100 ANOS DO PARTIDO COMUNISTA CHINÊS: DE “TIMONEIRO” DA REVOLUÇÃO SOCIAL A GERENTE DA RESTAURAÇÃO CAPITALISTA
Nesse mês de julho, o Partido Comunista Chinês (PCC) completa 100 anos, com grandes atos promovidos pela burocracia restauracionista sob o comando de Xi Jining, Secretário-Geral do partido. A China é um ex-Estado Operário burocratizado que transita ordenadamente ao capitalismo e vem se convertendo em uma poderosa semicolônia, porque as bases econômicas do desenvolvimento chinês se apoiam em relações de produção capitalistas onde a burocracia restauracionista cada vez mais assume o papel de sócia subordinada do capital financeiro internacional.
Na medida em que na China está em curso um processo de acumulação primitiva de capital para forjar a nova burguesia, a Casa Branca e o imperialismo europeu buscam incentivar no curso dessa transição divisões políticas que lhes favoreçam. Historicamente, o imperialismo tem recorrido a vários meios políticos e militares para impor seu controle nos países que consideram adversários ou desejam fragilizar.
As
manifestações pela “autonomia total” de Hong Kong, pela independência no Tibet
para “recriar” uma classe dominante baseada na dinastia lamaísta e as
tentativas de patrocinar, desde o governo Clinton, o separatismo islâmico e
muçulmano em algumas províncias chinesas via patrocínio da CIA às atividades da
Al Qaeda na região são parte dessa estratégia que até agora tem fracassado pela
unidade da burocracia em sua “via chinesa ao capitalismo”
A FUNDAÇÃO DO PCC
A fundação do PCC ocorreu em julho de 1921, sob a liderança de Chen Duxiu e Li Dazhao, foi baseada no socialismo internacionalista. Apesar de seus números pequenos, o PCC obteve forças de seu programa e do prestígio da Revolução de Outubro, crescendo rapidamente.
O PCC prontamente abraçou as
táticas elaboradas pelo Segundo e Terceiro congressos da nova Internacional
Comunista, ou Comintern, no sentido de lutar pela direção dos movimentos de liberação
nacional que emergiam. No Segundo Congresso, Lenin conclamou os jovens partidos
comunistas dos países coloniais à participação ativa nos movimentos nacionais
de liberação que surgiam, mas levantou especificamente a “necessidade da luta
determinada contra a tentativa de pintar as modas democrático-burguesas de
liberação em cores comunistas; a Internacional Comunista precisa apoiar os
movimentos democrático-burgueses nacionais em países coloniais e atrasados
somente com a condição de que, em todos os países atrasados, os elementos dos
futuros partidos proletários, partidos comunistas não apenas em nome, sejam
agrupados entre si e educados na apreciação de suas tarefas especiais, ou seja,
lutar contra os movimentos democrático-burgueses dentro de suas próprias
nações; a Internacional Comunista precisa entrar em uma aliança temporária com
a democracia burguesa em países coloniais e atrasados, mas não pode se fundir
com ela e precisa sob todas as circunstâncias assegurar a independência do
movimento proletário mesmo em sua forma mais rudimentar... (Lenin On the
National and Colonial Questions: Three Articles, Foreign Language Press,
Pequim, 1975, p. 27).
Com a derrocada da revolução alemã em 1923 e a morte de
Lenin em 1924, o eixo político essencial delimitado por Lenin foi abandonado.
Em nome da oposição ao “trotskismo”, uma seção conservadora da liderança
bolchevique encabeçada por Stalin rejeitou as lições básicas de 1917. Em vez de
encorajar uma ruptura revolucionária na China, essa direção procurou estabelecer
relações com a chamada facção “democrática” da burguesia chinesa, para reverter
a pressão do imperialismo britânico e japonês no extremo leste.
O SURGIMENTO DA OPOSIÇÃO TROTSKYSTA
A questão fundamental estava no balanço do beco sem saída a
que a falta de independência política da classe operária tinha levado antes e
durante a revolução. E por isso, a conclusão só poderia ser uma: a aplicação
rigorosa das conclusões da revolução russa de 1917, adaptadas ao terreno
chinês. Essa conclusão levou imediatamente a que Chen Duxiu e Peng Shuzi começassem,
por conta própria, a aproximar-se das conclusões que Trotski iria tirar do
mesmo processo. Quando na sequência do processo, em 1928, os comunistas dessa
ala esquerda chegam a conhecer o balanço que o fundador do Exército Vermelho
(Trotski) estava fazendo de toda a política levada a cabo na China, a
identificação foi imediata. Assim, o nome de Chen Duxiu, que estava associado
ao que de mais progressistas havia na intelectualidade chinesa pré-marxista,
depois à fundação do marxismo e do partido comunista na China, agora se ligava,
e seguindo suas próprias conclusões políticas e teóricas, ao que de melhor
restava dessa tradição após a reação stalinista na URSS: a oposição de esquerda
dirigida por Leon Trotsky.
Em 1930, Trotsky fez o seguinte apelo: “Um estudo da
revolução chinesa é assunto de enorme importância e urgência para todo
comunista e trabalhador avançado. Não é possível falar seriamente sobre a luta
internacinal do proletariado pelo poder sem o estudo, pela vanguarda
proletária, dos eventos fundamentais, forças-motrizes e métodos estratégicos da
revolução chinesa. Não é possível compreender o que é o dia sem compreender o
que é a noite; não é possível compreender o que é o verão sem haver
experimentado o inverno. Da mesma maneira, não é possível compreender o
significado dos métodos do levante de outubro sem um estudo da catástrofe
chinesa” (Leon Trotsky on China, Monad Press, Nova Iorque, 1978, p. 475).
A perspectiva da revolução chinesa estava no coração da luta
de Trotsky contra a burocracia stalinista. Nesta luta, sua teoria da Revolução
Permanente foi submetida a um gigantesco teste, ela segunda vez. Com o apoio do
aparato burocrático soviético, Stalin prevaleceu, levando à traição de uma das
mais promissoras oportunidades revolucionárias desde 1917. A derrota na China
foi um golpe decisivo contra a Oposição de Esquerda. Ao final de 1927, Trotsky
foi expulso do Partido Comunista da União Soviética e, em seguida, da URSS.
Trotsky exigiu a independência política da classe
trabalhadora; Stalin forçou os Comunistas Chineses a se tornarem serviçais do
Kuomintang. Trotsky chamou a construção de Sovietes como organismos de poder
dos trabalhadores e camponeses; Stalin considerou o próprio KMT um tipo de
regime revolucionário democrático. Trotsky avisou os trabalhadores chineses
sobre o perigo iminente de ambas as alas de direita e esquerda do KMT. Stalin
primeiro capitulou para todo o KMT e, então, depois que Chiang Kai-shek
massacrou os trabalhadores de Xangai em abril de 1927, ordenou aos Comunistas
que se voltassem à liderança de “esquerda” do KMT, sob Wang Ching-wei, em
Wuhan—apenas para vê-los liquidados em um banho de sangue três meses depois.
AS ORIGENS DA REVOLUÇÃO CHINESA
Embora a primeira revolução socialista, a Revolução Russa,
tenha ocorrido em outubro de 1917, sua preparação teórica dentro do movimento
marxista levou décadas. Na China não houve um desenvolvimento prolongado como o
ocorrido na Rússia. Assim como o surgimento da classe trabalhadora chinesa foi
produto da direta importação de capital estrangeiro e equipamento industrial
para um país semi-colonial atrasado, o desenvolvimento do movimento marxista
chinês foi extensão direta da Revolução Russa, pulando por cima de séculos de
pensamento social ocidental e de tradição social-democrata. A experiência da
Revolução de Outubro foi fundamental para a China, por possuir características
muito similares de desenvolvimento histórico e social. Ambos os países lutavam
para subjugar o campo e possuíam questões democráticas não resolvidas, com um
pequeno, mas rápido, desenvolvimento da classe trabalhadora.
A grande tragédia da revolução chinesa se deu porque a
autoridade monumental da Revolução Russa foi utilizada, sob a liderança de
Stalin, para defender uma política oportunista, baseada na teoria menchevique
dos “dois estágios”.
A teoria da Revolução Permanente, afirmada num sentido
positivo pela Revolução Russa, também foi afirmada—embora em um sentido trágico
e negativo—pelas derrotas sofridas na revolucão chinesa.
A principal questão sobre a revolução chinesa é muito
similar à que havia emergido na Rússia. Diante das divisões criadas pelos
senhores-guerreiros e potências imperialistas; das reformas agrárias para
centenas de milhões de camponeses pobres, famintos por terra e por um fim às barbaridades
da exploração semi-feudal, a China enfrentava a tarefa urgente da unificação
nacional e da independência. Mas, a burguesia chinesa se provou ainda mais
venal que sua contraparte russa—era dependente do imperialismo, incapaz de
integrar a nação, organicamente amarrada aos latifundiários e usurários rurais
e, assim, impossibilitada de levar adiante a reforma agrária. Acima de tudo, a
burguesia chinesa temia profundamente a jovem e combativa classe trabalhadora
do país.
Como na Rússia, a ascensão da indústria chinesa dependeu do
capital internacional. Entre 1902 e 1914, o investimento estrangeiro na China
dobrou. Nos 15 anos seguintes, o capital estrangeiro dobrou novamente,
totalizando 3,3 bilhões de dólares e predominando nas principais indústrias chinesas,
particularmente a têxtil, a ferroviária e a portuária. Em 1916, havia 1 milhão
de trabalhadores industriais na China; em 1922, o número era duas vezes maior.
Esses trabalhadores estavam concentrados em uns poucos centros industriais como
Xangai e Wuhan. Dezenas de milhões de semi-proletários—artesãos, lojistas,
escriturários e os pobres urbanos—compartilhavam aspirações sociais com a
classe trabalhadora.
Apesar de fisicamente pequeno—alguns milhões em uma
população de 400 milhões—o proletariado chinês era impulsionado pelas
contradições mundiais do capitalismo a assumir um papel de vanguarda nas lutas
revolucionárias do começo do século XX. O fracasso da primeira revolução
chinesa em 1911, sob a liderança de Sun Yat-sen, demonstrou que a burguesia chinesa
era absolutamente incapaz de completar suas próprias tarefas históricas.
Sun Yat-sen começou a ganhar apoio na década de 1890, depois
que a dinastia Manchu rejeitou os apelos pelo estabelecimento de uma monarquia
constitucional. Inspirado pelas revoluções burguesas clássicas da França e
América, Sun advogou os “Três Princípios do Povo”—a derrubada do sistema
imperial, a instituição de uma república democrática e a nacionalização da
terra. Não fez, porém, qualquer tentativa de construir um movimento político de
massas e de um modo geral se limitou a atividades conspiratórias: pequenos
golpes armados ou ações terroristas contra oficiais dos Manchu.
A assim chamada “revolução” de 1911 significou um simplês
peteleco, que derrubou uma estrutura amplamente apodrecida. Financeiramente, o
governo imperial estava à beira da falência após décadas de pilhagem pelas
potências estrangeiras. Politicamente, a corte dos Manchu estava completamente
desacreditada após a anexação pelas potências imperialistas de territórios
chineses na forma de colônias, como Hong Kong e Taiwan, ou na forma de
“concessões” em cidades portuárias, onde tropas estrangeiras, polícia e sistema
legal dominavam o poder político. Em 1900, a dinastia Manchu, moribunda,
precisou confiar em tropas estrangeiras para pôr abaixo a Rebelião Boxer, um
amplo levante anti-colonial pelos camponeses e pobres urbanos.
Quando a dinastia Manchu finalmente prometeu a reforma
constitucional, já era tarde demais. Seções significativas da burguesia,
burocracia e exército chineses haviam se voltado na direção de Sun Yat-sen. Em
10 de outubro de 1911, milhares de soldados em Wuchang, na província de Hubei,
ensaiaram uma rebelião e proclamaram a república. A revolta rapidamente se
espalhou por todas as províncias chinesas, mas a falta de qualquer movimento de
massas genuíno deixou intactos os interesses velados. O resultado foi uma
“República da China” levemente federada, com Sun ocupando o cargo de presidente
provisório.
Essa nova república, porém, estava de fato nas mãos do velho
aparato burocrático-militar, que se opunha a qualquer tentativa de dar terras
ao campesinato. Sun rapidamente se comprometeu com essas forças reacionárias,
querendo apenas reconhecimento internacional para a república chinesa. Mas as
potências imperialistas exigiram que Sun entregasse a presidência ao último
primeiro ministro da dinastia Manchu, Yuan Shikai, considerado pelas grandes
potências um governante mais confiável—alguém com quem se podia contar para
manter a China no estado de país semi-colonial. Depois que Yuan se tornou
presidente, deu as costas a Sun e seu KMT, ou partido Nacionalista, jogou fora
a constituição e dissolveu o parlamento. Em 1915, com o apoio do Japão, Yuan se
autoproclamou imperador. Sua curta tentativa de restaurar o sistema imperial
apenas terminou com revoltas dirigidas por generais do sul da China que
apoiavam a república. Yuan foi forçado a renunciar e morreu pouco tempo depois.
Embora a república chinesa ainda existisse nominalmente, foi
fragmentada por senhores-guerreiros rivais, cada um apoiado por diferentes
potências imperialistas. O KMT sobreviveu no sul da China, em Guangzhou
(Cantão), com o suporte de generais locais. Sun apelou aos senhores guerreiros
menores, pedindo que desafiassem os maiores e unificassem o país, mas ninguém
respondeu a seu chamado.
O MOVIMENTO DE 4 DE MARÇO E A REVOLUÇÃO RUSSA
O fracasso de 1911 impactou profundamente certas camadas da
intelectualidade chinesa. Chen Duxiu, fundador do Partido Comunista e do
movimento trotskista chinês, foi pioneiro na busca por novos horizontes
intelectuais. Essa foi uma era extraordinária, que viu a rápida politização de
muitos jovens, que começaram a participar ativamente em lutas ideológicas,
culturais e políticas de enorme amplitude, impulsionadas pela ambição de mudar
o curso da história. A revista de Chen, a Nova Juventude, mais tarde se tornou
o órgão oficial do Partido Comunista. Chen atraiu um grande número de
estudantes, que o viam como um guerreiro incorruptível contra a influência
reacionária do confucianismo. Assumiu a iniciativa radical de introduzir a
literatura e a filosofia ocidentais a esses jovens chineses.
Os motores políticos decisivos vieram dos acontecimentos
internacionais. A deflagração da Primeira Guerra Mundial em 1914, apesar de ter
se dado principalmente na Europa, teve um grande impacto sobre a China, assim
como a vitória da Revolução Russa em 1917, com suas implicações monumentais. Li
Dazhao, co-fundador do PCC, foi o primeiro a introduzir o marxismo na China. Um
dos primeiros ensaios marxistas da China foi seu “The Victory of Bolshevism” [A
Vitória do Bolchevismo], escrito em 1918 e largamente inspirado na obra de
Trotsky, A Guerra e a Internacional.
Li argumentou que a Primeira Guerra Mundial marcou o início
da “luta de classes... Entre as massas proletárias do mundo e os capitalistas
do mundo”. A revolução bolchevique era apenas o primeiro passo na “destruição
das fronteiras nacionais atualmente existentes, que são barreiras ao
socialismo, e da destruição do sistema de produção capitalista de monopólio e
lucro”. Li saudou a revolução de outubro como “a nova maré do século XX”, o que
logo foi confirmado pelos eventos na China. (Li Ta-chao and the Origins of
Chinese Marxism, Maurice Meisner, Harvard University Press, 1967, p. 68)
Sob pressão das potências aliadas, a China declarou guerra
contra a Alemanha e, formalmente, foi parte do campo vitorioso. Mas, na
barganha da Conferência de Versalhes em maio de 1919, as potências
imperialistas novamente pisaram na soberania chinesa, entregando ao Japão as
concessões coloniais alemãs em Shandong.
As ilusões populares na “democracia” anglo-americana foram
absolutamente despedaçadas. Houve um reconhecimento geral entre estudantes e
trabalhadores de que os campos rivais na Primeira Guerra lutaram pela dominação
global e pelos interesses de suas próprias classes capitalistas.
Independentemente de quem ganhasse, a exploração imperialista da China e outros
países coloniais não cessaria. A vitória da classe trabalhadora russa, por
outro lado, abria uma nova perspectiva para as massas chinesas.
JUNTANDO-SE AO BURGUÊS KUOMINTANG (KMT)
De início, a política do PCC de formação de uma aliança
temporária com o Kuomintang foi baseada na manutenção da independência dos dois
partidos, cada um com sua própria organização. Mas, em agosto de 1922, a
liderança do Comintern ordenou que os membros do PCC se juntassem,
individualmente, ao KMT.
O PCC foi contra tal decisão, mas suas objeções foram
suprimidas pela liderança do Comintern sob Zinoviev. Zinoviev justificou a
decisão na base de que o liberal-democrático KMT era o “único grupo
nacional-revolucionário sério” da China. O movimento independente da classe
trabalhadora ainda era fraco, logo, o pequeno PCC deveria entrar no KMT para
expandir sua influência.
Muitos anos depois, em novembro de 1937, Trotsky escreveu a
Harold Isaacs: “A entrada em si em 1922 não foi um crime, e possivelmente nem
mesmo um erro, especialmente no sul, assumindo que o Kuomintang nessa época
possuía um número de trabalhadores e o jovem partido Comunista era fraco e
composto quase totalmente de intelectuais... Nesse caso, a entrada teria sido
um passo episódico na direção de um partido independente, passo análogo à sua
entrada no Partido Socialista. A questão é: qual era a finalidade deles ao
entrar e qual foi a política subseqüente?” (The Bolsheviks and the Chinese
Revolution 1919-1927, Alexander Pantrov, Curzon Press 2000, p. 106).
A III INTERNACIONAL SOB O CONTROLE DE STÁLIN EM AÇÃO NA CHINA
Enquanto Stalin assumia o controle do Comintern, defendia a
entrada do PCC no KMT cada vez mais não como um passo na construção de um
partido de massas independente, mas como uma política de longo-prazo, com o
objetivo de assegurar uma revolução democrático-burguesa na China. Aos olhos de
Stalin, a significância do KMT superava largamente aquela da seção chinesa do
Comintern. Em 1917, tal ponto de vista teria sido denunciado pelos bolcheviques
como uma capitulação política em favor da burguesia. Mas, agora, Stalin estava
impondo sua política sobre a China, afirmando que representava a continuidade
do leninismo e a herança da Revolução de Outubro.
Após o Terceiro Congresso do Comintern, o PCC formalmente
convocou todos os membros do partido a juntarem-se ao KMT e praticamente
abandonou sua própria atividade independente. Quando o Comintern despachou
Mikhail Borodin como seu novo delegado para a China, este agiu como um
conselheiro para o KMT, que foi reestruturado de cima à baixo segundo linhas organizacionais
“bolcheviques”. Dez membros líderes do PCC foram colocados no Comitê Executivo
Central do KMT, cerca de um quarto do total. Os quadros comunistas
frequentemente assumiam aspectos do trabalho do KMT.
O aparato militar do KMT foi produto direto da política do
Comintern. Até estabelecer seu “Exército Revolucionário Nacional” em 1924, Sun
Yat-sen possuía apenas 150-200 guardas leais—em comparação aos 200.000-300.000
soldados controlados por cada um dos senhores guerreiros no norte. A dependência
de Sun quanto aos generais do sul se tornou óbvia em 1922, quando foi forçado a
fugir para Xangai após uma tentativa de golpe local. Só então, Sun pediu ajuda
à Moscou.
A Academia Militar de Whampoa, em Guangzhou—a base sobre a
qual Chiang Kai-shek mais tarde subiu ao poder—foi estabelecida com a
assistência de conselheiros soviéticos. Sem a ajuda militar soviética e a
habilidade do PCC para mobilizar trabalhadores e camponeses, a construção de um
exército do KMT, capaz de derrotar os poderosos senhores guerreiros, seria
completamente impensável.
A EXPLOSÃO REVOLUCIONÁRIA
Um jovem membro do PCC [Partido Comunista Chinês], Peng Shuzi, que havia voltado de Moscou em 1924 e mais tarde se tornaria um líder no movimento trotskista chinês, demandava fortemente, junto a outros membros da ala esquerda do partido, uma política mais crítica em relação ao KMT. Ele se opôs diretamente à linha oficial de apoio à burguesia nacional que, unida por curtos laços aos senhores-guerreiros e potências imperialistas, era hostil à classe trabalhadora e incapaz de liderar a revolução nacional-democrática. Peng argumentava que o proletariado deveria tomar a liderança das lutas anti-coloniais.
Tal disputa polêmica teve um impacto significativo. O PCC
reconduziu seu trabalho ao foco de liderar o crescente movimento de massas da
classe trabalhadora, colocando em segundo plano suas atividades no KMT. Quando
o PCC realizou seu Segundo Congresso Nacional do Trabalho no Primeiro de Maio
de 1925, suas organizações representavam 570.000 trabalhadores. Sua influência
crescente agitou uma onda de lutas da classe trabalhadora.
Durante a greve das fábricas de tecido controladas pelo
Japão em Xangai, um trabalhador comunista foi assassinado a tiros, provocando
manifestações anti-imperialistas pela cidade. Em 30 de maio, milhares de
estudantes e trabalhadores protestaram em frente a uma delegacia de polícia em
Xangai para exigir a liberação dos manifestantes que haviam sido presos. A
polícia britânica abriu fogo, matando 12 pessoas e ferindo dezenas.
Aquele evento, que que ficou conhecido como o “Incidente de
30 de Maio”, desencadeou um levante sem precedentes da classe trabalhadora,
marcando o início da Segunda Revolução Chinesa. Ocorreram cerca de 125 greves
envolvendo 400.000 trabalhadores, além de protestos em massa e rebeliões por
todo o país. Três semanas depois, em 23 de junho de 1925, quando trabalhadores
e estudantes protestavam em Guangzhou (Cantão), a polícia anglo-francesa matou
52 pessoas a tiros. Quando souberam do massacre, trabalhadores de Hong Kong
responderam com uma greve geral. Cem mil trabalhadores deixaram Hong Kong e foi
declarado um boicote — sob a direção do Comitê de Greve Cantão-Hong Kong — às
mercadorias britânicas.
Inicialmente, a luta anti-imperialista envolvia “todo o povo”;
não apenas estudantes e trabalhadores, mas também capitalistas chineses. A
burguesia chinesa, porém, logo chocou-se com o espírito de luta e o radicalismo
da classe trabalhadora. Os empresários chineses em Xangai se retiraram
rapidamente, passando à cooperação com as potências imperialistas, contra o
movimento de greve.
Depois da morte de Sun Yat-sen, em março de 1925, a
hostilidade da burguesia chinesa contra a classe trabalhadora se expressou
claramente na ascensão política de Chiang Kai-shek. Filho de um comerciante
rico, Chiang tinha ligações com banqueiros e comerciantes de Xangai. Diferente
de Sun, Chiang Kai-shek não era um intelectual. Havia passado seus anos de
juventude entre os gangsters, assassinos e ladrões de Xangai, que mais tarde se
tornariam sua tropa de choque contra a classe trabalhadora da cidade.
A radicalização da classe trabalhadora forçou a direção do
PCC a repensar suas relações com o KMT. Em outubro de 1925, Chen Duxiu
novamente sugeriu que o PCC saísse do KMT e cooperasse apenas externamente, mas
o Comintern rejeitou a proposta. A clique stalinista queria usar a morte de Sun
para colocar líderes de “esquerda” ou pró-Moscou, como Wang Ching-wei , assim
como Chiang Kai-shek na direção central do KMT.
A POLÍTICA MENCHEVIQUE DE STALIN
Ninguém questionava que as tarefas imediatas da revolução
chinesa eram “nacional-democráticas” ou burguesas em caráter. O problema era:
que classe lideraria a revolução — a burguesia ou o proletariado — e em que
direção — rumo a uma república democrática da burguesia ou a um Estado dos
trabalhadores?
Depois do levante da classe trabalhadora em 1925, Stalin
voltou-se à esquerda, mas baseou-se sistematicamente numa política claramente
menchevique. Em oposição às lições de 1917 na Rússia, ele sustentou a ilusão de
que o partido burguês KMT era um “partido dos trabalhadores e camponeses”,
capaz de dirigir a luta revolucionária. E ainda foi adiante, argumentando que,
em países como a China, a opressão imperialista unia todas as forças
“progressistas” — a burguesia nacional, a intelligentsia pequeno-burguesa, o
campesinato e a classe trabalhadora — num “bloco de quatro classes”.
Como os mencheviques russos, Stalin afirmava que a direção
da “revolução anti-imperialista” pertencia naturalmente à burguesia nacional chinesa.
A China era atrasada demais para construir o socialismo, defendia ele, de modo
que a revolução proletária deveria ser adiada para o futuro indefinido — como
um segundo estágio da revolução. No primeiro estágio, a tarefa dos comunistas
chineses era empurrar o KMT para a esquerda, transformando-o numa “ditadura
democrática do proletariado e campesinato”. Na prática, a perspectiva de Stalin
implicava que os comunistas chineses eram responsáveis por ajudar o KMT a
chegar ao poder e a suprimir a luta da classe trabalhadora pelo poder.
O próprio fato de que o KMT era compelido a aliar-se ao PCC
refletia a fraqueza orgânica da burguesia. O oportunismo de Stalin permitiu que
os líderes do KMT aparecessem às massas como “revolucionários” e “socialistas”
— oportunidade que agarraram com as duas mãos. O Kuomintang foi formalmente
incluído na Sexta Plenária do Comitê Executivo da Internacional Comunista de
fevereiro-março de 1926. Stalin considerou-o seção “simpatizante” do Comintern,
e pôs Chiang Kai-shek no presidium do Comintern, com o cargo de presidente
“honorário”.
Os líderes do KMT apareciam como revolucionários
precisamente por causa da força do apelo do PCC. Em 1920, o PCC consistia
principalmente de um pequeno círculo de intelectuais; em 1927, o partido dirigiu
um movimento de quase 3 milhões de trabalhadores da indústria, mineração e
ferrovias — a vasta maioria do pequeno mas concentrado proletariado chinês. Em
1922, o PCC possuía apenas 130 membros. Cinco anos depois, o partido, incluindo
seu movimento de juventude, a Liga da Juventude Comunista, contabilizava
100.000 membros. Em 1923, quando o PCC começou a construir associações
camponesas, reunia somente 100.000 camponeses de Cantão; em junho de 1927, o
número alcançava 13 milhões nas províncias de Hunan e Hubei. Além disso,
dezenas de milhares de soldados eram simpáticos ao movimento revolucionário.
Mas o partido manteve uma política conservadora que tinha como objetivo conter
essas massas radicalizadas, para manter a aliança com a burguesia liberal.
A vinculação total do PCC ao KMT efetivada por Stalin deixou
o partido totalmente vulnerável à inevitável virada do KMT contra o movimento
revolucionário. Em 20 de março de 1926, Chiang repentinamente iniciou um golpe
para aumentar seu domínio sobre o KMT. Não só passou por cima da chamada
liderança de “esquerda” do KMT, como também prendeu 50 comunistas proeminentes
e colocou todos os conselheiros soviéticos em prisão domiciliar. Desarmou o
Comitê de Greve Cantão-Hong Kong e se estabeleceu, efetivamente, como ditador
militar em Cantão.
Trotsky assinala que “o Kuomintang na China, o PRM no
México, e o APRA no Peru são organizações totalmente análogas. É a frente
popular em forma de partido. Corretamente apreciada, a frente popular não tem
na América Latina um caráter tão reacionário como na França ou na Espanha. Tem
duas facetas. Pode ter um conteúdo reacionário na medida em que está dirigida
contra os operários, pode ter um caráter progressivo na medida em que está
dirigida contra o imperialismo. Apreciando a frente popular na América Latina
sob a forma de um partido político nacional, fazemos uma distinção em relação a
França e a Espanha. Mas esta diferença histórica de apreciação e esta diferença
de atitude só estão permitidas com a condição que nossa organização não
participe do APRA, Kuomintang e o PRM, que conserve uma total liberdade de ação
e crítica absoluta” (Discusión sobre America Latina, 04/11/1938). E mais
adiante assinala, que o APRA “é um partido-frente popular. Uma frente popular
está incluída no partido, com toda combinação desta natureza. A direção está
nas mãos da burguesia e a burguesia teme seus próprios operários. Por este
partido, ainda que seja suficientemente forte para tomar o poder pela
revolução, tem medo de comprometer-se nesta via. Não tem nem a coragem nem o
interesse de classe para mobilizar os camponeses e os operários e os
substituirá por manobras militares (...) Por suposto, não podemos entrar em um
partido assim, mas podemos construir ali um núcleo para ganhar operários e separá-los
da burguesia. Mas sob nenhuma circunstância devemos repetir a idiotice de
Stalin com o Kuomintang na China” (idem).
Após uma reação inicial de choque e confusão, Stalin
rapidamente decidiu manter a mesma política. Novamente se opôs a uma iniciativa
do PCC de deixar o KMT. Nos jornais dos Soviets e do Comintern, todas as
notícias sobre o golpe de Chiang foram encobertas ou desconsideradas como
propaganda imperialista. Stalin aceitou as medidas hostis de Chiang,
restringindo o número de membros do PCC em qualquer comitê do KMT a não mais
que um terço da composição total.
Mesmo quando Chiang já demonstrava abertamente suas
intenções contra-revolucionárias, Stalin apoiou com entusiasmo seu plano
militar de lançamento da Expedição do Norte contra os senhores-guerreiros. Em
nome da assistência aos esforços de guerra do KMT, a greve de 16 meses de
Cantão-Hong Kong, que fez tremer o imperialismo britânico, foi encerrada.
Qualquer luta independente por trabalhadores e camponeses foi banida.
Trotsky lançou um combate sistemático contra a política de
Stalin para a China. Em setembro de 1926, Trotsky concluiu que o PCC deveria
imediatamente deixar o KMT. “O movimento para a esquerda das massas de
trabalhadores chineses,” disse ele, “é um fato tão certo quando o movimento
para a direita da burguesia chinesa. À medida em que o Kuomintang baseou-se na
união política e organizacional entre trabalhadores e burguesia, agora ele é
despedaçado pelas tendências centrífugas da luta de classes. Não existem
fórmulas políticas mágicas ou recursos táticos inteligentes para contrabalançar
essas tendências, e nem poderia haver.
“A participação do PCC no Kuomintang foi perfeitamente
correta no período em que era apenas uma sociedade de propaganda e se preparava
para a futura atividade política independente e que, ao mesmo tempo, procurava
tomar parte na luta de libertação nacional em andamento. Os últimos dois anos
viram a ascensão de uma poderosa onda de greves entre os trabalhadores
chineses... Este fato, por si só, confronta o PCC com a tarefa de
desenvolver-se, saindo da classe preparatória em que se encontra e avançando
para um patamar mais elevado. Sua tarefa política imediata precisa ser lutar
pela liderança direta e independente da classe trabalhadora que despertou —
não, é claro, para removê-la do quadro da luta nacional-revolucionária, mas
para assegurá-la tanto o papel de combatente mais resoluta, quanto o de líder
política hegemônica, no contexto da luta das massas chinesas” (Leon Trotsky on
China, Monad Press, Nova Iorque, 1978, p. 114).
A análise de Trotsky foi confirmada pelos acontecimentos. Ao
invés de desenvolver uma perspectiva proletária independente, o PCC devotou sua
energia ao apoio da Expedição do Norte contra os senhores-guerreiros,
convocando trabalhadores e camponeses a auxiliar o Exército Revolucionário
Nacional. As massas forneciam informações de inteligência e estabeleciam
unidades de guerrilha para cortar os fluxos de transporte e suprimento dos
oponentes. Sem esse suporte popular e o excepcional heroísmo dos comandantes
comunistas do exército, Chiang Kai-shek não teria alcançado o vale do Rio
Yang-Tsé da maneira que o fez, em menos de quatro meses.
As tensões de classe, porém, estavam prontas para explodir,
pois as vitórias militares do KMT sobre os senhores-guerreiros eram vistas
pelas massas chinesas como o mero início da revolução. Quando as forças
expedicionárias liberaram Hunan, por exemplo, quatro milhões de fazendeiros
encheram as associações camponesas em apenas cinco meses e 500.000
trabalhadores entraram para a Associação Geral do Trabalho, liderada pelo PCC.
EM Wuhan, um grande centro industrial no vale de Yang-Tsé, 300.000
trabalhadores formaram a Associação Geral de Hubei, sob a direção do PCC. Além
disso, o movimento de massas se radicalizava rapidamente. Trabalhadores tomaram
espontaneamente o controle das concessões britânicas em Hankou. O movimento
camponês passou das exigências de aluguéis menores à luta armada com o objetivo
de expulsar os latifundiários.
ABRIL DE 1927: O GOLPE DE XANGAI
Conforme as massas se levantavam, Chiang Kai-shek caminhava
rapidamente em direção ao campo da burguesia, grandes comerciantes e
representantes do imperialismo no leste chinês, buscando suprimir a revolução.
Moscou afirmava que o curso para a direita de Chiang podia ser contrabalançado
pela reconstrução da “esquerda” em torno de Wang Ching-wei na liderança central
do KMT, agora sediada em Wuhan. No entanto, as diferenças entre a esquerda e a
direita do KMT eram puramente táticas. Ambas concordavam em estabelecer um
governo “nacional” burguês. Sua diferenças eram, basicamente, sobre questões de
estratégia militar, divisão do poder e, principalemente, a respeito de quando e
como romper a aliança com o Partido Comunista.
Apesar das afirmativas vazias de Chiang a Stalin de que não
estabeleceria a dominação burguesa na China, tal posição era cada vez mais
inevitável, à medida em que os exércitos do KMT se aproximavam de Xangai — o
centro econômico do país com uma grande e radicalizada classe trabalhadora.
O PCC procurou tomar o controle da cidade antes das tropas
do KMT, mas a política de Stalin de evitar um conflito “prematuro” com Chiang
Kai-shek e manter o “bloco de quatro classes” abalou e estrangulou essa
iniciativa. Os trabalhadores de Xangai tomaram o poder apenas para presenteá-lo
à burguesia e depois enfrentar a fúria das gangues assassinas de ladrões
controladas por Chiang.
Sob a pressão das lutas de massas em ascenso, a direção do
PCC lançou um chamado pela quebra da barreira entre as tarefas nacional-democráticas
e a revolução socialista. O partido convocou a classe trabalhadora a alcançar a
revolução socialista “imediatamente”, “concentrando as ferrovias, portos, minas
e grandes indústrias sob o controle do estado e fazendo a transição em direção
ao socialismo” (History of Sino-Soviet Relations 1917-1991, Shen Zhihua, Xinhua
Press, p. 31).
Hostil a qualquer tentativa do PCC de violar sua teoria dos
“dois estágios”, Stalin fez retroceder a iniciativa revolucionária na segunda
metade de março de 1927, emitindo as seguintes ordens:
1. Nenhuma tomada de controle armada das concessões
estrangeiras em Xangai, para evitar uma intervenção imperialista;
2. Manobrar entre as alas esquerda e direita do KMT, evitar
o confronto com o exército e preservar as forças do PCC;
3. O PCC deve preparar-se para as lutas armadas, mas precisa
esconder suas armas por hora, uma vez que a correlação de forças é desfavorável
à classe trabalhadora.
Essas diretivas serviram para transformar o que era uma
situação revolucionária excepcionalmente favorável num desastre mortal. Em 21
de março de 1927, o PCC organizou uma insurreição armada, apoiada por uma greve
geral de 800.000 trabalhadores de Xangai. A classe trabalhadora esmagou as
forças dos senhores-guerreiros e tomou o controle da cidade, mas não das
concessões estrangeiras. O PCC porém, foi impedido pela política de Stalin de
estabelecer um governo dos trabalhadores, e formou em seu lugar um governo
“provisório” que incluía representantes da burguesia. A principal tarefa desse
governo “provisório” não era levar adiante os interesses dos trabalhadores, mas
dar as boas vindas a Chiang Kai-shek e suas tropas.
Chiang Kai-shek, deliberadamente, permaneceu fora de Xangai por semanas para que os trabalhadores se esgotassem nas batalhas contra os senhores guerreiros, enquanto planejava seu golpe em cooperação com a burguesia, gangsters de Xangai e as potências imperialistas. O complô de Chiang não era segredo para a direção do PCC que concluiu que a classe trabalhadora de Xangai precisava se armar e voltar-se aos soldados simpáticos dentro dos Segundo e Sexto exércitos do KMT.
Em 31 de março, porém, o Comintern, alinhado com a
prescrição de Stalin de evitar o conflito “prematuro”, enviou um telegrama a
Xangai ordenando que o PCC instruísse milhares de trabalhadores a esconder suas
armas. Um líder do P,cc Luo Yinong, denunciou raivosamente a ordem como uma
“política de suicídio”. Ainda assim, o PCC foi compelido a obedecer.
Trotsky e a Oposição de Esquerda enfaticamente alertaram
sobre os perigos e chamaram a construção de Soviets como os necessários órgãos
independentes de poder das massas revolucionárias. Mas, em 5 de abril, num
infame discurso para milhares de quadros do partido no Hall das Colunas em
Moscou, Stalin insistiu que o PCC precisava manter seu bloco com Chiang.
“Chiang Kai-shek se submete à disciplina. O Kuomintang é um
bloco, um tipo de parlamento revolucionário, com a Direita, a Esquerda, e os
Comunistas. Por que fazer um golpe? Por que afastar a Direita quando temos a
maioria e quando a Direita nos escuta? (...) No presente, precisamos da
Direita. Ela tem pessoas capazes, que ainda dirigem o exército e o lideram
contra os imperialistas. Chiang Kai-shek não tem talvez qualquer simpatia pela
revolução mas ele está liderando o exército e não pode fazer outra coisa senão
liderá-lo contra os imperialistas. Além disso, os da Direita têm relações com o
General Chang Tso-lin [o senhor-guerreiro manchuriano] e compreendem muito bem
como desmoralizá-los e induzi-los a passar para o lado da revolução, com mala e
bagagem, sem dar um golpe. Também, eles têm conexões com os comerciantes ricos
e podem levantar dinheiro a partir deles. Por isso, precisam ser utilizados até
o fim, espremidos como um limão, e então jogados fora” (The Tragedy of the Chinese
Revolution, Harold R. Isaacs, Stanford University Press, 1961, p. 162).
Em 12 de abril, apenas uma semana após o discurso de Stalin,
Chiang deu um golpe, enviando gangues de ladrões para destruir a Associação
Geral do Trabalho em Xangai. No dia seguinte, o PCC convocou uma greve de
100.000 trabalhadores, mas Chiang Kai-shek respondeu com tropas e
metralhadoras, massacrando centenas. Durante o reinado do “terror branco” nos
meses seguintes, milhares de trabalhadores comunistas foram assassinados não apenas
em Xangai mas também em outras cidades sob o controle de Chiang.
A VIRADA PARA A ALA “ESQUERDA” DO KMT
Apesar das matanças brutais de Chiang, o PCC manteve
consideráveis reservas em Wuhan, um grande centro industrial, assim como no
movimento camponês de milhões ao longo do Yang-Tsé. Uma política correta
poderia ter derrotado a contra-revolução de Chiang. Stalin, porém, não retirou
qualquer conclusão das lições sangrentas de Xangai. Em seu “Questão da
Revolução Chinesa”, publicado em 21 de abril de 1927, proclamou que sua
política havia sido, e continuava a ser, a “única linha correta”. O massacre de
Chiang, declarou ele, demonstrava apenas que a grande burguesia havia desertado
a revolução.
A ala “de esquerda” do KMT ainda representava, segundo
Stalin, a pequena-burguesia revolucionária, que lideraria a revolução agrária
no “segundo estágio” da revolução. “Significa que, através de uma luta resoluta
contra o militarismo e o imperialismo, o Kuomintang revolucionário em Wuhan se
tornará de fato o órgão de uma ditadura revolucionária-democrática do
proletariado e campesinato...” Ele insistiu então que o PCC deveria manter sua
cooperação próxima com a “esquerda” do KMT, e se opôs às exigências de Trotsky
e da Oposição de Esquerda pela construção de Soviets e pela independência
política do PCC. (On the Opposition, J. V. Stalin, Foreign Language Press,
Pequim, 1974, pp. 663-664)
Respondendo às testes de Stalin, Trotsky submeteu a teoria
do “bloco de quatro classes” a uma crítica violenta. “É um erro grosseiro pensar
que o imperialismo unifica mecanicamente todas as classes da China,
externamente... A luta revolucionária contra o imperialismo não enfraquece, mas
fortalece a diferenciação política das classes,” explicou. “Tudo o que subjuga
as massas oprimidas e exploradas inevitavelmente empurra a burguesia nacional
num bloco aberto com os imperialistas. A luta de classes entre a burguesia e as
massas de trabalhadores e camponeses não é enfraquecida, mas, ao contrário, é
aprofundada pela opressão imperialista, colocando a possiblidade da guerra
civil em todo conflito sério” (Problems of the Chinese Revolution, Leon
Trotsky, New Park Publications, Londres, 1969, p. 5)
Trotsky insistiu que a tarefa mais urgente era estabelecer a
independência política do Partido Comunista em relação à “esquerda” do KMT.
“Precisamente, sua falta de independência é a fonte de todos os males e de
todos os enganos. As teses, em vez de acabarem de uma vez por todas com as
práticas de ontem, propõe retê-las ‘mais do que nunca’. Mas isso significa que
eles querem reter a dependência ideológica, política e organizacional do
partido proletário em relação ao partido da pequena burguesia, que
inevitavelmente é convertido em instrumento da grande burguesia” (ibid., p.
18).
Em 13 de maio de 1927, Stalin defendeu seu “bloco de quatro
classes” perante os estudantes da universidade de Sun Yat-sen, baseada em
Moscou, utilizando um método que só pode ser descrito como uma paródia do
marxismo. “O Kuomintang não é um partido da pequena burguesia ‘comum’. Existem
diferentes tipos de partidos da pequena burguesia. Os mencheviques e os
socialistas revolucionários na Rússia também eram partidos da pequena
burguesia; mas ao mesmo tempo eles eram partidos imperialistas, porque estavam
numa aliança militante com os imperialistas franceses e britânicos... pode se
dizer que o Kuomintang é um partido imperialista? Obviamente não. O Kuomintang
é um partido anti-imperialista, do mesmo modo que a revolução na China é
anti-imperialista. A diferença é fundamental” (On the Opposition, J. V. Stalin,
Foreign Language Press, Pequim, 1974, p. 671).
A ideia absurda de que Chiang Kai-shek era um
“anti-imperialista” porque a revolução chinesa era anti-imperialista foi
refutada não apenas por Trotsky, mas pela própria história. A oposição do KMT a
uma ou outra das grandes potências não constituía uma oposição ao imperialismo
como tal. Os líderes do KMT estavam apenas manobrando entre as potências
imperialistas, enquanto exibiam slogans “anti-imperialistas” para confundir as
massas. Confrontado com a invasão japonesa das décadas de 1930 e 40, por
exemplo, Chiang não hesitou em voltar-se em direção à Grã-Bretanha e aos
Estados Unidos. O líder da “esquerda” do KMT, Wang Ching-wei, foi um passo além
e se tornou o cabeça do regime-marionete do Japão. Deveria ser gravado na
memória de todos que Chiang, que viveu seus últimos dias como o dirigente de
uma desprezada ditadura anti-comunista em Taiwan, brindou certa vez à revolução
socialista em Moscou, ao lado da direção stalinista.
A DERROTA EM WUHAN
Enquanto Stalin saudava o “centro revolucionário” em Wuhan
na Oitava Plenária do Comitê Executivo da Internacional Comunista, um número de
comandantes da “esquerda” do KMT, violando a política oficial do partido, já
estava em greve contra os comunistas, os sindicatos e as associações de
camponeses. Em 17 de maio de 1927, logo antes da plenária, um dos mais
sangrentos atos de repressão ocorreu em Changsha, mas nenhuma menção a isso foi
feita no encontro. No lugar, Stalin denunciou as exigências da Oposição de
Esquerda pela construção de Soviets como entraves à aliança continuada do PCC
com a “esquerda” do KMT. “Será que a Oposição compreende que a criação de
Soviets de delegados operários e camponeses agora é equivalente à criação de um
governo duplo, compartilhado entre os Soviets e o governo de Hankow, e leva
necessária e inevitavelmente à luta pela derrubada do governo de Hankow?”,
defendeu Stálin (A Tragédia da Revolução Chinesa, Harold R. Isaacs,
Universidade de Stanford, 1961, p. 241)
A resposta de Trotsky permaneceu não publicada por um ano.
Com uma séria advertência sobre o que estava por vir, ele repudiou a política
de Stalin e convocou o Comintern a fazer o mesmo. “Nós dizemos aos camponeses
chineses: os líderes da Esquerda do Kuomintang da laia de Wang Ching-wei e
Companhia irão inevitavelmente trai-los se vocês seguirem os dirigentes em
Wuhan em vez de formar seus próprios Soviets independentes... Políticos da laia
de Wang Ching-wei, sob condições difíceis, se unirão dez vezes com Chiang Kai-shek
contra os trabalhadores e camponeses. Sob tais condições, dois Comunistas em um
governo burguês se tornam reféns impotentes, senão uma máscara para a
preparação de mais um golpe contra as massas trabalhadoras... A revolução
burguesa democrática na China irá adiante e será vitoriosa na forma soviética,
ou não será“ (Leon Trotsky on China, Monad Press, Nova Iorque, 1978, pp.
234-235, ênfase no original).
Novamente, os avisos de Trotsky se provaram corretos. Após o
banho de sangue em Xangai, capitalistas e latifundiários na região de Wuhan
perceberam rapidamente o regime de Chiang Kai-shek, buscando apoio. Eles
resistiram às greves dos trabalhadores com o fechamento de fábricas e lojas.
Organizaram deliberadamente saques de bancos e enviaram sua prata para Xangai.
Em áreas rurais, mercantes e agiotas se recusavam a emprestar dinheiro aos
camponeses, tornando-os incapazes de comprar sementes para os meses da
primavera. As potências imperialistas se juntaram ao programa de sabotagem
fechando suas firmas, enquanto especuladores levavam os preços a níveis
insuportáveis. Os colapsos econômicos e o crescente movimento de massas
aterrorizaram Wang Ching-wei, que demandou que os dois ministros comunistas em
seu governo — o da agricultura e o do trabalho — usassem sua influência para
aleviar as ações “excessivas” dos camponeses e trabalhadores.
A política oficial do PCC entrava em conflito direto com o
movimento de massas. Em muitas áreas rurais, associações de camponeses haviam
expulsado os latifundiários e funcionavam como autoridades locais. Em duas
grandes cidades, Wuhan e Changsha, a inflação e falências haviam acertado os
trabalhadores em cheio, compelindo-os a levantar demandas revolucionárias pelo
controle de fábricas e lojas. A reivindicação de Trotsky pela construção de
Soviets era muito coerente. Os Soviets não eram, como Stalin argumentava,
simplesmente um meio para a direção da insurreição armada, mas veículos
democraticamente eleitos através dos quais os trabalhadores, durante o ascenso
revolucionário, poderiam começar a reorganização da vida social e econômica e
defender seus interesses contra a contra-revolução.
Peng Shuzi explicou mais tarde que os sindicatos e
organizações campesinas em Hunan e Hubei tinham uma contagem de membros na casa
dos milhões. “Essa era uma grande força de massas organizada. Se o PCC tivesse
seguido o conselho de Trotsky na época e confiado nessa grande massa
organizada, ao mesmo tempo convocando a organização de soviets dos
trabalhadores-camponeses-soldados para se tornarem a organização revolucionária
central, e, através desses soviets armados levasse adiante a revolução agrária,
dando terra aos camponeses e soldados revolucionários, eles não apenas poderiam
ter aglutinado todas as massas pobres de Huan e Hupeh nos soviets, mas também
poderiam ter destruído imediatamente as bases dos oficiais reacionários e
desestabilizado indiretamente o exército de Chiang. Desse modo, a revolução
poderia ter se desenvolvido da destruição das raízes do poder
contra-revolucionário e avançado pela estrada da ditadura do proletariado“
(Leon Trotsky on China, Monad Press, Nova Iorque, 1978, p. 66, ênfase no
original).
Apesar da glorificação estúpida que fazia da “esquerda” do
KMT, Stalin também percebeu que sua política estava desmoronando. Em 1 de junho
de 1927, emitiu uma ordem ao PCC para que criasse seu próprio exército com
20.000 comunistas e 50.000 trabalhadores e camponeses. Mas revoluções não são
suscetíveis ao falatório burocrático. Como Trotsky apontou, as pré-condições
para a construção de um exército revolucionário eram a consolidação da
autoridade do partido sobre as massas e os meios concretos para cimentar a
aliança entre a classe trabalhadora e o campesinato. Rejeitando a construção de
Soviets, Stalin impediu que o PCC estabelecesse a base necessária para a
criação de seu próprio exército.
Na medida em que se tornava mais óbvia a traição iminente de
Wang Ching-wei, o líder do PCC Chen Duxiu novamente exigia que o partido se
retirasse do KMT. Mas, uma vez mais, o Comintern recusou sua proposição. No
início de julho, Chen raivosamente renunciou ao cargo de secretário-geral do
partido. Seu sucessor, Chu Quibai, imediatamente demonstrou sua lealdade a
Stalin declarando, mesmo nesse momento de vida e morte, que o KMT “está
naturalmente na posição de liderança da revolução nacional”.
No dia 15 de julho, Wang Ching-wei emitiu uma ordem formal
exigindo que todos os comunistas se retirassem do KMT ou enfrentariam punições
severas. Como Chiang, foi Wang que espremeu o PCC “como um limão” e então o
jogou fora, iniciando outra onda, mais brutal ainda, de repressão aos
comunistas e às massas insurgentes.
Segundo relatou um artigo de jornal contemporâneo: “Nos
últimos três meses, a reação se espalhou do baixo Yang-Tsé até se tornar
dominante em todo o território sob o assim chamado controle nacionalista. Tang
Sheng-chih se provou mais eficaz como um comandante de esquadrões de execução
do que de exércitos em batalha. Em Hunan seus generais subordinados levaram
adiante uma limpeza contra os ‘Comunistas’ que Chiang Kai-shek mal pode
igualar. Os métodos usuais de matar à bala e decapitar foram substituídos por
métodos de tortura e mutilação que remetem aos horrores da Idade das Trevas e
da Inquisição. Os resultados são impressionantes. As associações campesinas e
trabalhistas de Hunan, provavelmente as mais eficientemente organizadas de todo
o país, estão completamente esmagadas. Aqueles líderes que não foram queimados
em óleo, e os que não foram enterrados vivos ou vagarosamente estrangulados por
corda fina, fugiram do país ou estão em esconderijos tão secretos que não podem
ser facilmente encontrados...” (The Tragey of the Chinese Revolution, Harold R.
Isaacs, Stanford University Press, 1961, p. 272).
Mesmo assim, Stalin insistiu mais uma vez que suas políticas
haviam sido corretas e pôs a culpa das derrotas sobre a liderança do PCC particularmente Chen. Com as críticas da Oposição de Esquerda encontrando uma
audiência cada vez maior na classe trabalhadora soviética, Stalin buscou salvar
sua reputação mudando de posição repentinamente, saindo do oportunismo e
caminhando ao seu exato oposto — o aventureirismo. Tendo sido responsável por
duas gigantescas derrotas contra o PCC e as massas chinesas, Stalin ordenou que
o partido em frangalhos levasse adiante uma série de insurreições armadas, que
já estavam fadada ao fracasso. Em antecipação à sua teoria ultra-esquerdista do
“Terceiro Período”, elaborada no início da década de 1930, Stalin atribuiu ao
proletariado a tarefa imediata de tomar o poder, bem no ponto onde a revolução
chinesa estava se retraindo. Como Trotsky explicou, na verdade, era necessário
um reagrupamento do PCC e da classe trabalhadora, slogans democráticos
defensivos e, acima de tudo, que se chegasse às lições necessárias — a tudo
isso Stalin se opôs resolutamente.
A LIÇÃO DO “SOVIET” DE CANTÃO
O suspiro final da revolução chinesa — o levante de Cantão
em dezembro de 1927 — foi nada menos que criminoso. Foi agendado para coincidir
não com um movimento de massas em Cantão, mas com a abertura do XV Congresso do
Partido Comunista Soviético. Seu principal propósito era melhorar a reputação
da liderança stalinista e barrar as críticas da Oposição de Esquerda. Sem apoio
nas massas, a tentativa de criar um governo soviético com milhares de quadros
do partido não possuía qualquer possibilidade de ser vitoriosa. Cerca de 5.700
pessoas, muitas delas entre os melhores quadros revolucionários sobreviventes,
foram mortas na heroica batalha para defender o “Soviet” de Cantão, que teve
curta existência.
A teoria dos Soviets elaborada por Stalin foi finalmente
posta à prova. Ao longo da revolução, Stalin havia argumentado que os soviets
só deveriam ser criados no último momento, como os meios da organização da
insurreição e, principalmente, não antes do estágio “democrático” ter sido
completado. Mas, como Trotsky ainda insistia, os soviets eram, na realidade, os
meios para trazer amplas camadas do povo trabalhador para a luta política. Eles
não poderiam ser impostos de cima, mas emergiam da base do movimento
revolucionário, incluindo os comitês de fábrica e de greve. Conforme a crise
revolucionária se desenvolvia, os soviets evoluiriam em novos órgãos do poder
operario.
Em Cantão, o PCC estabeleceu burocraticamente um organismo
chamado “soviet”, como meio de executar uma insurreição na cidade. Mas a
“tremenda resposta” antecipada por Stalin não se realizou, pois os
trabalhadores e camponeses comuns sequer sabiam quem eram seus “delegados”
nesse assim chamado soviet. Apenas uma minúscula minoria de trabalhadores
apoiava o governo “Soviet” de Cantão”, que foi rapidamente despedaçado.
Stalin defendeu que as tarefas do levante de Cantão eram democrático-burguesas.
Mas, como apontou Trotsky, mesmo nessa aventura falida, o proletariado foi compelido
a tomar a dianteira. Durante sua vida limitada, o PCC foi forçado a tomar o
poder sozinho e implementar medidas sociais radicais, incluindo a nacionalização
das indústrias e bancos. Como Trotsky declarou, se essas medidas eram
“burguesas”, então seria difícil imaginar o que seria uma revolução proletária
na China. Em outras palavras, mesmo na insurreição de Cantão, a liderança do
PCC foi compelida a seguir a lógica da Revolução Permanente, e não a grosseira
teoria dos “dois estágios” de Stalin.
O fracasso do levante de Cantão marcou o fim da revolução nos centros urbanos. Os líderes do PCC que não se juntaram à Oposição de Esquerda, como Mao Zedong, fugiram para o campo. Pressionada pela burocracia stalinista a implementar a linha do Comintern do “Terceiro Período” e criar “Soviets”, uma nova corrente emergiu no PCC.
Dirigida por Mao, essa tendência
efetivamente rompeu com as raízes na classe trabalhadora e se baseou
inteiramente no campesinato. Para continuar a “luta armada”, o PCC criou o
“Exército Vermelho”, composto principalmente de camponeses, e estabeleceu
“Soviets” nas zonas rurais isoladas. No início da década de 1930, o PCC havia
praticamente abandonado seu trabalho dentro da classe trabalhadora urbana.
Mao, cuja perspectiva política possuía mais em comum com o
populismo camponês do que com o marxismo, emergiu naturalmente como o novo
líder dessa tendência. Antes de juntar-se ao Partido Comunista, havia sido
profundamente influenciado por uma escola de socialismo utópico, a “Nova Vila”,
que se inspirou nos Narodniks russos. A Nova Vila promovia o cultivo coletivo,
o consumo comunal e o auxílio mútuo entre vilas autônomas como o caminho para o
“socialismo”. Esse “socialismo rural” refletia, na verdade, não os interesses
do proletariado revolucionário, mas a hostilidade do campesinato decadente
diante da destruição do cultivo de pequena escala sob o capitalismo.
Mesmo após ter se juntado ao Partido Comunista, Mao não
abandonou essa orientação em relação ao campesinato e esteve na ala direita do
partido durante os levantes de 1925-1927. Mesmo no ápice do movimento de classe
trabalhadora em 1927, Mao continuou a afirmar que o proletariado era um fator insignificante
na revolução chinesa. “Se alocarmos dez pontos à realização da revolução
democrática, então... Os que vivem nas cidades e as unidades militares
representariam apenas três pontos, enquanto os sete pontos restantes seriam dos
camponeses...” (Stalin’s Failure in China 1924-1927, Conrad Brandt, The Norton
Library, Nova Iorque, 1966, p. 109).
AS CONSEQUÊNCIAS DA DERROTA
Logo após a derrota da revolução chinesa, Trotsky foi
expulso do Partido Comunista, submetido a um exílio interno e, depois, expulso
da URSS. Os registros de 1925-1927 na China deixam claro que Trotsky e a
Oposição de Esquerda estavam bem cientes do que estava em jogo na Revolução
Chinesa para a classe trabalhadora internacional. Trotsky estava engajado em
uma luta política titânica para transformar a política do Comintern e criar as
melhores condições para uma vitória revolucionária. Mostrar-se formalmente
correto era o menos importante.
Em sua autobiografia, Minha Vida, escrita durante seu exílio
em 1928, Trotsky recordou o que aconteceu na União Soviética depois de Chiang
Kai-shek ter afogado em sangue os trabalhadores de Xangai. “Uma onda de
excitação tomou conta do partido. A oposição levantou sua cabeça... Muitos
camaradas mais jovens pensaram que a patente falência da política de Stalin
inevitavelmente adiantaria o triunfo da oposição. Durante os primeiros dias do
golpe por Chiang Kai-shek eu fui obrigado a jogar baldes de água fria sobre as
cabeças quentes dos meus jovens amigos — alguns não tão jovens. Tentei mostrar
a eles que a oposição não poderia ascender com base na derrota da revolução
chinesa. O fato de que nossa previsão havia sido provada correta poderia atrair
mil, cinco mil, ou mesmo dez mil novos apoiadores. Mas, para os milhões, o
significativo não era nossa previsão, mas o fato do esmagamento do proletariado
chinês. Após a derrota da revolução alemã em 1923, após a quebra da greve geral
inglesa de 1926, o novo desastre na China iria apenas intensificar o
desapontamento das massas sobre a revolução internacional. E foi esse mesmo
desapontamento que serviu como a principal fonte psicológica para a política
nacional-reformista de Stalin” (My Life: An Attempt at an Autobiography, Leon
Trotsky, Penguin Books, 1979, pp. 552-553).
Embora Stalin tenha tentado isolar Trotsky do resto do
Comintern e do PCC seus esforços foram apenas parcialmente bem-sucedidos. Um
grupo de estudantes chineses na União Soviética caiu na esfera de influência da
Oposição de Esquerda e participou de seu protesto em 7 de novembro de 1927, na
Praça Vermelha, em meio às celebrações do décimo aniversário da Revolução de
Outubro. Ao final de 1928, ao menos 145 estudantes chineses haviam formado
organizações trotskistas secretas em Moscou e Leningrado.
Ao mesmo tempo, durante o Sexto Congresso do Comintern, Trotsky escreveu sua famosa crítica ao programa do Comintern. Alguns delegados do PCC incluindo Wang Fanxi, puderam ler os textos de Trotsky e aceitaram a análise da Oposição de Esquerda. Depois que alguns desses estudantes chineses retornaram à China em 1929, uma seção da liderança do PCC incluindo Chen Duxiu e Peng Shuzi, voltou-se ao trotskismo e formou a Oposição de Esquerda chinesa.
Na China, o KMT, que havia estendido sua influência
explorando os levantes revolucionários de massas, se provou absolutamente
incapaz de manter a coesão no país ou de governar “democraticamente”. O “terror
branco” do Kuomintang durou anos. De abril até dezembro de 1927, foram
executados aproximadamente 38.000, e 32.000 foram presos como prisioneiros
políticos. De janeiro até agosto de 1928, mais de 27.000 foram sentenciados à
morte. Em 1930, o PCC estimou que 140.000 foram assassinados ou morreram em
prisões. Em 1931, 38.000 foram executados como inimigos políticos. A Oposição
de Esquerda chinesa não só foi caçada pela polícia do KMT, mas também entregue
às autoridades pela liderança stalinista do PCC.
As consequências políticas da revolução fracassada se
estenderam para muito além das fronteiras da China. Uma vitória teria enorme
impacto em toda a Ásia e outros países coloniais. Entre outras coisas, teria
dado grande ímpeto à classe trabalhadora japonesa em suas lutas contra o
ascenso do militarismo japonês na década de 1930 e o mergulho rumo à guerra
mundial.
Em poucas palavras, foi a partir do balanço da derrota da
segunda revolução chinesa que a teoria da revolução permanente ganhou sua
generalização internacional e, assim, sua forma acabada, tornando-se um marco
teórico e estratégico vital para todo o movimento que viria a desembocar na IV
Internacional.
OS 100 ANOS DO PCC HOJE
Nos 100 anos do PCC, a chamada “via chinesa” de restauração capitalista como vemos reafirmada por Xi Jinping é um processo lento, ordenado e centralizado de medidas que, levadas a frente sob o férreo controle político do PPCh, avançam o ritmo da restauração capitalista para se fortalecer futuramente como contraponto militar e econômico ao imperialismo ianque. Essa estratégia encontra-se resumida nas palavras na abertura do Congresso proferidas por Xi Jinping “Cada um de nós precisa fazer o possível para defender a autoridade do partido e o sistema socialista chinês, e se opor de forma resoluta a toda palavra ou ação que vise a solapá-lo... A abertura traz progresso para nós, enquanto o isolamento nos deixa atrasados. A China não fechará suas portas para o mundo, estaremos cada vez mais abertos”.
CHINA: APESAR DA RESTAURAÇÃO EM CURSO, UM OBSTÁCULO PARA O IMPERIALISMO IANQUE AVANÇAR SEU DOMÍNIO ABSOLUTO SOBRE A ÁSIA
A China vem se convertendo lentamente em um grande obstáculo militar e econômico para os EUA. Possui o maior exército do mundo (quase 3 milhões de soldados), um poderio bélico poderoso que inclui a bomba de nêutrons e mísseis de longo alcance com capacidade de carregar ogivas nucleares.
Diferente do que ocorreu no processo de restauração capitalista na ex-URSS, onde a casta burocrática se dividiu em várias frações que disputavam o que restou do antigo Estado operário (processo hoje parcialmente revertido por Putin), o objetivo da burocracia chinesa é estabelecer uma lenta e ordenada transição da economia planificada para o capitalismo, sendo ela mesma convertida em proprietária dos meios de produção. Precisamente por isto a burocracia chinesa pretende realizar uma transição a mais ordenada possível, não podendo destruir de imediato o Estado operário.
O atual ritmo da restauração do capitalismo na China não interessa aos EUA, por isso procuram de todas as formas debilitar a China. Foi assim em 1996, quando os EUA deslocaram porta-aviões, submarinos nucleares e navios de guerra para as proximidades da costa chinesa, a fim de "proteger" o enclave imperialista de Taiwan; em 1999 a OTAN bombardeou "por engano" a embaixada chinesa em Belgrado; em 1º de abril de 2001, um avião de espionagem norte-americano chocou-se com um caça chinês sobre o Mar da China Meridional.
EM DEFESA DA CHINA CONTRA A OFENSIVA DO IMPERIALISMO IANQUE
Os marxistas revolucionários estão na primeira linha de defesa da nação chinesa contra as agressões imperialistas, apesar de afirmamos claramente o caráter venal e corrompido dos ex-burocratas “comunistas” que liquidaram as principais bases sociais do Estado operário, para se converterem em uma nova classe social dominante. Apesar da restauração capitalista, o que proporcionou a China a criação de um dos maiores mercados do mundo, parte das conquistas do proletariado ainda estão de pé e sob ameaça da ofensiva imperialista.
É exatamente neste ponto que se concentram todo o ódio da burguesia ianque contra a China, não podem admitir que um país recém-convertido à economia “livre” de mercado, mantenha conquistas operárias que devem ser eliminadas pelo “ajuste financeiro” global que promovem contra os povos. Portanto, mantém-se plenamente vigente o prognóstico do Programa de Transição, apontando que os bolcheviques-leninistas devem combinar a luta pela revolução socialista nos ex-Estados operários com as tarefas pendentes da luta política em defesa das conquistas ainda existentes.
As constantes provocações contra o
Estado nacional chinês cumprem, em última instancia, o objetivo de acabar com
qualquer possibilidade de que algum regime ao redor do planeta se oponha ainda
que minimamente ao “american way life”, como são os casos específicos da Coreia
do Norte e Irã. Somente a revolução proletária, encabeçada por um autêntico
partido revolucionário poderá retomar o controle para si da economia
planificada na China e o controle do Estado por parte dos trabalhadores e
enfrentar frontalmente a barbárie imperialista rumo à construção do socialismo.
POR UMA REVOLUÇÃO SOCIALISTA NA CHINA!
A burocracia chinesa por sua natureza política contrarrevolucionária, é incapaz de enfrentar os ditames do capital, e por sua consciente política de restauração capitalista, se torna cúmplice do imperialismo. Somente a ação do gigantesco proletariado chinês, dirigido por um partido revolucionário, pode pôr a termo o processo de restauração capitalista, através da revolução política, e derrotar a política ameaçadora de polícia mundial do imperialismo ianque contra o Estado operário chinês.