sábado, 24 de outubro de 2020

UMA ALIANÇA MILITAR CHINA E RÚSSIA PARA ENFRENTAR A OFENSIVA IMPERIALISTA IANQUE: DESEJO OU REALIDADE OBJETIVA?

Em recente conferência internacional, chamada de “Clube de Valdái” realizada em Moscou, Vladimir Putin afirmou que é: “Bastante possível imaginar um pacto de defesa completo entre Moscou e Pequim num futuro próximo. Um tal acordo transformaria o equilíbrio geopolítico, e seria uma grande dor de cabeça para os EUA e a OTAN”. O “sonho” de estabelecer um pacto militar entre as duas potências mundiais é algo antigo, colocaria a força bélica do imperialismo ianque em um nível inferior ao do pacto binacional, porém como a guerra é uma extensão da política e da própria luta de classes, os antigos interesses burocráticos dos stalinistas soviéticos e chineses falou mais alto, acabando no sentido inverso, ou seja colocou a URSS e China em campos militares opostos. 

Há 70 anos atrás, Stalin e Mao se encontraram em Moscou para criar o tratado Sino-Soviético que teve curta duração. Com a Revolução Socialista da China ainda fresca, Pequim voltou-se para a União Soviética para obter apoio económico e militar para assegurar a manutenção do seu novo Estado Operário. Em tese, no auge da Guerra Fria, ideologicamente  as duas potências tinham um inimigo comum: o imperialismo dos Estados Unidos e os seus aliados, porém Mao Tsé-Tung em sua guinada da “Revolução Cultural” orientou a China a uma ácida crítica ao revisionismo da URSS, já com Stalin morto, fechando as portas para qualquer tipo de aproximação com a burocracia de Moscou. Mas supreendentemente, na senda oposta, selou acordos militares com o governo ianque, isso em plena guerra do Vietnã, quando Mao recebeu o presidente Nixon para firmar um acordo militar justamente contra Moscou. 

A história pode estar prestes a querer corrigir os rumos divergentes das burocracias stalinistas da antiga URSS e da China, só que agora com outros agentes estatais. A antiga URSS destruída por uma contrarrevolução capitalista deu lugar a atual Rússia, um Estado burguês controlado por uma oligarquia nacionalista, e com fortes fricções políticas e militares em relação ao imperialismo ianque. Na China, poucos resquícios políticos do Maoísmo existem no regime híbrido vigente, porém vários e profundos traços da economia planificada do antigo Estado Operário ainda estão presentes nos dias atuais do gigante asiático, que atravessa sérias contradições internas diante da abertura de uma nova conjuntura mundial. Seguir os vínculos econômicos com as corporações financeiras dos EUA, que sem dúvida alguma permitiram um impulso ao seu espetacular crescimento econômico nos últimos 30 anos, ou assumir uma linha anti-imperialista, realizando uma inflexão a Moscou? Essa parece ser a atual grande disjuntiva do governo “socialista” do Partido Comunista Chinês, liderado hoje pela ala considerada mais a “esquerda” de Xi Jinping. 

O Presidente Vladimir Putin, busca insistentemente uma aproximação com Xi, por razões que vão desde a economia ao terreno militar. Putin comentou que não podia descartar uma potencial aliança militar entre Moscou e Pequim para fazer frente a um possível ataque dos EUA, principalmente se saem vitoriosos nestas eleições de novembro, os Democratas. Embora tenha observado que tal ligação não era atualmente imprescindível a Rússia, Putin observou que: “teoricamente, é perfeitamente possível imaginá-la, e que sem qualquer dúvida, a nossa cooperação com a China está a reforçar a capacidade de defesa do exército chinês”. O desenvolvimento da indústria bélica se encontra em um patamar muito avançado hoje na Rússia, uma herança bem “nutrida” e estendida da antiga URSS. A Rússia detém o monopólio da tecnologia dos mísseis e jatos hipersônicos, enquanto os EUA recém engatinham nesta área fundamental em caso de um conflito militar não atômico, Moscou já possui uma bateria de defesa anti-hipersônica em suas fronteiras. Também seus submarinos nucleares são os únicos no planeta que poderão disparar mísseis hipersônicos transcontinentais, inclusive navegando submersos em calotas polares. A China adquiriu na última década um grande lote de avançados equipamentos militares de Moscou, enquanto desenvolve rapidamente sua própria tecnologia bélica de ponta, embora ainda esteja bem atrás da Rússia e dos EUA neste segmento. 

Sem dúvida, os laços estratégicos da China com a Rússia estão cada vez  mais fortes, se comparados a algumas décadas atrás, embora não estejam politicamente de acordo com absolutamente tudo, principalmente no que se trata de economia global. A consequência pragmática de uma possível aliança entre Putin e Xi Jinping, em última instância, é do tipo: os dois países estão novamente unidos pela premissa de “O inimigo do meu inimigo é meu amigo”...O atual “ponto de viragem” para a crescente aproximação estratégica entre Pequim e Moscou teve início em 2014. Diante da crise ucraniana e as sanções ocidentais, Putin voltou-se para a China para diversificar a estratégia econômica russa, assinando vários acordos de gasodutos históricos que viram a Federação Russa aprofundar o seu papel no fornecimento de energia à China. Por sua vez, este período também viu a Rússia tornar-se uma componente fulcral da iniciativa da “Nova Rota da Seda”, permitindo que o investimento chinês ligasse a Eurásia a desenvolvimentos infra-estruturais ambiciosos, incluindo a construção de estradas e caminhos-de estradas-de-ferro através do território russo que permitiram à China estabelecer rotas terrestres diretas para as nações europeias. Na medida que esta relação econômica se intensificou, o mesmo aconteceu com a relação militar entre os dois países. 

Mas que impacto político teria o estreitamento da aliança entre Putin e o PCC no Ocidente? Um acordo formal militar acabaria por colocar grandes problemas aos EUA, somado ao seu bloco de aliados, principalmente ao Japão e Europa. Em primeiro lugar, no nordeste asiático em torno da península coreana e do Japão, uma parceria Rússia-China alteraria o equilíbrio de forças de forma abrangente, especialmente em termos de poder aéreo e naval. A inclusão da Rússia nas disputas do Mar da China Meridional iria também expandir o domínio de Pequim em toda a região, particularmente no ar, caso a China oferecesse acesso às bases nesta região. Da mesma forma, a adição de capacidades chinesas na Europa também colocaria novos desafios à OTAN. O emparelhamento poderia também virar o equilíbrio das forças nucleares no mundo contra os EUA, que isoladamente ainda detém o maior número de ogivas. 

É claro que um possível acordo sólido e estável ainda é hipotético, mas o horizonte de tensão e crise mundial empurram objetivamente os dois regimes para uma unidade.Os dois países têm interesses crescentes, sendo provável que primeiro intensifiquem a sua cooperação econômica e tecnológica. A Rússia está fornecendo um bastião para Huawei enquanto os EUA tentam forçá-la a sair dos mercados ocidentais. A possibilidade de um envolvimento da China na frente militar da OTAN, na Europa iria “azedar” ainda mais as suas tentativas de melhorar as relações comerciais e de investimento com a União Europeia. Outro problema bem delicado na relação entre Rússia e China é como lidar com a questão da Índia, que tem sido o principal ponto de fricção militar chinesa no momento, é notório o apoio logístico de Putin aos hindus. 

Enfim muito além das questões geopolíticas, que envolvem um conjunto de elementos da guerra híbrida impulsionada pelo imperialismo ianque(comum as duas cabeças da hidra) contra os povos, reside os fortes vínculos econômicos da burocracia chinesa com as corporações industriais e financeiras da governança global do império do capital. Estaria aberta uma janela de possibilidades do Partido Comunista chinês, sob a liderança de Xi Jing, realizar uma guinada à esquerda e sob pressão romper com as corporações financeiras imperialistas? A história da luta de classes já demonstrou todos os limites das direções nacionalistas e restauracionistas em avançar na direção de um genuíno programa socialista, entretanto a mesma história já revelou que sob intensa pressão da luta de classes mundial, estas mesmas direções podem ir mais além do que se propõe programaticamente. Como nos ensinou Trotsky, deixemos que a classe operária se imponha na crise mundial capitalista, dando a última palavra na história!