quarta-feira, 3 de junho de 2020

O TROTSKISMO E A QUESTÃO NEGRA NOS EUA: LIÇÕES PARA A LUTA EM CURSO NO CORAÇÃO DO IMPERIALISMO


Em meio aos protestos multitudinários contra o racismo nos EUA, o BLOG DA LBI publica uma compilação de textos e reflexões de Trotsky e outros dirigentes da IV Internacional sobre a questão negra no coração do imperialismo ianque durante os anos 30. Trotsky esteve entre os comunistas que melhor contribuiriam para o desenvolvimento de um dialogo com os revolucionários negros das Américas e da África a partir de uma série de reflexões estratégicas e táticas promovendo assim uma necessária atualização dos debatidos ocorridos no 4o Congresso da III Internacional, que foi o último que contou com sua participação. A Internacional Comunista nunca mais retomou as formulações sobre a questão negra. Seguindo essas tradições, os Bolcheviques Leninistas nos EUA empenham hoje todas suas forças em dotar programaticamente a revolta das massas e juventude oprimida na perspectiva do socialismo, o que passa neste momento pela fusão dos atos de rua com as fabricas e locais de concentração da classe trabalhadora, que em sua grande maioria não está de quarentena.

Com a convocação da construção da Quarta Internacional, congregam-se às fileiras da Oposição de Esquerda figuras importantes do comunismo mundial, dentre elas os que passariam, posteriormente, a dirigir o Socialist Workers Party, como James P. Cannon e CLR James. Existe uma importância fundamental no fato da fundação dessa seção trotskysta nos EUA para o desenvolvimento de teses de Trotsky sobre a questão negra, pois é a primeira vez que o marxismo revolucionário se via exposto a uma situação política onde as negras e negros eram um fator central na realidade nacional em um país economicamente e politicamente tão determinante para o rumo da revolução internacional.


Cannon, um dos fundadores e principais dirigentes do Partido Comunista dos Estados Unidos assim como Cyril Lionel Robert James (autor da espetacular obra sobre a história da Revolução Haitiana -“Os Jacobinos Negros”) se juntaram às fileiras da Oposição de Esquerda e foram fundamentais para o desenvolvimento da tese sobre a questão negra onde pela primeira vez o marxismo revolucionário se via exposto a uma situação política onde as negras e negros eram um fator central em uma realidade nacional de uma potência econômica, fator tão preponderante para o rumo da revolução internacional.

Cannon certa vez escreveu, “(…) a intervenção russa transformou tudo isto, drasticamente e num sentido benéfico. Ainda antes da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, Lenin e os bolcheviques se distinguiam de todas as outras tendências no movimento socialista e operário internacional por sua preocupação com os problemas das nações e minorias nacionais oprimidas, e seu apoio positivo às lutas destas pela liberdade, a independência e o direito da autodeterminação. Os bolcheviques davam este apoio a toda a “gente sem igualdade de direitos”, de uma forma sincera e honesta, e não havia nada “filantrópico” nesta posição. Reconheciam também o grande potencial revolucionário na situação dos povos e nações oprimidas, e os viam como aliados importantes da classe operária internacional na luta revolucionária contra o capitalismo (…) a fórmula simplista de que a questão dos negros era meramente econômica, uma parte da questão do capital contra o trabalho, jamais inspirou os negros, que sabiam que não era assim, mesmo se não o dissessem abertamente; eles tinham que viver com a discriminação brutal, cada hora de cada dia.”

Nesse debate Trotsky desenvolve a tese do direito à auto-determinação em solo “estrangeiro”, combatendo uma pressão em CLR James de que esse programa deve ser agitado pelos brancos ou proposto pelos partidos brancos, afirmando que a atitude do PC em fazer isso durante a década de 30 constituía-se em uma forte substituição e possível ofensa ao povo negro: “Era um caso em que os brancos diziam para os negros, ‘Vocês devem criar um gueto só de vocês’ (...) A única interpretação deles (dos negros) é possivelmente os brancos querem ficar separado deles”. Neste trecho, fica clara a concepção de Trotsky de que, aliada à auto-determinação está o fundamental protagonismo dos negros no que diz respeito a sua luta contra a opressão racial, levando a que, no caso dos revolucionários, esse espaço de debate e constituição ideológica do movimento negro seja de participação privilegiada do movimento negro.

A partir de outra sequência de reuniões e debates internos com o SWP, Trotsky afirma elementos fundamentais para o rumo organizativo do partido, partindo do pressuposto de que o SWP deveria, ao mesmo tempo, refletir a necessidade de organizar um movimento de negros e de ser ele também uma organização negra, fazendo com que a questão negra passasse a ser parte considerável de seu programa, de suas publicações, de sua prática política e de sua composição social. Isso significaria, por exemplo, elevar a tímida luta política contra o racismo a níveis muito agudos e ter o racismo como crivo de entrada para o partido, ou seja, para militar no SWP deveria importar mais se este ou aquele operário é contra o racismo e defende os negros e as demandas deles do que uma série de outros possíveis crivos ideológicos, que num país tão racista e opressor, tomam uma importância secundária na vida política cotidiana, enquanto que o racismo é questão latente na vida de qualquer operário.

Nesse debate Trotsky pontua em 5 de abril de 1939: “É muito importante se é aconselhável e se é possível criar uma organização desse tipo por nossa própria iniciativa. Nosso movimento está familiarizado com formas como o partido, o sindicato, a organização educacional, a cooperativa; mas este é um novo tipo de organização que não coincide com as formas tradicionais. Devemos considerar a questão de todos os lados sobre se é aconselhável ou não e qual deve ser a forma de nossa participação nesta organização. Se outro partido tivesse organizado esse movimento de massas, certamente participaríamos como uma fração, desde que incluísse trabalhadores, pequenos burgueses pobres, agricultores pobres e assim por diante. Nós entraríamos para trabalhar para a nossa festa. Mas isso é outra coisa. O que é proposto aqui é que tomemos a iniciativa. Mesmo sem conhecer a situação concreta dos círculos negros nos Estados Unidos, acredito que podemos admitir que ninguém, exceto nosso partido, é capaz de formar esse movimento de maneira realista. Certamente, os movimentos guiados pelos líderes negros improvisadores, como os vimos no passado, mais ou menos reprimiram a falta de vontade ou a incapacidade, a perfídia de todos os partidos existentes. O negócio. Isto também é verdade para os stalinistas. Assim, a única parte capaz de iniciar tal ação é a nossa própria parte. Mas permanece a questão de saber se podemos tomar a iniciativa de formar uma organização de negros como os negros - não com o objetivo de ganhar alguns elementos para o nosso partido, mas com o objetivo de realizar um trabalho educacional sistemático para elevá-los. politicamente. Qual deve ser a forma - qual a linha correta de nossa política? Essa é a nossa pergunta”.

Por sua vez, em 11 de abril de 1939, Trotsky volta a carga: “Eu acredito que a primeira pergunta é a atitude do Partido Socialista dos Trabalhadores em relação aos negros. É muito inquietante descobrir que até agora o partido não fez quase nada neste campo. Não publicou um livro, um panfleto, folhetos, nem mesmo artigos na Nova Internacional.Dois camaradas que compilaram um livro sobre a questão, um trabalho sério, permaneceram isolados. Esse livro não é publicado, nem são publicadas citações dele. Não é um bom sinal. É um mau sinal. O aspecto característico dos partidos operários americanos, das organizações sindicais e assim por diante era seu caráter aristocrático. É a base do oportunismo. Os trabalhadores qualificados que se sentem estabelecidos na sociedade capitalista ajudam a classe burguesa a manter os negros e os trabalhadores não qualificados em uma escala muito baixa. Nosso partido não está a salvo da degeneração se continuar a ser um lugar para intelectuais, semi-intelectuais, trabalhadores qualificados e trabalhadores judeus que constroem quase isolados da massa genuína. Sob essas condições, nosso partido não pode se desenvolver - ele se degenerará. Nós devemos ter esse grande perigo diante de nossos olhos. Muitas vezes propus que todos os membros do partido, especialmente os intelectuais e semi-intelectuais, que, durante um período de seis meses, cada um deles não possa ganhar um trabalhador para o partido, sejam rebaixados para a posição de simpatizantes. Podemos dizer o mesmo na questão dos negros. As organizações antigas, começando com a AFL, são as organizações da aristocracia operária. Nosso partido faz parte do mesmo meio, não das massas exploradas básicas das quais os negros são os mais explorados. O fato de nosso partido até agora não ter se voltado para a questão dos negros é um sintoma muito inquietante. Se a aristocracia dos trabalhadores é a base do oportunismo, uma das fontes de adaptação à sociedade capitalista, devemos dizer aos elementos conscientes dos negros que eles são convocados pelo desenvolvimento histórico a se tornar uma vanguarda da classe trabalhadora. O que serve como freio nos estratos mais altos? São os privilégios, os confortos que os impedem de se tornarem revolucionários. Não existe para os negros. O que pode transformar um certo estrato, torná-lo mais capaz de coragem e sacrifício? Está concentrado nos negros. Se, no SWP, não conseguirmos encontrar o caminho para esse estrato, não seremos dignos. A revolução permanente e todo o resto seriam apenas uma mentira.”

O conjunto dessas transcrições foi publicado em 1939 na Seção de título “Sobre a luta Negra” (“On the Negro Struggle”, no original), como um suplemento especial do jornal do SWP, o Fourth International. Essa publicação foi a primeira do marxismo dedicada exclusivamente a questão negra em todo o mundo, e se dava como parte de uma profunda luta política tanto com a ideia de que é possível acabar com o racismo dentro do capitalismo, quanto com a prática substitucionista, naquele momento, que levava a cabo o PC norte-americano no campo do programa de luta do povo negro.