filhos de Ernesto Lynch e Célia de la Serna y Llosa, família de origem
aristocrática, proprietários de terras. A mãe descendia do último vice-rei do
Peru. Nascido de oito meses, Guevara teve pneumonia logo após o primeiro mês de
vida e sofreu a primeira crise de asma, doença que o acompanharia até a idade
adulta, antes dos dois anos de idade. Em busca de um clima melhor para o filho,
o casal fixou residência em Altagracía, uma pequena estância de veraneio na
região serrana de Córdoba, onde Guevara viveu sua infância e adolescência,
marcada pela Guerra Civil Espanhola e pela Primeira Guerra Mundial, quando o
pai fundou a Ação Argentina, organização antifascista em que inscreveu o filho.
Em Córdoba, o jovem Guevara conheceu os irmãos Tomás e Alberto Granado, amigos
com os quais viveu suas primeiras aventuras. Em 1946, a família mudou-se para
Buenos Aires, onde Ernesto Guevara matriculou-se na Faculdade de Medicina e
formou-se em junho de 1953 como especialista em alergia. Apesar da asma, causa
da sua dispensa do serviço militar obrigatório, o jovem Guevara tornou se um
grande nadador. Desde cedo desenvolveu um fascínio por viagens, que o levaria
em 1949, aos 21 anos a percorrer o norte da Argentina numa bicicleta motorizada
por ele mesmo construída. No ano seguinte inscreveu-se como enfermeiro na
marinha mercante e viajou por vários países, inclusive o Brasil. Em 1952 fez
com seu amigo Alberto Gramado uma viagem de 10.000 Km numa Norton 500,
percorrendo cinco países em oito meses. Essa viagem marca sua crescente
politização diante da pobreza e da exploração dos povos da América Latina.
AS EXPERIÊNCIAS NA BOLÍVIA E GUATEMALA MARCAM O CAMINHO DE
CHE
Embora a maioria dos biógrafos tenham dado mais destaque às
viagens realizadas por Guevara até 1952 para a formação de sua personalidade,
sem dúvida foram as impressões das profundas experiências da luta de classes na
Bolívia e na Guatemala que decidiram os rumos da vida do jovem idealista
Ernesto. Logo após terminar o curso de medicina, Ernesto Guevara partiu numa
nova viagem. Estava com 25 anos e desta vez não retornaria mais a Argentina.
Sua primeira parada foi a Bolívia. Passou cinco semanas em La Paz, que já vivia
sob o governo reformista de Paz Estensoro, produto da traição e derrota da
revolução proletária de 1952. O contato com o proletariado mineiro no ainda
fumegante palco da primeira e única revolução proletária da América do Sul, o
impactou suficientemente para acreditar quase 15 anos depois que aquele país
reunia condições mais favoráveis à luta guerrilheira que qualquer outro no
continente. Che observou que o “equilíbrio instável” do “duplo poder”, no qual
coexistiriam contraditoriamente o governo burguês e exército com a COB,
milícias operárias e camponesas, favorecia a absorção do poder pela burguesia,
o que veio a acontecer. “O proletariado e o campesinato deveriam, para o Che,
ser capazes de pegar o poder e mantê-lo. Do contrário, a burguesia,
reconstituindo o exército, massacraria as massas operárias e camponesas,
absorveria os movimentos populares e tomaria conta da revolução” (Guillermo
Almeyra, “Aspetti fondamentali della strategia guevarista”, 1984). O dirigente
da COB, Juan Lechin, inspirador da política de colaboração de classes, apoiada
inclusive pelo POR bolivano, veio a ser um dos principais responsáveis pela
derrota da guerrilha de Che na Bolívia em 1967.
Em 24 de dezembro de 1953, chega na Guatemala, onde o presidente
Jacobo Arbenz Guzmán iniciara um amplo programa de reforma agrária,
expropriando as terras da poderosa empresa norte-americana United Fruit. Arbenz
era um líder nacionalista pressionado pelas massas que acreditava em uma
revolução antiimperialista, democrática e pacífica, pela modernização do
capitalismo em seu país. O stalinista Partido Guatemalteco do Trabalho (PGT)
defendia que a revolução deveria ser liderada pela “burguesia progressista” e
respeitar a propriedade privada dos meios de produção, recusando-se a organizar
de forma independente e revolucionária a luta antiimperialista e
anticapitalista. A 18 de junho de 1954, mercenários pagos pelos americanos e
apoiados por amplos setores burgueses que o PC qualificava de “progressistas”
invadem o país, processando um golpe militar que derruba o governo
constitucional de Arbenz e instala a ditadura do coronel Castillo Armas, fiel
aos interesses exportadores da United Fruit, cujas terras são devolvidas.
Guevara, que toma parte da luta oferecendo-se como médico voluntário e
alistando-se na brigada juvenil para receber instrução militar, saca suas
embrionárias conclusões, depois relatadas ao jornalista argentino Jorge Ricardo
Masetti: “Não obtive cargo algum no governo de Arbenz. No entanto, ao configurar-se
a invasão norte-americana, tratei de formar uma pequena tropa de gente jovem,
eu mesmo incluído, para opor-me aos 'aventureiros fruteiros' da United Fruit.
Na Guatemala era necessário lutar, mas quase ninguém lutou. A resistência devia
ser implementada, mas quase ninguém quis fazê-la”.
Na Guatemala, Guevara conheceu a peruana Hilda Gadea,
militante comunista, com quem se casaria em maio de 1955. Já era admirador da
URSS e trabalhava como médico para sindicatos de trabalhadores. Perseguidos
pelo novo regime (ele teve que se asilar na embaixada argentina e Hilda chegou
a ser presa), tiveram que deixar o país, acompanhando uma leva de exilados que
se dirigiu ao México em setembro de 1954. Chega ao México com um amigo, Julio
Roberto Cáceres “El Patojo”. No México, Che e Patojo, quase na miséria,
trabalham como fotógrafos ambulantes. Em junho de 1955 Che Guevara se encontrou
com Fidel Castro e os cubanos exilados do "Movimento 26 de Julho".
Fidel comandava a oposição ao regime ditatorial de Fulgêncio Batista e
planejava o retorno a Cuba para derrubar o governo pró-imperialista ianque. No
dia 25 de novembro de 1956, 82 homens partem a bordo do velho iate Granma. A
bordo estava Che, que integrou a expedição como médico, apesar das crises
crônicas de asma.
No desembarque, no dia 2 de dezembro, são cercados e
atacados pelos soldados de Batista numa emboscada, sobrando apenas 12 homens.
Che Guevara teve de abandonar sua maleta de medicamentos para carregar uma
caixa de munição. Desde então foi se destacando entre os combatentes que se
refugiaram em Sierra Maestra. Em 1957 Che é nomeado comandante da 2ª Coluna,
que em 1º de janeiro de 1959 toma a cidade de Santa Clara, dando início ao
triunfo da Revolução Cubana. Após a vitória da revolução, Che assume o
Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA) e o Banco Nacional. Em 1961 Che
assumiu o Ministério da Indústria. As relações entre o governo de Fidel e os
EUA tornam-se tensas a partir do momento que este tenta diminuir o domínio
norte-americano sobre a economia cubana. Em abril de 1961 a CIA tentou invadir
Cuba com um exército de mercenários e refugiados cubanos. A invasão da Baía dos
Porcos resultou num fracasso total.
Em janeiro de 1962, em uma reunião da OEA, em Punta del
Este, Che denunciou o imperialismo ianque e seus aliados e defendeu o caráter
continental da revolução latino-americana. Na chamada “Crise dos Mísseis” de
1962, Che se sentiu “traído” pela burocracia soviética que retirou seu
armamento de Cuba sem avisar ao governo da Ilha, capitulando assim, à pressão
do imperialismo. Aprofundaram-se as divergências entre Fidel Castro, que tomou
a defesa da política de Moscou na ruptura sino-soviética, louvando a política
de “coexistência pacífica” e Che Guevara, que postulava a guerrilha como método
para enfrentar o imperialismo na América Latina. Enquanto Fidel adotava a
política stalinista de socialismo em um só país, Che estava mais interessado em
propagar a revolução socialista e fazia apelos em favor da luta armada dos
povos oprimidos. Em 11 de dezembro de 1964 discursa na ONU e oferece o apoio de
Cuba para as lutas de libertação nos países atrasados.
Em 1965, Che retirou-se da vida pública, abandonou os cargos
que ocupava em Cuba e participa de alguns combates no Congo Belga entre agosto
de 1965 e março de 1966. Em setembro de 1966 chega à Bolívia para estabelecer
foco guerrilheiro. Além da tradição revolucionária do proletariado mineiro,
também influiu na eleição da Bolívia por Che, a posição geograficamente
estratégica deste país que está no centro do continente sul-americano. Isolado
e traído pelo stalinista PC boliviano, no dia 8 de outubro de 1967, Che travou
o último combate contra o Exército boliviano no vale do rio Yuro, onde foi
ferido e capturado com vida. Em 9 de outubro, Guevara foi executado covardemente
pelos lacaios do imperialismo ianque. O sargento Mário Teran foi o assassino
que empunhou a arma e cumpriu a ordem emitida diretamente pelo ditador René
Barrientos.
CHE, ENTRE O ETAPISMO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO DO STALINISMO E
A REVOLUÇÃO PERMANENTE NA AMÉRICA LATINA
Na América Latina, vários Partidos Comunistas se criaram sob
a inspiração e prestígio da Revolução Bolchevique, mas também se degeneraram
posteriormente com a contra-revolução política decorrente da ascensão da
burocracia stalinista em 1924. O dirigente da revolução de 1917, Leon Trotsky,
desenvolveu a teoria marxista da Revolução Permanente a partir da experiência
russa, estendendo-a a todos os países atrasados do planeta. Ele compreendeu que
nos países de desenvolvimento capitalista atrasado, como eram todos na América
Latina, os capitalistas locais eram incapazes de cumprir um papel progressista,
pois temia mais a revolução proletária como a realizada na Rússia atrasada, do
que o imperialismo e as oligarquias fundiárias a quem estavam atados. Portanto,
somente o proletariado urbano, apoiado nas camadas empobrecidas da
pequena-burguesia urbana e rural seria capaz de travar uma luta conseqüente
contra a dominação imperialista e a reação latifundiária, libertando o país
através de uma luta pela tomada do poder através da revolução violenta também
contra a chamada burguesia liberal nacionalista para instaurar a ditadura do
proletariado, assumindo assim não só tarefas democráticas (reforma agrária,
contra o analfabetismo, etc.) e libertação nacional mas também socialistas, ou
seja, contra o direito de propriedade burguês.
Todavia, a influência burocrática de Moscou impôs uma
política contra-revolucionária aos PC´s de conduzirem a luta de classes a
reboque das burguesias nacionais. Sem chegar a concluir sua evolução teórica,
Che vai gradativamente tomando distância das concepções etapistas stalinistas:
“As burguesias nacionais não são capazes, em geral, de manter uma atitude
conseqüente de luta frente ao imperialismo. Demonstram que temem mais a
revolução popular do que os sofrimentos sob a opressão e o domínio despótico do
imperialismo que esmaga a nacionalidade, o sentimento patriótico e coloniza a
economia. A grande burguesia se enfrenta abertamente com a revolução e não
vacila em aliar-se ao imperialismo e ao latifúndio para combater o povo e
bloquear-lhe o caminho à revolução” (Cuba: Exceção histórica ou vanguarda na
luta contra o colonialismo?, E. Guevara. Revista Verde Olivo, 1961).
Frente às criminosas traições dos PC´s a todos os processos
revolucionários, a aparição de Che, como dirigente da revolução cubana, atraiu
milhares de lutadores desconfiados com o stalinismo em todo o mundo. Só para
citar dois exemplos que cercam a própria trajetória de Che: 1) A própria
revolução cubana foi feita com o PC na barricada oposta. Em 1942, o PC cubano
possuía dois ministros no governo Batista. Quando Che e Fidel iniciam a
guerrilha, são atacados publicamente pelo PC como “aventureiros” e Raul Castro
é expulso do partido; 2) Che apóia a guerrilha de Douglas Bravo na Venezuela
contra a política do PC daquele país orientado por Moscou; 3) Imediatamente
depois dos limites políticos do próprio foquismo guevarista, deve-se computar
como causa fundamental da derrota de Che na Bolívia a traição que o PC daquele
país, defensor da desastrosa política de frente popular com setores da
burguesia nacional, orquestrou contra a guerrilha. Entre os traidores que
colaboraram com o assassinato de Che é preciso contabilizar o Secretário Geral
do Partido Comunista, Mario Monje Molina, e outros como Jorge Kolle Cueto e
Juan Lechín Oquendo, que era presidente da Central Obrera Boliviana e foi
recompensado por suas traições à revolução boliviana de 1952 e depois à
guerrilha de Che com nada menos que a vice-presidência do país anos mais tarde.
Os três haviam se comprometido a prestar apoio logístico, alimentos e
medicamentos para a guerrilha e, deliberadamente, sabotaram toda a ajuda.
O LEGADO POLÍTICO DE CHE DEIXADO PARA AS FUTURAS GERAÇÕES
REVOLUCIONÁRIAS
Che, como ficou conhecido mundialmente, defendeu nos últimos
anos de sua vida a necessidade de estender a revolução e impor o socialismo em
toda a América Latina. Dedicou sua vida à defesa de suas convicções. Apesar dos
seus erros de concepção e método, é dessa disposição conseqüente de que
necessitam hoje as camadas revolucionárias do proletariado e da juventude para
forjar autênticos partidos operários. Dele, reivindicamos a luta pela revolução
socialista mediante a ditadura do proletariado e a atitude antiimperialista.
Concordamos com Che quando diz que é necessário combater o imperialismo em todo
o planeta: “temos que considerar que o imperialismo é um sistema mundial,
última etapa do capitalismo, e que é necessário combatê-lo em uma grande
conflagração mundial” (Mensagem aos povos do mundo através da Tricontinental,
Criar dois, três...muitos Vietnãs, 16 de abril de 1967).
Também concordamos com Che quando afirma que as “burguesias
autóctones perderam toda sua capacidade de oposição ao imperialismo – se alguma
vez a tiveram – e agora são apenas seu reboque. Não há mais mudanças a fazer ou
revolução socialista ou caricatura da revolução” (Idem). Estamos de acordo com
Che em que “todos os países deste continente estão maduros para uma luta de tal
tipo, que, para ser triunfante, não pode conformar-se com menos que a
instauração de um governo de tipo socialista (Idem). Nenhum revolucionário
sério pode discordar das três definições gerais assinaladas por Che: a
necessidade de derrubar o capitalismo em escala mundial, a incapacidade das
burguesias “nacionais” de ter um papel revolucionário e a maturidade das
condições para impor governos que lutem pelo socialismo. Lenin já havia
definido tudo isto em “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, ratificado
por Trotsky em seu livro a “Revolução Permanente”, os dois dirigentes mais
importantes da Revolução de Outubro de 1917.
Mas os bolcheviques russos trabalharam incansavelmente ao
longo de várias décadas nas fábricas mais importantes da Rússia para elevar a
classe operária industrial à altura das suas tarefas históricas. Estiveram com
elas na Revolução de 1905, logo depois da derrota da mesma e no novo ascenso
aberto a partir de 1910. Nos fluxos e refluxos, lutaram tenaz e pacientemente
para que os destacamentos mais avançados mobilizassem sua classe para impor a
ditadura do proletariado e a luta pela estensão da revolução em escala mundial.
Quando os sovietes de operários, camponeses e soldados, em 1917, reconheceram
no programa e na direção dos bolcheviques o seu próprio programa e partido, a
burguesia foi derrubada. Nascia, assim, a primeira revolução proletária
vitoriosa que mostrava aos explorados o caminho para derrubar o capitalismo em
todo mundo.
A história comprovou que é na construção de um partido de
quadros revolucionários profundamente enraizado na classe operária que reside a
possibilidade da chegada ao poder das massas. Por seu papel na produção e por
desenvolver métodos de luta coletivos (greves, manifestações de massa,
assembléias, revogabilidade de mandatos) é a classe operária que pode gestar os
organismos de poder, os conselhos populares e garantir a própria democracia
operária. Entretanto, esse não foi o caminho seguido por Che, que defendeu a
tese do foco insurrecional como exemplo para despertar as massas oprimidas, um
atalho para a revolução. Não fossem condições extremamente excepcionais
(negativa do imperialismo e da burguesia nativa em estabelecer um acordo de
“convivência pacífica” como queria o M-26, greve de massas nas cidades, etc.),
o próprio Che não teria alcançado nenhum triunfo, como mostraram suas próprias
experiências na África e na América Latina. Quando os movimentos guerrilheiros
chegaram ao poder (Cuba, Vietnã, Nicarágua) foram sob condições excepcionais em
que a luta de classes combinou a fragilidade do domínio imperialista, crises
interburguesas e mobilizações operárias que debilitaram o Estado capitalista,
facilitando o caminho da luta guerrilheira ao poder. Todavia, em nenhuma
situação a vitória da guerrilha abriu espaço para a instauração de governos
baseados na democracia operária. Do contrário, por vezes originaram regimes
extremamente débeis que, buscando a instauração de governos de frente popular,
entregaram de volta o poder para os representantes tradicionais da burguesia
como foi o caso da Nicarágua.
AS CONTRADIÇÕES DA TEORIA DO FOCO INSURRECIONAL
Mesmo reconhecendo a disposição subjetivamente
revolucionária de Che, não deixamos de assinalar, ao mesmo tempo, os equívocos
de sua política. Che afirmava que “há argumentos fundamentais que, no nosso
conceito, determinam a necessidade da ação guerrilheira na América como eixo de
luta” (A guerra de Guerrilhas, um método, setembro de 1963). Para defender a
teoria do foco insurrecional, Che Guevara argumentava que “os combates não
seriam meras lutas de ruas, de pedras contra gases lacrimogêneos, nem de greves
gerais pacíficas; nem será a luta de um povo enfurecido que destruirá em dois
ou três dias os andaimes repressivos dos oligarcas governantes, será uma luta
longa, cruenta, onde sua frente estará nos refúgios antiguerrilheiros, nas
cidades, nas casas dos combatentes” (Mensagem aos povos do mundo através da
Tricontinental, Criar dois, três...muitos Vietnãs, 16 de abril de 1967).
A posição defendida por Che apresenta uma falsa contradição
entre “greves gerais pacíficas” e “guerras de guerrilhas”, porque a história já
havia demonstrado na Rússia e também, embora pela negativa, na Bolívia de 1952,
que as greves gerais também podem ter um caráter insurrecional e que o
proletariado armado pode derrotar os destacamentos armados da burguesia e
avançar para a construção de um Estado operário. Enquanto para Lenin, o
paciente trabalho do partido revolucionário nas fábricas e nos sovietes era a
condição básica para elevar o proletariado às condições de cumprir a tarefa
histórica da tomada do poder, para Che o caminho poderia ser encurtado através
da ação decidida de um punhado de guerrilheiros.
Seguindo essa via, Che empreendeu a ação guerrilheira na
Bolívia que não atraiu o apoio sequer de alguns setores da classe operária e
dos camponeses, resultando num trágico fracasso. Uma tragédia que poderia ter
sido prevista, uma vez que as lutas dos camponeses bolivianos atravessavam uma
etapa de refluxo, pois ainda sofriam as conseqüências da derrota da Revolução
de 1952. A verdadeira contradição, portanto, está entre as posições gerais de
Che em defesa da revolução e do socialismo e o seu método de privilegiar a
guerra de guerrilhas a partir de um foco isolado, como exemplo para despertar
as massas.
O exemplo do Vietnã é reivindicado por Che como o caminho a
seguir para os povos oprimidos dos paises coloniais e semicoloniais em suas
lutas contra o imperialismo. Entretanto, Che não menciona que os líderes
vietnamitas tentaram estabelecer acordos e governos de coalizão com os chamados
setores “progressistas” da burguesia nacional que o próprio Guevara considerava
contra-revolucionária. Só os pesados bombardeios do imperialismo contra o povo
vietnamita, com a colaboração direta da burguesia nacional, obrigaram Ho Chi
Min a lutar pela expulsão do imperialismo, pela tomada do poder contra a
burguesia vietnamita e pela instauração de um Estado operário.
O próprio Movimento 26 de Julho (M26), que nasceu de um
setor radicalizado da oposição pequeno-burguesa do Partido Ortodoxo, no chamado
de Sierra Maestra, de 9 de janeiro de 1958 afirmava: “alguém pensa que nós, os
rebeldes de Sierra Maestra, não estamos por eleições livres, por um regime
democrático e um governo constitucional?” (citado por Mario Llorena, Revolução
Insuspeita). Para implementar esse objetivo, em julho, através do Pacto de
Caracas, o M26 constituiu a Frente Cívico-Revolucionária Democrática. Por meio
desse acordo, o primeiro presidente cubano depois da revolução de 1959 foi o
juiz burguês Manuel Urrutía, que gozava da simpatia dos Estados Unidos.
Um ano antes da derrubada de Batista, é o próprio Che quem
reivindicava o apoio de setores da burguesia ao Movimento 26 de Julho: “é que
esta revolução nacional, fundamentalmente agrária, mas com a participação
entusiasta de operários, de gente da classe média e ainda com o apoio dos
industriais, tem adquirido transcendência continental mundial” (A guerra de
guerrilha, epílogo, análise da situação cubana, seu presente e seu futuro,
1960). Em outras palavras, até aquele momento o Che defendia a instauração de
um governo de colaboração de classes.
Mas, em 1967, embora tivesse evoluído programaticamente,
chegando à conclusão de que é inútil confiar em qualquer setor da burguesia
autóctone, Che Guevara permanecia, entretanto, ainda atrelado ao método da
guerrilha pequeno-burguesa, que por mais heróica que seja, implica na renuncia
à luta dentro do movimento operário por arrancá-lo da influência de seus
dirigentes reformistas que levam ao conjunto da luta revolucionária à derrota.
O voluntarismo guerrilheiro não pode substituir os passos que somente o próprio
movimento operário pode dar. Não por acaso, para Lenin, “o partido do
proletariado não pode nunca considerar a guerra de guerrilha como o único ou inclusive
o principal método de luta. Este método, deve subordinar-se aos outros” (A
guerra de guerrilhas, 30 de setembro de 1906)
Lamentavelmente os equívocos foquistas guevaristas
inspiraram gerações inteiras de lutadores sociais que romperam empiricamente
com a política conciliadora dos PC´s e trataram de adotar a via guerrilheira
como elixir para seus desvios (ALN, Polop, VAR-Palmares, etc., no Brasil;
PRT-ERP, na Argentina). Não encontraram o caminho correto, nem do ponto de
vista programático, nem prático para a construção do partido revolucionário,
nem tampouco para a revolução social, sacrificando-se em ações militares entre
a vanguarda guerrilheira e forças policiais e do Exército burguês, que acabaram
ceifando a vida de centenas de combatentes.
UMA GUINADA EMPÍRICA À ESQUERDA E O NASCIMENTO DE UM ESTADO
OPERÁRIO DEFORMADO
Foi a própria dinâmica da luta de classes que, sob condições
extremamente excepcionais, levou o Movimento 26 de Julho a avançar para a
construção de um Estado operário a partir de 1961. Durante o transcurso dessa
luta, as terras dos latifundiários foram expropriadas e os serviços públicos
colocados sob o controle do Estado. O imperialismo ianque exigiu que o novo
governo voltasse atrás nas medidas que ameaçavam a propriedade dos
capitalistas. Para alcançar seu objetivo promoveu inclusive uma invasão militar
e impôs um bloqueio econômico sobre a Ilha. As pressões imperialistas se
chocavam com as aspirações revolucionárias das massas que impactaram o
Movimento 26 de Julho, forçando sua radicalização e a expulsão dos dirigentes
burgueses de suas fileiras.
As convicções políticas de Che Guevara também foram
evoluindo a partir da radicalização da revolução como produto do choque entre a
pressão imperialista e os interesses das massas, como ele próprio reconhece: “o
que temos pela frente depende muito dos Estados Unidos. Com a exceção da nossa
reforma agrária, que o povo de Cuba desejava desde o início, todas as nossas
medidas radicais foram uma resposta direta às agressões dos poderosos
monopólios dos quais nosso país é o principal expoente. A pressão dos EUA sobre
Cuba faz necessária a ‘radicalização’ da Revolução. Para conhecer aonde chegará
Cuba, poderá se deduzir da resposta aonde propõe chegar os EUA” (La Nación,
09/06/61).
Ao contrário dos bolcheviques russos, que desde o princípio
lutaram pela ditadura do proletariado e o socialismo, apoiando-se nas massas
revolucionárias organizadas nos sovietes, mesmo tendo surgido mais de 40 anos
depois, o castrismo girou à esquerda de forma empírica, como resultado das
pressões antagônicas do imperialismo e das massas. O próprio Estado operário
cubano, apoiado na expropriação das fábricas, terras e bancos, só veio à luz
dois anos depois da queda de Batista, já que nos primeiros meses do regime
castrista o que existiu foram tentativas de conciliação com a burguesia.
Assim, o Estado operário cubano já nasceu deformado devido
às conseqüências excepcionais que o engendraram e ao fato de ter à sua cabeça
uma direção que havia guinado abruptamente de modestos objetivos
democrático-burgueses para profundas medidas anticapitalistas. Ao contrário do
Estado operário soviético, durante a vida de Lenin, que se apoiava nos sovietes
a partir dos quais as massas exerciam a democracia direta, o Estado operário
cubano, que gozava de enorme confiança das massas, não se apoiava em sovietes nem
se orientava para a expansão da revolução mundial.
O próprio Che admitia a ditadura do “grupo de vanguarda”
sobre as massas ao afirmar que “o grupo de vanguarda é ideologicamente mais
avançado que as massas. Estas conhecem valores novos, mas insuficientes.
Enquanto nos primeiros se produz uma mudança qualitativa, que lhes permitem ir
ao sacrifício em função mais avançada, nos segundos só virá aos poucos, devendo
ser submetidos a estímulos e pressões de certa intensidade, é a ditadura do
proletariado exercendo-se não só sobre a classe derrotada, mas também
individualmente sobre a classe vencedora” (O socialismo e o homem em Cuba,
1965). Todavia, o “grupo de vanguarda” em 1958, desejava apenas reinstaurar o
regime constitucional burguês, sem afetar os interesses e a propriedade dos
capitalistas.
Na experiência cubana, ao contrário dos bolcheviques russos
que assinalaram de antemão o caminho a ser seguido pelas massas
revolucionárias, foram as massas que, ao avançarem na expropriação das terras,
mobilizaram-se contra as exigências dos monopólios e pegaram em armas para
combater a invasão imperialista, provocando a radicalização do “grupo de
vanguarda” e da própria revolução.
A radicalização do governo, entretanto, parou na
expropriação dos capitalistas em nível local, não avançando na luta pela
estensão da revolução em escala mundial. Na década de 60, o castrismo auspiciou
a Tricontinental, agrupamento latino-americano de organizações de esquerda, que
defendia serem factíveis acordos “revolucionários” com os setores
“progressistas” das burguesias nacionais, repetindo a estratégia original do
M26 desde Sierra Maestra. Fidel Castro foi se subordinando progressivamente aos
imperativos da burocracia do Kremlin e também desenvolvendo uma política de
“coexistência pacífica”. No Chile, apoiou a ilusão suicida de Salvador Allende,
de chegar ao “socialismo” por vias pacíficas (patrocinando as mesmas ilusões de
vários nacionalistas burgueses como o gualtemalteca Arbenz), sem expropriar os
capitalistas e destruir o Estado burguês; na Nicarágua, apoiou a conciliação
com a burguesia e a economia mista que levou os sandinistas a sucumbirem diante
dos Chamorros; em El Salvador, defendeu a negociação da guerrilha, que tinha
apoio de massas, com o governo genocida de Cristiani. Mais recentemente,
através da política burguesa do Fórum de São Paulo, Raul Castro iniciou um
perigoso processo de aproximação política com o imperialismo ianque, através da
ala supostamente "progressista" do Partido Democrata.
Com a queda contra-revolucionária do Muro de Berlim e a
liquidação da URSS, Castro adotou uma série de medidas de mercado para
incrementar a atividade econômica em Cuba. O desaparecimento das condições
vantajosas do comércio de Cuba com o Leste europeu e, fundamentalmente com a URSS
fez cair as exportações cubanas em mais de 70% entre 1989 e 1993. Em reposta ao
bloqueio econômico imposto pelo o imperialismo, o governou cubano flexibilizou
o monopólio estatal do comércio exterior, permitiu investimentos de capital
estrangeiro em ramos centrais da economia, autorizou a remessa integral dos
lucros e dissolveu a Junta Central de Planificação, órgão responsável pela
planificação da economia do Estado operário.
DEFENDER INCONDICIONALMENTE O ESTADO OPERÁRIO CUBANO DIANTE
DA CONTRA-REVOLUÇÃO IMPERIALISTA
Partindo das lições adquiridas com a restauração capitalista
na União Soviética e no Leste europeu, o imperialismo ianque levanta
cinicamente a bandeira da defesa das liberdades democráticas no Estado operário
cubano para garantir que a reacionária Igreja Católica e as organizações
contra-revolucionárias possam trabalhar livremente pela sua liquidação. O
imperialismo ianque procura estimular o descontentamento popular, em parte
provocado pela escassez decorrente do bloqueio econômico, mas, fundamentalmente,
devido aos privilégios da burocracia stalinista, para defender a abertura
política e econômica para integrar Cuba ao mundo capitalista na condição de uma
semicolônia.
A burocracia castrista, que visa manter a política de
“coexistência pacífica”, liquidará o Estado operário cubano, cedendo às
pressões do imperialismo e fazendo enormes concessões aos bandos
contra-revolucionários. Por outro lado, as medidas adotadas pelo governo de
Raúl Castro alimentam em setores da própria burocracia o desejo de se tornarem
novos burgueses, como ocorreu na Rússia e no Leste europeu, aumentando o risco
de contrarrevolução interna. Frente às provocações imperialistas e à ameaça de
contrarrevolução, os Marxistas Revolucionários de todo o mundo devem se colocar
pela defesa incondicional do Estado operário cubano, pela liberdade de
organização para partidos que defendam o Estado operário com base no programa
revolucionário de Lenin e Trotsky, preparando as condições para construir uma
revolução política que ponha abaixo a burocracia parasitária e coloque o Estado
operário na vanguarda da luta pela revolução mundial, para que, como dizia Che,
“se desenvolva um verdadeiro internacionalismo proletário; com exércitos
proletários internacionais, onde a bandeira sob a qual se lute seja a causa
sagrada da redenção da humanidade” (Mensagem aos povos do mundo através da
Tricontinental, Criar dois, três...muitos Vietnãs, 16 de abril de 1967).
O Antiimperialismo e o internacionalismo proletário são,
pois, o principal legado que reivindicamos de Che Guevara, que mesmo em sua
evolução empírica soube perfeitamente direcionar sua crítica à burocracia do
Kremlin, nos marcos da manutenção das bases sociais da URSS e em defesa da
extensão da revolução. Ainda no governo cubano, Che criticou duramente a
direção burocrática da URSS em um seminário na Argélia, em 24 de fevereiro de
1965, acusando-a de não apoiar os processos revolucionários na Ásia e na
África. Ao invés de se subordinar à burocracia soviética e sua política de
“coexistência pacífica”, Che abandonou seus cargos no governo cubano,
aprofundou suas críticas à burocracia soviética por não apoiar conseqüentemente
a cruzada antiimperialista do povo vietnamita e partiu para a selva boliviana
com o objetivo de expandir a revolução. Em represália, o stalinismo tratou de
isolá-lo e traí-lo em sua empreitada guerrilheira na Bolívia.
Aos 39 anos de idade, em 1967, quando sua trajetória de
evolução teórica e política foi interrompida pela selvagem repressão dos
lacaios do imperialismo e da ditadura Barrientos, Che Guevara compreendia
claramente que não havia possibilidade de acordos com as burguesias nacionais e
o único caminho para arrancar as massas da miséria, da exploração e da opressão
imperialista era a luta pelo socialismo e pela revolução mundial, o que para
nós Trotskistas da LBI deve ser fruto de um combate político e ideológico
forjado através da construção do partido comunista revolucionário mundial, a IV
Internacional.