domingo, 18 de julho de 2021

85 ANOS DO INÍCIO DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA: O TROTSKYSMO NA TRINCHEIRA DE LUTA CONTRA O FRANQUISMO, COMBATENDO A POLÍTICA DE COLABORAÇÃO DE CLASSES DA FRENTE POPULAR  

O Blog da LBI publica o texto escrito por Trotsky no calor dos acontecimentos da guerra civil espanhola, que teve seu início há 85 anos atrás, em julho de 1936. No artigo, o velho comunista exilado e perseguido por Stálin analisa as três tendências políticas que atuavam no seio do campo republicano na luta contra o fascismo, disputando a influência entre a vanguarda militante: o bolchevismo representado pela IV Internacional, o menchevismo e o anarquismo.

No curso desse debate Trotsky também polemizou com o POUM de Andres Nin, grupo centrista que acabou capitulando a Frente Popular e, apesar disso, teve seu dirigente assassinado pela KGB. Trotsky definia que uma posição justa diante da guerra civil espanhola, ou seja, do conflito entre os monárquicos sob o comando de Franco e republicanos burgueses era postar-se no campo republicano empunhando um programa revolucionário para impor através da dinâmica da revolução permanente na luta de classes a ditadura do proletariado e não para resgatar o regime democrático burguês e suas instituições como defendiam o stalinismo e as chamadas forças democráticas e progressistas que compunham a Frente Popular. 

Esse arco político reformista foi responsável em última medida, devido sua política de colaboração de classes e ao apoio limitado prestado pela URSS à resistência antifranquista, por levar a frente republicana à derrota e, posteriormente, ao esmagamento sangrento da revolução espanhola, "um novo elo trágico" dessa política criminosa como caracterizou o velho bolchevique no brilhante artigo que reproduzimos abaixo.

MENCHEVISMO E BOLCHEVISMO NA ESPANHA

Leon Trotsky 1936

As operações militares da Abissínia e do Extremo Oriente são meticulosamente estudadas por todos os estados-maiores militares que preparam a futura grande guerra. Os combates do proletariado espanhol, estes relâmpagos anunciadores da futura revolução internacional, devem ser estudados com não menos atenção pelos estados-maiores revolucionários; é com esta condição somente que os acontecimentos que se aproximam não nos tomarão desprevenidos. Três concepções enfrentam-se, com forças desiguais, no campo dito republicano: o menchevismo, o bolchevismo e o anarquismo. No que concerne aos partidos republicanos burgueses, eles não têm nem ideias, nem importância política independente e não fizeram mais que manter-se sobre as costas dos reformistas e dos anarquistas. Além do mais, não seria mais que um exagero dizer que os chefes do anarco-sindicalismo espanhol fizeram de tudo para desmentir sua doutrina e reduzir a sua importância praticamente a zero. De fato, no campo republicano, duas doutrinas se estão enfrentando: o bolchevismo e o menchevismo. 

Segundo as concepções dos socialistas e dos stalinistas, vale dizer, os mencheviques da primeira e segunda debandada, a revolução espanhola devia resolver mais que as tarefas democráticas; eis porque era necessário constituir um bloco com a burguesia "democrática". Toda tentativa do proletariado de sair dos quadros da democracia burguesa era, deste ponto de vista, não apenas prematura como verdadeiramente funesta. Além disso, o que estava na ordem-do-dia não era a revolução, mas a luta contra Franco. O fascismo é não a reação feudal, mas burguesa: que contra esta reação burguesa não se possa lutar com sucesso a não ser com os métodos da revolução proletária é uma noção que o menchevismo, ele próprio um ramo do pensamento burguês, não quer e não pode tornar sua. 

O ponto de vista do bolchevismo, expresso, hoje, somente pela jovem seção da IV Internacional, procede da teoria da Revolução Permanente, a saber, que mesmo as tarefas puramente democráticas, tais como a liquidação da propriedade fundiária feudal, não podem ser solucionadas sem a conquista do poder pelo proletariado, isto, por sua vez, coloca na ordem-do-dia a revolução socialista. Ademais, os próprios operários espanhóis, dos primeiros passos da revolução, atribuíram a si mesmos, na prática, não apenas tarefas democráticas, mais, também, tarefas puramente socialistas. Exigir que não se saia da democracia burguesa é, de fato, não apenas brincar de revolução democrática, mas renunciar a ela. Somente pela transformação das relações sociais no campo é que se pode fazer do camponês, principal massa da população, uma poderosa arma contra o fascismo. No entanto, os proprietários fundiários são ligados por laços indissolúveis à burguesia bancária, industrial e comercial e à inteligentsia burguesa que depende dela. O partido do proletariado encontra-se, deste modo, diante da necessidade de escolher: ou com as massas camponesas ou com a burguesia . Incluir na mesma coalizão os camponeses e a burguesia liberal, não pode ter senão um objetivo: ajudar a burguesia a enganar os camponeses e a isolar os operários. A revolução agrária somente pode ser realizada contra a burguesia, em conseqüência, somente pelas medidas da ditadura do proletariado. Não existe nenhum regime médio intermediário.

Do ponto de vista da teoria, o que choca sobretudo na política de Stálin é o completo esquecimento do ABC do leninismo. Com um atraso de algumas dezenas de anos – e que anos! –, a Internacional Comunista restabeleceu completamente em seus direitos a doutrina do menchevismo. Mais ainda, esforçou-se para dar a esta doutrina uma expressão mais "conseqüente" e, por isso mesmo, mais absurda. Na Rússia czarista, no início de 1905, a fórmula "revolução puramente democrática" tinha a seu favor, em todo caso, infinitamente mais argumentos que em 1937 na Espanha. Não é de se espantar que, na Espanha contemporânea, a política "operária liberal" do menchevismo tenha se tornado a política anti-operária, reacionária do stalinismo. De um golpe, a doutrina do menchevismo, esta caricatura do marxismo, foi, por sua vez, caricaturizada.

A TEORIA DA FRENTE POPULAR

Seria, no entanto, ingenuidade pensar que, na base da política do Comintern na Espanha estivessem alguns "erros" teóricos. O stalinismo não se guia pela teoria marxista, nem por qualquer teoria que seja, mas, empiricamente, pelos interesses da burocracia soviética. Entre eles mesmos, os cínicos de Moscou riem-se da "filosofia" da Frente Popular à la Dimitrov. Eles têm, porém, à sua disposição, para enganar as massas, numerosos quadros de propagandistas desta fórmula sagrada, sinceros ou canalhas, ingênuos ou charlatães. Louis Fischer, com sua ignorância e auto-suficiência, seu estado de espírito de argumentador provinciano organicamente surdo para a revolução, é o representante mais repugnante desta confraria pouco atraente. A "união das forças progressistas", o "triunfo das idéias da Frente Popular", o "dano causado pelos trotskistas à unidade das fileiras antifascistas"... Quem acreditaria que o Manifesto Comunista foi escrito há 90 anos?

Os teóricos da Frente Popular não vão, no fundo, além da primeira regra da aritmética, a da adição: a soma dos comunistas, dos socialistas, dos anarquistas e dos liberais é superior a cada um dos termos desta soma. No entanto, a aritmética não é suficiente neste caso. É necessário utilizar, no mínimo, a mecânica: a lei do paralelogramo de forças verifica-se inclusive na política. A resultante é, como se diz, tanto menor quanto mais as forças divergem entre si. Quando os aliados políticos puxam em direções opostas a resultante é igual a zero. O bloco dos diferentes agrupamentos políticos da classe operária é absolutamente necessário para resolver as tarefas comuns. Em determinadas circunstâncias histórias, onde um bloco como este é capaz de arrastar para si as massas pequeno-burguesas oprimidas cujos interesses são próximos dos do proletariado, a força comum de tal bloco pode mostrar-se muito maior que a resultante das forças que o constituem. Ao contrário, a aliança do proletariado com a burguesia , cujos interesses, no momento atual, nas questões fundamentais, formam um ângulo de 180 graus, não pode, via de regra, mais que paralisar a força revolucionária do proletariado.

A guerra civil, onde a força da violência apenas tem pouca ação, exige dos seus participantes um devotamento supremo. Os operários e os camponeses só são capazes de assegurar a vitória quando eles travam a luta pela sua própria emancipação. Submetê-los nestas condições à direção da burguesia, é assegurar antecipadamente sua derrota na guerra civil. Estas verdades não são, de modo algum, o fruto de uma análise puramente teórica. Ao contrário, elas representam a conclusão irrefutável de toda a experiência histórica, ao menos a partir de 1848. A história moderna das sociedades burguesas está repleta de frentes populares de todos os tipos, quer dizer, combinações políticas as mais diversas para enganar os trabalhadores. A experiência espanhola é um novo elo trágico.