DURA REPRESSÃO NO NEPAL: MAOÍSTAS QUE ENCABEÇAM GOVERNO DE COLABORAÇÃO DE CLASSES ORDENAM ATAQUE AOS PROTESTOS EM MEIO A PANDEMIA PARA MANTER A ESTABILIDADE DO REGIME BURGUÊS
Centenas de manifestantes tomaram as ruas da capital do
Nepal, Kathmadu, na semana passada exigindo que o governo de colaboração de
classes encabeçado pelos maoístas tomassem medidas sociais para enfrentar a
epidemia do novo coronavírus que assola o país, como garantir hospitais para todos e auxilio
econômico aos doentes. No final de 2017 uma coligação de partidos maoístas encabeçada pelos
Partido Comunista Unificado do Nepal (PCN – UML) e o Partido Comunista (CPN),
venceu as eleições gerais e indicou o primeiro-ministro, seu principal
dirigente público, K.P. Sharma Oli. A vitória dessa “coligação maoísta” foi
possível devido sua política de colaboração de classes, que vem de décadas e
que agora em plena pandemia demonstra sua verdadeira face repressora a serviço da estabilidade do regime burguês. As manifestações exigem
condições básicas para os trabalhadores se manterem em quarentena, imposta pelo
governo desde março. Em 18/06 cerca de 500 manifestantes
se reuniram em Maitighar Mandala, no coração de Kathmadu, para protestar. A
polícia prendeu cerca de dez manifestantes, incluindo sete migrantes, além de
tomarem panfletos e faixas dos manifestantes. Antes, no dia 11, os protestos foram reprimidos com canhões de água e gás lacrimogêneo. Conforme o protesto popular foi aumentando em número de pessoas, agentes da repressão começaram a
reprimi-lo, enquanto as ativistas se recusavam a deixar o local, mesmo sob
ordens da polícia. Os manifestantes se reuniram inclusive em frente à casa do
primeiro-ministro maoísta, K.P. Sharma Oli. Sendo vítima de canhões de água,
gás lacrimogêneo e de ataques com cassetetes por parte da polícia, o povo
nepalês resistiu à força policial e enfrentou a repressão. Milhares de pessoas se encontram
em instalações de quarentenas improvisadas pelo governo de colaboração de classes, que se tornaram em
pontos de disseminação fáceis do vírus, devido às condições precárias e à falta
de instalações de saneamento básico. Lembremos que esse governo foi saudado pelo PCB em 2018
no artigo “Comunistas vencem as eleições gerais no Nepal” em que declara “Duas
das principais correntes do comunismo nepalense – os maoístas e o Partido
Comunista do Nepal (Unificado Marxista-Leninista) – decidiram ir às urnas
juntos e prometeram que iriam formar um novo partido unido depois das eleições.
Esse projeto oferecia mais estabilidade, era a demostração de que os comunistas
podiam elaborar um programa conjunto e manter a unidade, que seriam capazes de
oferecer um governo estável por cinco anos.”. Ao contrário dos Maoístas no Nepal e também no Brasil (A Nova Democracia-Liga Operária),
apontamos que as mais elementares tarefas democráticas pendentes (unidade
nacional, abolição do latifúndio, liquidação do sistema monárquico) não podem
vir pelas mãos de uma aliança dos comunistas com a autodenominada “burguesia
progressista” e sim pela revolução proletária em ruptura com a ordem burguesa.
POR QUE OS MAOÍSTAS NEPALESES TRAEM A LUTA PELO SOCIALISMO?
A resposta a esta questão reside na própria estratégia
política do maoísmo, herdada do “arsenal” da velha teoria stalinista da
revolução por etapas, ou seja, primeiro estabelecer uma unidade com a
“burguesia nacional” em nome da “revolução democrática” e depois, muito mais
tarde, com o amadurecimento do capitalismo nativo, impulsionar a revolução
socialista. A “diferença” entre a teoria clássica estalinista e o maoísmo
consiste que este acredita que esta “transição” por etapas deve ser sustentada
por uma organização armada que rejeite a via das eleições, como se a tática
militar fosse o antídoto para evitar o velho reformismo estalinista.
Os dirigentes do PCN-M estão convencidos de que, depois de
anos de luta armada para forçar a queda da monarquia, estão dadas as condições
da primeira etapa da revolução e que, para isso, precisam colaborar na
construção de um estado capitalista moderno no Nepal. Pela “cartilha” estalinista, complementada pelas teses de
Mao Tse Tung que agrega a necessidade da luta de guerrilha popular do campo
para a cidade como elemento de pressão sobre os setores reacionários da
burguesia, os maoístas fizeram do combate contra a monarquia e não contra o
capitalismo e o conjunto do regime político, o eixo principal de sua
estratégia, arrastando as massas para esse caminho da colaboração de classes.
Um artigo publicado no Boletim 52 (agosto de 2006) do Centro
Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo), impulsionado pela Liga
Operária no Brasil, faz um histórico do surgimento dos maoístas do Nepal e
reafirma essa plataforma nacionalista-burguesa: “Uma fração de comunistas
aplicando a teoria da luta de duas linhas criticou duramente o desvio revisionista
do Partido e organizou-se, em 1995, para reestruturar o Partido. Daí surgiu o
Partido Comunista do Nepal-Maoísta (PCN-M) que se declarou por um Estado laico,
pela abolição da monarquia, por uma nova Assembléia Constituinte e que, no ano
seguinte, convocou o povo para a Guerra Popular... No começo não havia mais que
70 militantes integrados no Partido, mas logo já estavam organizados em
diversos bolsões de esquerda, com o objetivo de derrubar a monarquia adotando a
tática de Mao TseTung de “cercar as cidades a partir do campo”?
Os experimentados dirigentes do PCN-M, presos a essa
orientação desastrosa, parecem não entender que para o imperialismo o rei é só
uma figura decorativa. A Casa Branca tentará mantê-lo na medida que seja
possível, mas podem descartá-lo a qualquer momento que necessitar, com o
objetivo de deter o curso revolucionário da luta dos trabalhadores, aceitando
inclusive a instauração de uma república burguesa. Justamente por essa política suicida, os maoístas apóiam o
acordo nas condições ditadas por Koirala, que os prometeu que a assembléia
constituinte discutirá a questão da monarquia como sua prioridade número um,
mantendo intacta a própria estrutura da economia capitalista no Nepal. O resultado final dessa aliança é a conformação de um
governo de frente popular, um gabinete de unidade nacional, onde os maoístas
garantem a base social do governo e os partidos burgueses controlam os
ministérios chaves, pavimentando o caminho para a contra-revolução, seja pela
via “democrática” ou fascista.
O SIGNIFICADO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO DA “REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA” NO NEPAL
Em entrevista ao jornal Nepal News, em 28/09/2006, o membro
do birô político do PCN-M, Baburam Bhattarai, revelou o conteúdo de classe
burguês da reivindicação dos maoístas pela assembléia constituinte e a
instauração de uma república “democrática”. Questionado sobre a possibilidade da ruptura dos acordos com
a ASP, o dirigente maoísta foi categórico: “Isso seria um desastre para o país
e para o povo. Não vamos pensar que isso vai acontecer (...) Sabemos que várias
forças estão tentando sabotar os acordos, mas a unidade entre os sete partidos,
o PCN-Maoísta e a sociedade civil deve ser mantida até a realização de eleições
livres e justas para a assembléia constituinte (...) Se a unidade entre os sete
partidos, o nosso e a sociedade civil for reforçada, podemos derrotar a
monarquia e assegurar o estabelecimento de uma república democrática e a paz no
país”. Levando essa posição às últimas conseqüências, o PCN-M defende a
instauração de uma república democrático-burguesa para conter a luta das massas
no marco da paz entre as classes sociais, da mesma forma como defendia o
stalinismo e a oposição burguesa republicana na Espanha na década de 30,
responsável pela ascensão do franquismo.
Baburam Bhattarai, quando perguntado se seus militantes
voltariam à guerrilha no campo, caso os resultados das eleições da assembléia
constituinte não fossem favoráveis ao PCN-M, revelou uma orientação ainda mais
escandalosa, completamente adaptada ao regime, seja ele monárquico ou
republicano: “De maneira nenhuma. Não voltaremos à selva. Em primeiro lugar
pensamos que o povo do Nepal irá apoiar o nosso programa nas eleições para a
assembléia constituinte, caso essas eleições forem justas e limpas. De qualquer
maneira, assumimos o compromisso de aceitar os resultados das eleições, mesmo
que não correspondam à nossa expectativa. Se assim for, continuaremos um
combate pacífico até alcançar a mudança progressista que preconizamos”. Por fim, interrogado se os quadros de seu partido “não se
importam de operar numa economia de mercado”, Bhattarai respondeu como um
típico político nacionalista-burguês “Somos contra uma economia baseada nas
forças cegas do mercado. Não há economia de mercado pura em nenhuma parte do
mundo. Por interesse nacional, todos os países colocam limites ao mercado (...)
Um país pobre como o nosso não pode enveredar por uma absoluta economia de
mercado”.
Não por acaso, os maoístas do Nepal são saudados tão
entusiasticamente pela Liga Operária do Brasil. Essa corrente maoísta (um racha
do arqui-reformista MR8 em meados de 90), igualmente a seus congêneres
asiáticos, deliberou no seu III Congresso, realizado em novembro de 2005, que
defende o “estabelecimento da República Popular do Brasil”, comprometendo-se a
“respeitar e assegurar a propriedade da burguesia nacional (média burguesia),
na cidade e no campo”.
POR UMA REPÚBLICA OPERÁRIA E SOCIALISTA NO NEPAL
A tarefa de enterrar a monarquia deveria ter sido parte de uma uma plataforma diretamente ligada à luta direta
pela instauração da ditadura do proletariado, mas desgraçadamente essa não foi a políticas dos Maoístas que optaram por um governo de pacto com a burguesia. As mais elementares tarefas democráticas pendentes (unidade nacional,
abolição do latifúndio, liquidação do sistema monárquico) não podem vir pelas
mãos de uma aliança dos comunistas com a autodenominada “burguesia
progressista”. Esta, assim como sua ala mais reacionária, está
umbilicalmente ligada ao imperialismo, que subjugará o país sob a forma de uma
república burguesa.
Os explorados nepalenses devem superar os limites políticos
impostos por suas direções maoístas, construir um partido operário
revolucionário para travar uma luta aberta contra o conjunto da classe
dominante, pela sua expropriação, para impor, pela via da revolução proletária,
uma república soviética, baseada em conselhos de operários e camponeses pobres.