NO DIA DO NASCIMENTO DE MAIAKOVSKY... A CARTA DE TROTSKY SOBRE O SUICÍDIO DO MAIOR POETA DA RÚSSIA SOVIÉTICA
SUICÍDIO DE MAIAKOVISKY
Leon Trotsky (1930)
Blok [1N] reconhecera enorme talento em Maiakovsky. Pode-se dizer, sem exagero, que havia em Maiakovsky reflexos de gênio. Não era, entretanto, um talento harmonioso. Onde se poderia, aliás, encontrar harmonia artística neste decênio de catástrofes, no limite não-cicatrizado de duas épocas? Na obra de Maiakovsky, os cumes despontam ao lado dos abismos, manifestações de gênio explodem ao lado de estrofes banais, às vezes mesmo de uma vulgaridade gritante.
Maiakovsky quis, sinceramente, ser revolucionário, antes mesmo de ser poeta. Na realidade, ele era acima de tudo um poeta, um artista, que se afastou do velho mundo sem romper com ele. Somente depois de Outubro, procurou e, em certa medida, encontrou um ponto de apoio na Revolução. Até o fim, porém, não se confundiu com ela, porque não se lhe achegou no duro período dos anos de preparação clandestina. Maiakovsky, geralmente, não era só o cantor, mas também a vítima de uma época de crise, que, preparando os elementos de nova cultura com uma força até então desconhecida, passa mais lentamente do que se precisaria para assegurar a evolução harmoniosa de um poeta, de uma geração de poetas, que se entregam à Revolução. Deve-se observar ai a ausência de harmonia interior, que se manifestava no estilo do poeta, a insuficiente disciplina do seu verbo e o excesso de suas imagens: a quente lava do patético e a incapacidade de ligar-se à época, à classe, o gracejo de mau gosto, pelo qual procura - ao que parece - proteger-se contra todo golpe do mundo exterior. Supunha-se, às vezes, que se tratava de hipocrisia artística e também psicológica. Não! As cartas escritas, antes de sua morte, repetem o mesmo som: que significa a fórmula lapidar "o incidente está encerrado" pela qual o poeta risca o último traço?
O lirismo e a ironia serviam ao romântico retardatário Henri Heine como o patético e a vulgaridade servem ao futurista retardatário Maiakovsky: a vulgaridade opõe-se ao patético, da mesma forma que o lirismo à ironia, para defendê-lo .
O aviso oficial, colocado pelo Secretariado [1*] numa linguagem de protocolo jurídico, apressa-se a informar que esse suicídio "não tem nenhuma relação com as atividades sociais e literárias do poeta". O que vale dizer que a morte voluntária de Maiakovsky não se relaciona com a sua vida ou, ainda, que a sua vida nada tinha em comum com a sua criação revolucionária e poética. É transformar a sua morte num fato fortuito. Isso não é verdadeiro nem necessário nem... inteligente! "A barca do amor partiu-se na vida corrente", escreveu Maiakovsky, nos seus últimos versos. Em outras palavras, "suas atividades sociais e literárias" cessaram de elevá-lo acima das confusões da vida quotidiana, para colocá-lo ao abrigo de golpes insuportáveis que o atingiam. Como escrever então "não tem nenhuma relação"?
A doutrina oficial, que hoje encontramos sobre literatura proletária, no campo literário, é a mesma que existe no terreno econômico: baseia-se numa total incompreensão dos ritmos e dos prazos da maturação cultural. A luta pela cultura proletária - alguma coisa como a coletivização total de todas as conquistas da humanidade no quadro do plano qüinqüenal - apresentava, nos primórdios da Revolução de Outubro, um caráter de idealismo utópico. E eis precisamente por que Lênin a ela se opôs, da mesma forma que o autor destas linhas. Ela, porém, se tornou nestes últimos anos simplesmente um sistema de comando burocrático - e de destruição da arte. Proclamaram-se clássicos da literatura pseudoproletária os fracassos da literatura burguesa do gênero de Serafimovitch, Gladkov [2N] & Cia. Batizou-se uma flexível nulidade do tipo de Averbach [3N] como o Belinsky [4N]... da literatura proletária(!). A alta direção do beletrismo encontra-se nas mãos de Molotov, negação de todo espírito criador da natureza humana, que se fez artista (o adjunto de Molotov é Gussev [5N] ) em vários campos, exceto na arte. Essa escolha dá toda a imagem da degenerescência burocrática das esferas oficiais da Revolução. Molotov e Gussev elevaram à categoria de beletrismo uma literatura desfigurada, pornográfica, de cortesãos revolucionários, obra de um coletivo anônimo.
Os melhores representantes da juventude proletária, cuja vocação é preparar as bases de nova literatura e de nova cultura, caíram sob as ordens de pessoas que converteram em critério da realidade a sua própria falta de cultura.
Sim, Maiakovsky é o mais viril e o mais corajoso de todos os que, pertencendo à última geração da velha literatura russa e ainda por ela não-reconhecidos, procuraram criar laços com a Revolução. Sim, ele desenvolveu laços infinitamente mais complexos que todos os outros escritores. Um dilaceramento profundo nele permanecia. Às contradições, que a Revolução comporta, sempre mais penosa para arte, na busca de formas acabadas, somou-se, nos últimos anos, o sentimento do declínio a que o conduziram esses burocratas. Maiakovsky, pronto para servir à sua época, pelos mais modestos trabalhos quotidianos, não podia aceitar uma rotina pseudo-revolucionária. Era incapaz de ter plena consciência disso, no plano teórico, e, por conseguinte, de encontrar o caminho para superá-la. Sobre si mesmo, disse que "não está à venda". Por muito tempo e vigorosamente, ele se recusou a entrar no kolkhoz administrativo da pretensa literatura proletária de Averbach. Tentou fundar, sob a bandeira do LEF [6N], a ordem dos ardentes cruzados da revolução proletária para servir à causa com toda a consciência e não sob ameaças. O LEF, naturalmente, não tinha força para impor o seu ritmo aos 150.000.000: a dinâmica dos fluxos e refluxos da Revolução era muito pesada, muito profunda. No mês de janeiro deste ano, Maiakovsky, vencido pela lógica da situação, fez grande esforço para aderir, finalmente, à Associação Soviética dos Poetas Operários (VAPP), dois ou três meses antes de matar-se. Essa adesão não lhe trouxe nada. Retirou-lhe, pelo contrário, alguma coisa. Quando êle liquidou suas contas, tanto no plano pessoal quanto no político, e movimentou seu barco, os representantes da literatura burocrática, aqueles que estão à venda, exclamaram: "inconcebível, incompreensível". Demonstravam, assim, que não compreendiam tanto o grande poeta Maiakovsky como as contradições da época.
A Associação dos Poetas Operários (VAPP), criada a partir dos progroms contra núcleos literários autenticamente revolucionários e vivos, e submetida à sujeição burocrática, caiu ideologicamente no abandono e aparentemente não conseguiu unidade moral: na partida do maior poeta da Rússia soviética, só houve como resposta o embaraço oficial: isso "não tem nenhuma relação. . . " É pouco, realmente pouco, para quem quis edificar nova cultura dentro do mais curto prazo.
Maiakovsky não se tornou nem podia tornar,se o fundador da literatura proletária pela mesma razão que não se pode edificar o socialismo num só país (2*). Nos combates do período de transição, ele era o mais corajoso combatente do verbo, e tornou-se um dos mais indiscutíveis precursores da literatura que se dará à nova sociedade.
A atual ideologia oficial da "literatura proletária" baseia-se - tanto na esfera artística quanto na econômica! - em uma total incompreensão dos ritmos e das estruturas temporais do amadurecimento cultural. A luta pela "cultura proletária" - algo como uma "coletivização completa" de todas as conquistas da humanidade no quadro do plano quinquenal - tinha, no início da Revolução de Outubro, um caráter de idealismo utópico, e era precisamente por isso colidiu com a resistência de Lenin e do autor destas linhas. Nos últimos anos, ele simplesmente se tornou um sistema de direção burocrática - e devastação - da arte. Foram declarados clássicos miseráveis da literatura pseudo-proletária da literatura burguesa, como Serafimovich, Gladkov e outros. Nulos acelerados como Averbaj foram designados como os Bielinskis… da literatura “proletária” (!). A direção suprema da literatura permaneceu nas mãos de Molotov, que é a negação viva de todo espírito criativo na natureza humana. O assistente de Molotov - vamos de mal a pior! - acabou por ser Gúsiev, hábil em muitos campos, mas não na arte. Essa seleção de homens é a cópia carbono da degeneração burocrática das esferas oficiais da revolução. Molotov e Gúsiev erigiram acima da arte da palavra um Malashkin coletivo, uma literatura cortês - "revolucionária", pornográfica e desfigurada. O assistente de Molotov - vamos de mal a pior! - acabou por ser Gúsiev, hábil em muitos campos, mas não na arte. Essa seleção de homens é a cópia carbono da degeneração burocrática das esferas oficiais da revolução. Molotov e Gúsiev erigiram acima da arte da palavra um Malashkin coletivo, uma literatura cortês - "revolucionária", pornográfica e desfigurada. O assistente de Molotov - vamos de mal a pior! - acabou por ser Gúsiev, hábil em muitos campos, mas não na arte. Essa seleção de homens é a cópia carbono da degeneração burocrática das esferas oficiais da revolução. Molotov e Gúsiev erigiram acima da arte da palavra um Malashkin coletivo, uma literatura cortês - "revolucionária", pornográfica e desfigurada.
Os melhores representantes da juventude proletária, chamados a preparar os elementos de uma nova literatura e de uma nova cultura, foram colocados ao serviço de pessoas que fizeram da sua ignorância a medida de todas as coisas.
Sim, Maiakovsky é mais viril e mais heróico do que qualquer outro membro daquela última geração da velha literatura russa que, de outra forma, sem ter ainda alcançado o seu reconhecimento, procurou estabelecer laços com a revolução. Sim, ele estabeleceu esse vínculo de uma forma muito mais completa do que qualquer outra. Mas uma lágrima profunda permaneceu nele. Às contradições gerais da revolução, sempre dolorosa para a arte que busca formas acabadas, somou-se a decadência epigonal dos últimos anos. Disposto a cumprir o seu "tempo" no mais humilde trabalho diário, Maiakovsky não pôde deixar de se assustar com a rotina pseudo-revolucionária, embora teoricamente não estivesse em condições de compreendê-la e, conseqüentemente, de encontrar uma maneira de superá-la. . O poeta diz acertadamente sobre si mesmo que "não está à venda". Por muito tempo e com veemência recusou-se a ingressar no kolkhoz administrativo da chamada literatura "proletária" de Averbaj. Daí suas repetidas tentativas de criar, sob a bandeira do LEF, uma ordem de furiosos cruzados da revolução proletária que a serviriam com consciência e não por medo. Mas o LEF, é claro, foi impotente para impor seus ritmos em “150 milhões”: a dinâmica de vazante e fluxo da revolução é muito profunda e pesada. Em janeiro deste ano, Maiakovsky, vencido pela lógica da situação, esforçou-se muito e finalmente ingressou na VAPP (Associação Soviética de Poetas Proletários) dois ou três meses antes de se suicidar. Mas isso não acrescentou nada a ele, e é bastante provável que tenha tirado algo dele.
A união burocraticamente forçada e ideologicamente destituída dos poetas proletários, baseada em uma série de pequenos pogroms contra ninhos literários vivos e genuinamente revolucionários, aparentemente não proporcionou nenhuma unidade moral, pois, em face da saída do maior poeta do Soviete União, eles responderam com perplexidade não oficial: "não tem nada a ver com isso." É muito pouco, muito pouco para construir uma nova cultura "no menor tempo".
Maiakovsky não se tornou e não poderia se tornar o pai da "literatura proletária", pela mesma razão que o socialismo não pode ser construído em um país. Mas, nas batalhas da era de transição, ele foi o mais viril combatente do mundo e se tornou um dos indiscutíveis precursores da literatura da nova sociedade.
[1N] Alexander Blok (Александр Александрович Блок), (16 de novembro de 1880 - 7 de agosto de 1921), foi provavelmente o mais talentoso poeta lírico que a Rússia produziu após Alexander Pushkin. Trotsky em sua obra "Literatura e Revolução" afirmou que: "Na verdade, Blok não é um dos nossos, mas ele caminhou em nossa direção. E, ao fazer isso, ele falhou. Mas, o resultado desse seu impulso produziu a obra mais significativa de nossa época. Seu poema "Os Doze" permanecerá para sempre.
[1*] Trata-se do Secretário-Geral do Partido, isto é, de Stalin.
[2*] Trotsky, opondo-se a Stalin, sustentava que, sendo o socialismo uma ordem econômica internacional, o destino da República Soviética dependeria do curso da revolução na Europa, nos países mais adiantados.
[2N] Gladkov, Feodor Vasilyevich (1883 1958): autor russo.
[3N] Leopold Averbach (1903-193?): crítico literário, foi uma figura destacada da Associação Russa de Escritores Proletários (AREP) até 1932, quando se denunciou o averbachismo e a AREP foi substituída pela União de Escritores Soviéticos. Ironicamente, foi vítima dos expurgos acusado de "trotskista.
[4N ] Belinsky, Vissarion (1811-1848): Crítico literário russo.