“CONSPIRANÓICOS” OU GUERRA HÍBRIDA: A ASSUSTADORA HISTÓRIA
DO LABORATÓRIO DE FORT DETRICK (USA)
*Por Ceng Jing
Desde que o governo Trump declarou emergência nacional em
meados de março, devido à rápida disseminação da COVID-19, a tarefa de
desenvolver uma vacina recaiu sobre o principal laboratório de pesquisa de
vírus do Exército dos EUA em Fort Detrick, localizado num subúrbio em Maryland,
a 80 km de Washington (DC). Nas últimas décadas, pesquisas de ponta sobre uma
ampla gama de vírus e bactérias foram realizadas dentro do complexo. Suas
instalações de ponta também armazenam algumas das toxinas mais perigosas conhecidas
pela humanidade, incluindo Ebola, antraz e o coronavírus SARS. A obscura base
militar ficou sob os holofotes em 2008, depois que um de seus cientistas foi
suspeito de ter cometido o ataque de antraz em 2001, quando várias cartas
contendo a bactéria mortal foram enviadas para escritórios da imprensa e do
governo norte-americano (George Bush). No ano passado, um dos laboratórios de
alta segurança mais importantes do campus foi fechado pelas autoridades de
saúde devido a violações de segurança. Apesar de alguns incidentes aqui e ali,
Fort Detrick parece um laboratório comum para a ciência médica moderna.
Voltando um pouco na história, no entanto, um período genuinamente macabro
começa a emergir.
Após a Segunda Guerra Mundial, Fort Detrick se tornou um local
de horríveis experimentos científicos conduzidos sob uma missão secreta da CIA
para controlar a mente humana, conhecido como Projeto MK Ultra. Depois de mais
de 20 anos, o projeto terminou em um fracasso abismal e levou a um número
desconhecido de mortes, incluindo um cientista que participou do projeto e pelo
menos centenas de vítimas americanas e canadenses submetidas a tortura física e
mental. Os experimentos não apenas violaram o direito internacional, mas também
o estatuto da própria agência, que proíbe a atividade doméstica. O Projeto MK
Ultra foi criado pelo padrinho do império de inteligência americano – o diretor
da CIA, Allen Dulles, cuja retórica sempre mordaz sobre a ameaça soviética o
ajudou a criar um aparato onipotente de
segurança nacional que viria a definir a política americana. Em 1953, depois de
capturar pilotos americanos que admitiram o uso de antraz durante a Guerra da
Coréia, Dulles passou a publicar teorias de que eles haviam sofrido lavagem
cerebral pelos comunistas da República Popular Democrática da Coréia. Para
garantir a segurança nacional, ele argumentou, os EUA deveriam criar seu
próprio programa de lavagem cerebral.
A alegação de Dulles se baseou na mais pura fantasia da
Guerra Fria, pois um relatório que ele encomendou posteriormente rejeitou as
alegações de lavagem cerebral pelos comunistas. No entanto, o sagaz mestre de
espionagem Dulles, conhecido por resgatar ativamente várias autoridades
nazistas contra a vontade de seu próprio governo, continuou o programa por uma razão
muito mais nefasta. Conforme explicado por David Talbot em seu livro O
tabuleiro de xadrez do diabo, muitos espiões recrutados nos primeiros dias da
Guerra Fria eram personagens indecisos e pouco confiáveis, motivados por
vulnerabilidades internas, como ganância, luxúria ou vingança. Enquanto isso, a
agência procurava maneiras de descartar essas variáveispsicológicas, criando
máquinas humanas que agiriam sob comando, mesmo contra sua própria consciência.
Em termos oficiais, o principal objetivo do programa era
“pesquisa e desenvolvimento de materiais químicos, biológicos e radiológicos
capazes de empregar operações clandestinas para controlar o comportamento
humano”, segundo um memorando desclassificado produzido pelo Inspetor-Geral da
CIA. O programa cresceu rapidamente em escala, ramificando-se em 149
subprojetos envolvendo pelo menos 80 instituições, incluindo universidades,
hospitais, prisões e empresas farmacêuticas nos Estados Unidos e no Canadá.Para
dominar o controle da mente, um grupo de cientistas mal intencionados testou
métodos extremos livremente em humanos que levariam qualquer pessoa à prisão se
não estivesse dentro dos parâmetros do Fort Dertrick. Isso inclui a
administração forçada de drogas psicoativas, eletrochoques forçados, abusos físicos
e sexuais, bem como uma infinidade de outros tormentos, todos silenciosamente
realizados atrás dos altos muros da “segurança nacional”.
Dulles estava especialmente interessado em descobrir se
alucinógenos como o LSD poderiam induzir indivíduos selecionados a realizar
“atos de sabotagem substancial ou atos de violência, incluindo assassinatos”,
lembrou o principal especialista em venenos da agência, Sidney Gottlieb, que
liderou o programa.Documentos desclassificados revisadospela CGTN mostraram que
as premissas sob investigação do programa variavam entre o bizarro e o extremo
da ficção científica: drogas que poderiam “causar confusão mental”; “fornecer
um máximo de amnésia”; “produzir euforia pura sem subsequente decepção”;
“diminuir a ambição e a eficiência geral do trabalho dos homens;” e muitos
outros. Ao longo de sua vida útil de duas décadas, o MK Ultra foi executado em
extremo sigilo, pois a agência esperava uma reação política significativa, caso
se tornasse de conhecimento público. Era tão secreto, de fato, que apenas
alguns altos funcionários da agência estavam cientes de sua existência.
Sem que a Casa Branca nem o Congresso soubessem, as pessoas
dos cantos esquecidos da América – prisioneiros, prostitutas e sem-teto – foram
escolhidas nas ruas como participantes involuntários da louca ciência de Fort
Derrick: “Pessoas que não podiam revidar”, nas palavras de Gottlieb. No
entanto, o programa também contava com pessoas que podiam, incluindo soldados
americanos e pacientes inocentes que, inadvertidamente, entraram nos hospitais
e clínicas associados ao MK Ultra por toda a América do Norte. Em julho de
1954, o aviador Jimmy Shaver, da Base da Força Aérea de Lackland, foi acusado
de estuprar e matar uma menina de três anos em San Antonio. Durante o
incidente, alega-se frequentemente que ele estava em estado “atordoado” e “em
transe”. Enquanto estava preso, Shaver também parecia ter perdido uma
quantidade tremenda de memória, incluindo as que envolviam sua esposa. Quatro
anos depois, ele foi executado no seu 33º aniversário. Somente depois o público
soube que Shaver, que não tinha antecedentes criminais, era uma das cobaias
usados pelo MK Ultra. O projeto de controle da mente teve um papel
significativo na condenação de Shaver à cadeira elétrica, de acordo com o The
Intercept.
Outros que sobreviveram aos experimentos brutais revelaram as
horríveis sequelas da lavagem cerebral sancionada pela CIA. Linda McDonald, de
25 anos e mãe de cinco filhos pequenos, relatou que se transformou
essencialmente em uma criança depois de passar pelos notórios experimentos da
Sala do Sono, que lhe disseram que tratariam sua esquizofrenia aguda
inexistente. Por 86 dias, McDonald ficou em coma induzido por doses
administradas de poderosos narcóticos e eletrochoques que “fritaram” seu
cérebro 102 vezes.
No entanto, de todos os 180 médicos e pesquisadores que
participaram dessas experiências ilegais, poucos expressaram qualquer suspeita
ou remorso. Aquele que o fez apareceu morto. Frank Olson, bioquímico e pai de
três filhos, trabalhava nos Laboratórios de Guerra Biológica em Fort Detrick.
Ele foi um dos cientistas do MK Ultra que viajava regularmente entre “locais
negros” na Europa para observar diferentes experimentos em humanos. Após uma
visita de 1952 ao Camp King, um famoso esconderijo da CIA na Alemanha, ele
ficou particularmente abalado com a crueldade à qual os prisioneiros soviéticos
foram submetidos, segundo Talbot. “Ele passou por um momento difícil depois da
Alemanha… drogas, tortura, lavagem cerebral”, disse o ex-colega de Olson na
Detrick, pesquisador Norman Cournoyer. Quando retornou da Alemanha, Olson havia
sofrido uma “crise moral” e estava pronto para desistir de sua carreira
científica para se tornar dentista, segundo a sua família. No entanto, antes que
ele pudesse mudar de vida, o próprio cientista havia se tornado uma das muitas
vítimas involuntárias do MK Ultra.
Uma semana antes do Dia de Ação de Graças, Olson foi
convidado para um retiro de fim de semana em uma instalação isolada da CIA em
Deep Creek Lake, em Maryland. Uma noite após o jantar, Olson e outros
cientistas desavisados receberam bebidas com LSD, após o que ele começou a
alucinar descontroladamente. O experimento terminou uma semana depois, quando
ele colidiu com a janela do 10º andar no Statler Hotel em Manhattan. A
investigação da morte do cientista foi concluída às pressas pelos funcionários
da CIA como suicídio. No entanto, os filhos de Olson não aceitaram a
“narrativa” e começaram sua própria investigação sobre o trágico fim de seu
pai. Depois de décadas de idas e vindas com o governo dos EUA e a investigação
dos filhos de Frank, Eric e Nils, incluindo uma autópsia de exumação,
evidências substanciais pesam sobre a possibilidade de assassinato do
cientista. Depois de examinar os restos mortais de Olson, o patologista forense
James Starrs apontou várias inconsistências importantes que contradiziam o
suicídio narrativo oficial. Apesar de ter caído de costas, o crânio acima dos
olhos de Olson havia rachado, sugerindo uma força brusca na cabeça antes de
colidir com a janela. “A morte de Frank Olson em 28 de novembro de 1953 foi um
assassinato, não um suicídio”, declarou Eric Olson: “Esta não é uma história de
experimento com drogas de LSD, como foi representada em 1975. Esta é uma
história de guerra biológica. Frank Olson não morreu porque era um cobaia que
experimentou uma ‘bad trip’. Ele morreu devido à possibilidade de divulgar
informações sobre um programa de interrogatório altamente confidencial da CIA
no início dos anos 50 e sobre o uso de armas biológicas pelos Estados Unidos na
Guerra da Coréia.”