95 ANOS DA ÚLTIMA CARTA DE ADOLF JOFFE, DIRIGENTE DA
OPOSIÇÃO DE ESQUERDA, PARA LEON TROTSKY: UMA DENÚNCIA DRAMÁTICA DA
BUROCRATIZAÇÃO DA URSS PELO STALINISMO
A carta que o Blog da LBI reproduz abaixo foi escrita pelo
camarada Adolf Abramovichf Joffe em Novembro de 1927 e dirigida a Trotsky,
completando nesse mês exatamente 95 anos. A vida de Joffe foi toda até o seu
último minuto consagrada à causa da libertação do proletariado. Morreu aos 44
anos de idade. Ocupou no Partido e no governo soviético os postos de mais
responsabilidade. Bolchevique desde 1900, foi depois de uma deportação na
Sibéria, Presidente do Conselho Militar revolucionário em 1917, depois tomou
parte com Trotsky nas negociações de Brest-Litovsk. Em 1918 foi nomeado
embaixador dos Sovietes em Berlim, dirigiu com Tchitcherine a comissão para as
negociações com a Polônia e em seguida a delegação soviética na Conferência em
Gênova. Foi o primeiro embaixador soviético em Pequim e depois no Japão. Foi
quem assinou o tratado de paz entre o Japão e a União Soviética, quem dirigiu
em Xangai (China) as negociações com Sun-Yat-Sen (o fundador do Kuomitang) e
participou das negociações entre a Inglaterra e a URSS. Adolf Joffe se manteve firme à Oposição de
Esquerda, grupo liderado por Trotsky que enfrentou e denunciou a burocracia da
camarilha contrarrevolucionária de Stálin. Diante disso, o Comitê Central já
burocratizado, utiliza sua fragilidade na saúde para o jogar fora das fileiras
do Partido. Joffe, recomendado pelos médicos do Partido a se tratar, não vê
alternativas dentro da Rússia Soviética (como no caso remédios que antes eram
facilmente disponibilizados para ele). Então, condenado silenciosamente por se
colocar contra o caminho que o Partido tomava, e com todos seus atos públicos
abafados, vê que nada mais resta fazer do que um grande e único protesto, que
chocaria toda a direção nacional do partido soviético, mas que também
denunciaria as atrocidades cometidas contra Trotsky e outros membros da
Oposição de Esquerda. Seu protesto seria o suicídio, o mesmo que dois anos
antes o poeta Serguei Iessienin fez, e poucos anos mais tarde, Vladimir
Maiakóvski, o poeta da revolução, faria. Um suicídio contra a censura, a
burocracia, a perseguição política e, não menos importante, a violência que Stálin
e seus cúmplices faziam ao futuro da revolução socialista. Reduzido por uma
polinevrite a uma invalidez quase completa, impossibilitando-o de tomar parte
ativa nas lutas políticas de então. Joffe não viu outro meio de ainda servir à
causa da Revolução – do que se matar, dando a sua morte uma significação
precisa de protesto contra a exclusão de Trotsky do Partido e o regime de
perseguição pessoal, adotado pela direção na sua campanha contra a oposição. A
sua carta foi encontrada logo após sua morte sobre sua mesa. Não chegou, porém,
às mãos de seu destinatário. Os seus funerais em Moscou, no dia 19 de Novembro
tiveram um caráter comovedor. Apesar de realizados nas horas de trabalho,
compareceram milhares e milhares de operários, camaradas do Partido, delegações
do exército Vermelho. Tchitcherine falou oficialmente em nome do governo.
Depois falaram diversos camaradas da oposição, Rakovsky, entre outros, disse
sobre seu túmulo, “ele partiu, quando compreendeu que era esta sua suprema
maneira de servir ao Partido”. Por último falou Trotsky que, no meio de uma
emoção e de um silêncio indizíveis, terminou seu adeus dizendo: “Como tu, nós
juramos ir até o fim sem fraquejar, sob as bandeiras de Marx e de Lênin!”.
Infelizmente a carta nunca chegou às mãos de seu destinatário, que treze anos
mais tarde seria covardemente assassinado por um agente de Stálin. Mas, talvez
sem Joffe saber, a angústia e tristeza de um revolucionário, que teve a pior
das condenações aos que lutam, “ser impedido de lutar”, serve às futuras
gerações para continuar lutando, e sabendo que, mesmo com toda a tristeza e
depressão promovida por esse sistema, sempre a luta será a luz do farol que
conduzirá a todos revolucionários na luta pela construção de um novo Partido Bolchevique. Outros Outubros Virão para honrar a luta e a vida de Joffe!
A LEON TROTSKY
Caro Leon Davidovitch:
Em toda minha vida sempre pensei que o homem político deve
saber ir embora a tempo, como um ator deixa a cena, e que é melhor fazê-lo cedo
demais do que tarde demais.
Adolescente, ainda verde, defendi a correção da conduta de
Paul Lafargue, e sua mulher Laura Marx, quando auleidaram-se, o que tanto
barulho fez nos partidos socialistas. E me lembro que repliquei asperamente a
Augusto Bebel, muito revoltado por este suícido, que só é admissível
discutir-se, a idade escolhida pelos Lafargue (pois não se trata aqui dos anos
mas da utilidade possível do indivíduo), não se pode em caso nenhum contestar o
princípio, para um homem público de deixar a vida no momento em que tem
consciência de não poder ser mais útil à causa que seria.
Há mais de trinta anos que fiz minha esta filosofia de que a
vida humana só tem sentido na medida e enquanto está a serviço de um infinito
que para nós é a humanidade, porque, sendo o resto limitado, trabalhar pelo
resto é desprovido de sentido.
Se mesmo a humanidade deve ter um fim, este sobreviverá
então uma época tal que, para nós, a humanidade pode ser considerada um
infinito absoluto. E se tem como eu, fé no progresso, pode-se muito bem
conceber que, mesmo em caso de perdição de nosso planeta, a humanidade encontre
os meios de habitar outros mais jovens e prolongue por conseguinte sua
existência; e então, tudo que for feito em seu bem em nosso tempo se refletirá
também nos séculos longínquos, quer dizer dará a nossa existência a única
significação possível.
É nisto, e nisto somente, que sempre vi o sentido da vida; e
agora, abarcando com o olhar a minha vida passada, dos quais 27 anos nas
fileiras do nosso Partido, parece que tenho o direito de dizer que durante toda
a minha vida consciente, permaneci fiel a esta filosofia, isto é, vivi segundo
este sentido da vida; o trabalho e a luta pelo bem da humanidade.
Mesmo os anos de prisão e de cárcere quando o homem é afastado da participação direta na luta a serviço da humanidade, não podem ser riscados
da vida, com um sentido, pois, sendo anos de preparação cultural e de
autodidática, contribuíram para o melhoramento do trabalho ulterior; e por esta
razão podem ser confundidos com os anos de trabalho a serviço da humanidade,
tendo, portanto um sentido. Creio ter o direito de afirmar que nesta acepção,
nem um só dia de minha vida foi desprovido de sentido.
Mas agora parece, chegou a hora, em que a minha vida perde o
seu sentido e, por conseguinte, surge a obrigação de deixá-la, de lhe dar um
termo.
Há vários anos que a direção atual de nosso Partido, de
conformidade com o seu método geral de não dar trabalho aos comunistas da
oposição, não me designa nem trabalho político nem trabalho soviético, cuja
envergadura e caráter me permitissem ser útil no máximo de minhas forças. No
último ano, você o sabe, o Bureau Político me pôs, como oposicionista,
completamente de lado de qualquer trabalho político.
Por outro lado, provavelmente em parte devido a minha doença
e em parte devido a razões melhor conhecidas de você do que de mim – não pude,
este ano, participar praticamente do trabalho e da luta da oposição. Foi com um
forte combate interior e, no começo, a contra-gosto, que me resignei a esta
forma de atividade que só esperei suportar tornando-me completamente inválido:
o trabalho literário, cultural e pedagógico. Embora no começo achasse penoso,
me entreguei decididamente a esta tarefa, esperando que ela continuasse a dar a
minha vida a necessidade e utilidade de que falei acima; só elas a meu juízo
podem justificar minha existência.
Porém minha saúde vem piorando cada vez mais. Por volta de
20 de setembro, por motivo de mim desconhecidos, a Comissão Médica do Comitê
Central me convocou para um exame de professores especialistas e estes
diagnosticaram um processo tuberculoso ativo nos dois pulmões, uma miocardite,
uma inflação crônica da vesícula biliar, uma Colite crônica, apendicite e Polinevrite crônica (inflamação múltipla dos nervos). Eles me disseram que meu
estado de saúde era bem pior do que eu imaginava, e que nem devia pensar em
prosseguir até o fim nos meus cursos nos estabelecimentos superiores (a
Universidade de Moscou e o Instituto de Orientalismo). Acrescentaram que pelo contrário seria mais razoável renunciar a estes planos e
não ficar inutilmente nem um dia mais em Moscou e nem mais um hora sem
tratamento e partir imediatamente para o estrangeiro, com destino a um
sanatório apropriado. Como esta viagem não podia ser preparada em dois dias, me
prescreveram certos remédios e tratamento. Para obtê-los tinha que ir à
Policlínica do Kremlin durante algum tempo, até a minha partida.
A minha pergunta direta: “Que possibilidade tenho de cura no
estrangeiro e posso me tratar aqui na Rússia sem abandonar meu trabalho?”, os
professores e os assistentes, o médico do Comitê Central, camarada Abrossov, um
outro médico comunista e o do hospital do Kremlin, A. Konseil, responderam
claramente os sanatórios russos não podiam de nenhum modo curar-me e que eu
devia contar com um tratamento no Ocidente, pois até então nunca me tratara
mais de 2 ou 3 meses no estrangeiro; mas que agora eles insistiam justamente
para que eu fizesse uma estadia de seis meses no mínimo, sem fixar o máximo.
Acrescentaram que, conformando-me as prescrições deles, não duvidavam que se
não me curasse radicalmente, ao menos me seria dado trabalhado por um período
maior.
Durante dois meses mais ou menos, nenhuma medida foi tomada
pela Comissão médica do Comitê Central (foi ela entretanto que por sua própria
iniciativa convocou a consulta em questão) relativo não somente a minha estadia
no estrangeiro como do meu tratamento aqui. Ao contrário, a farmácia do Kremlin
que sempre me fornecera remédios pelas receitas, ficou interdita de fazê-lo e
eu fiquei, de fato, privado, de auxílio gratuito dos medicamentos que sempre
usara. Fui obrigado a comprar os remédios indispensáveis nas farmácias da
cidade (parece que isto se deu no momento em que o grupo dirigente do Partido
começou a recorrer com os camaradas da oposição, à aplicação do método: “ferir
a oposição no ventre”).
Enquanto era suficientemente válido para trabalhar, quase
não prestava atenção para isto, mas como o meu estado não parou de piorar,
minha mulher começou a apelar junto à Comissão Médica do CC, pela
minha ida para o estrangeiro, e pessoalmente junto a N. Semachko, que sempre
publicamente quebrou lanças para realizar a sua fórmula “salvaguardar a velha
guarda”. A questão era entretanto constantemente protelada e tudo o que pode
obter minha mulher foi um resumo da decisão do conselho dos médicos. Neste
resumo, minhas doenças crônicas eram enumeradas e ficava constatado que o
Conselho insistia pela minha partida para o estrangeiro “num sanatorium do tipo
prof. Friedlander” e por um prazo podendo se prolongar até um ano.
No entanto, há nove dias me deitei definitivamente, devido à
acuidade e ao agravamento (como é sempre o caso) de todas as minhas doenças
crônicas e sobretudo, o mais terrível, da Polinevrite inveterada que tomou de
novo uma forma aguda, me constrangendo a um padecimento infernal,
absolutamente intolerável e me tirando até a possibilidade de andar. Com
efeito, há nove dias que estou privado de qualquer tratamento e a questão de
minha viagem ao estrangeiro não foi examinada. Nem um só dos médicos do Comitê Central me veio ver. O prof. Davidenko e o dr. Levine, chamados à minha
cabeceira, me prescreveram algumas insignificâncias que não puderam me aliviar
em coisa alguma; reconheceu-se então “que não se podia fazer nada” e que a
viagem ao estrangeiro era indispensável e urgente.
O dr. Levine disse a minha mulher que o negócio não andava
porque a Comissão Médica pensava naturalmente que minha mulher haveria de
querer fazer a viagem comigo e que “assim ficava muito caro”. (Quando os
camaradas que não são da oposição ficam doentes, são enviados ao estrangeiro, e
muitas vezes até com a família, acompanhados de nossos médicos ou professores,
eu mesmo sei de muitos destes caos e até reconheço que quando foi de minha
primeira crise de Polinevrite aguda, fui mandado ao estrangeiro, em companhia
de minha família, mulher e filho, e do prof. Konabi; então ainda não existiam
os costumes atualmente instaurados no Partido.)
Minha mulher respondeu que apesar do triste estado em que me
encontrava ela não pretendia absolutamente que eu devesse ser acompanhado por
ela ou por alguém. Então o dr. Levine garantiu que nestas condições a questão
seria resolvida rapidamente.
Meu estado foi se agravando e meus sofrimentos se tornaram
tão terríveis que reclamei enfim aos médicos que dessem ao menos um alívio
qualquer. O dr. Levine me repetiu hoje que os médicos nada podiam fazer e que a
única porta de salvação era a partida imediata para o estrangeiro.
Ora, à noite, o médico do CC, camarada Potiomkine,
avisou à minha mulher que a Com. Médica decidira não me enviar ao estrangeiro e
de me tratar mesmo na Rússia.
A razão era que os professores especialistas insistiam por
um tratamento prolongado no estrangeiro, julgando uma certa estadia inútil e
que o Comitê Central só consentia em me dar para a minha cura uma soma máxima de
1000 dólares (2000 rublos) dizendo ser impossível dar mais.
Como você sabe, dei no passado a nosso Partido outra coisa
que um milhar de dólares, em todo o caso, mais do que custei ao Partido, desde
que a revolução me privou de todos os meios e que não posso mais me tratar às
minhas custas.
Mais de uma vez, editores anglo-americanos me propuseram,
por pagamentos de “minhas memórias” (à minha escolha, com a única exigência que
dissessem respeito ao período das negociações importantes) somas que subiam até
a 20.000 dólares. O Bureau Político sabe perfeitamente que sou bastante
experimentado como jornalista e como diplomata, para publicar uma só palavra
sequer prejudicial ao nosso Partido e ao nosso Estado.
Ele não ignora tampouco que fui muitas vezes censor no
Comissariado dos Negócios Estrangeiros e que na qualidade de embaixador também
o fui para todas as obras russas editadas nos países onde servia. Há alguns
anos pedia ao Bureau Político a permissão para editar esta memórias, tomando o
compromisso de entregar ao Partido todos os honorários, pois me custa aceitar
do Partido dinheiro para me tratar. Em resposta, fui prevenido por uma decisão
do Com. Central, nos termos da qual “é formalmente proibido aos diplomatas ou
aos camaradas tendo tomado parte no estrangeiro publicar no estrangeiro suas reminiscências
ou fragmentos de memórias sem exame prévio dos manuscritos pelo colégio do
Comissariado dos Negócios Estrangeiros e o Bureau Político do Comitê Central”.
Sabendo das irregularidades e dos atrasos que seriam
ocasionados por esta dupla censura, resolvi em 1924 declinar de qualquer
proposta. Encontrando-me recentemente no estrangeiro, recebi uma nova oferta
garantindo-me 20.000 dólares de honorários.
Sabendo, porém, como entre nós se falsifica a história de
nosso Partido e da Revolução, não julguei possível emprestar o meu concurso a
uma tal falsificação, não tendo dúvida de que toda a censura do Bureau Político
(e os editores fazem questão do caráter pessoal das reminiscências, isto é
sobre a caracterização dos personagens que nela desempenharam algum papel)
consiste em não admitir uma justa apreciação dos personagens e de seus atos,
nem destes nem daqueles, isto é nem dos chefes autênticos da Revolução, nem dos
dirigentes atuais elevados a esta dignidade. Eu não acho possível editar
memórias sem chocar de frente o Bureau Político e por conseguinte não vejo meio
de me tratar sem receber dinheiro do Comitê Central que, por todo o meu trabalho
revolucionário de vinte e sete anos, acha razoável calcular a minha vida e a
minha saúde numa soma não passando de 2.000 rublos.
No estado em que acho atualmente me é evidentemente
impossível realizar um trabalho qualquer. Se, a despeito de sofrimentos
infernais, tivesse a força de continuar a série de meus cursos, uma situação
desta ordem exigiria sérios cuidados, seria preciso me transportar por toda
parte em “padiola”, me ajudar a procurar nas bibliotecas e nos arquivos os
livros e materiais necessários, etc…
No decorrer de minha última doença, tive a minha disposição
todo o pessoal de uma embaixada: agora, segundo minha “categoria”, não tenho
nem mesmo o direito a um secretário particular. Além disso, a desatenção para
comigo de que se tem dado provas nestes últimos tempos, por ocasião, das minhas
doenças (como agora; em que estou há dias praticamente sem socorro e em que o
tratamento elétrico prescrito pelo prof. Davidenko não me é aplicado), mostra
que não posso contar nem mesmo com uma coisa tão elementar como um transporte
em padiola.
Mesmo se fosse tratado, se fosse mandado ao estrangeiro,
para a estadia indispensável, minha situação continuaria crítica no mais alto
ponto: a última vez passei mais ou menos dois anos num estado de Polinevrite
aguda, sem fazer um movimento; não tinha então outra doença a não ser esta e no
entanto todas as outras que contraí depois são conseqüências desta; agora já me
descobriram seis. Mesmo se pudesse daqui por diante consagrar o tempo
necessário ao tratamento, é duvidoso que possa contar com uma prolongação útil
de minha vida. Agora então que se considera impossível tratar-me seriamente
(pois o tratamento na Rússia e, segundo os médicos, sem esperança, e o
tratamento no estrangeiro só por 2 meses também o sendo) minha vida perde todo
o seu sentido, mesmo sem que se leve em conta minha filosofia esboçada acima. É
duvidoso que se possa admitir como necessária uma vida passada em padecimentos
incríveis, estando-se pregado numa cama sem movimento e sem possibilidade de
realizar um trabalho qualquer.
É por isto que digo que o momento chegou em que é
indispensável por um termo a esta vida.
Conheço a opinião geral do partido, contrária ao suicídio,
mas suponho que todos aqueles que ficarem sabendo de minha situação não me
condenarão por isto.
Além do mais, o professor Davidenko acha que a causa da
repetição da minha Polinevrite aguda a emoção destes últimos tempos… Se
estivesse com saúde teria achado em mim a força e a energia suficientes para
lutar contra a situação criada no Partido, mas no meu estado atual, reputo
insuportável uma situação em que o Partido tolera silenciosamente a sua
exclusão de suas fileiras, apesar de estar absolutamente persuadido de que,
cedo ou tarde, haverá no Partido uma crise que o obrigará a rejeitar aqueles
que o conduziram a uma tal vergonha… Neste sentido, minha morte é um protesto
contra aqueles que levaram o Partido a uma situação tal que ele não possa de
nenhum modo reagir contra este opróbrio.
Se me é permitido comparar o que é grande com o que é
pequeno, direi que a importância do acontecimento histórico que é a sua
exclusão e a de Zinoviev, expulsão que há de abrir inevitavelmente um período
termidoriano na nossa Revolução, e o fato que me reduzem depois de 27 anos de
trabalho revolucionário nos postos responsáveis do Partido, a uma situação em
que nada mais me resta a fazer do que me meter uma bala na cabeça, estes 2
fatos, torno a dizer, ilustram um só e único regime do Partido.
Talvez que os dois acontecimentos, o pequeno e o grande
juntos, produzirão o abalo que acordará o Partido e o fará parar no caminho que
vai dar em Termidor.
Sentir-me-ia feliz, se pudesse acreditar, que assim será,
pois saberia então que não iria morrer em vão; entretanto, mesmo tendo a firme
convicção de que a hora do despertar do Partido virá, não posso estar
convencido de que ela já tenha soado agora… Entretanto, não duvido apesar de
tudo de que a minha morte hoje seja mais útil que do que a prolongação de minha
vida.
Caro Leon Davidovitch, estamos ligados por 10 anos de
trabalho comum e, ouso, esperá-lo de amizade pessoal, e isso me dá direito de
lhe dizer no momento do adeus, o que em você me parece ser fraqueza.
Nunca duvidei da justeza do caminho traçado por você, que
sabe que durante mais de 20 anos marchei com você, desde a “revolução
permanente”. Mas sempre pensei que faltavam a inflexibilidade, a intransigência
de Lênin sua resolução de ficar, sendo preciso, sozinho no caminho que
reconheceu como certo, na previsão da maioria futura, no reconhecimento futuro,
por parte de todos da exatidão desse caminho. Você sempre teve razão
politicamente, a começar por 1905, e muitas vezes lhe contei ter ouvido, com os
meus próprios ouvidos, Lênin reconhecer que em 1905 não fora ele mas você que
tivera razão.
Defronte da morte não se mente e o repito agora de novo…
No entanto muitas vezes renunciou você a sua retidão em
favor de um acordo, de um compromisso que sobreestimava. É um erro. Eu o
repito, politicamente sempre você teve razão e agora mais do que nunca. Um dia,
o Partido o compreenderá e a História há de reconhecê-lo.
Assim, não receie hoje se alguém se separar de você, nem
sobretudo se muitos não vêm para o seu lado tão depressa quanto nos todos o
desejávamos. Você tem razão, mas a condição da vitória de sua verdade está
precisamente numa estreita intransigência na mais severa rigidez, no repúdio de
todo compromisso, exatamente como isto foi sempre o segredo da vítima de
Illitch.
Por diversas vezes tive vontade de lhe dizer isto, mas só
agora me decide a fazê-lo na hora do adeus.
Duas palavras pessoais. Atrás de mim ficam uma mulher, uma
filha doente e um rapazola mal adaptados a uma vida independente. Sei que nada
pode você fazer agora por eles. Sob este ponto não posso contar em coisa
nenhuma com a direção atual do Partido.
Mas não tenho dúvidas de que o dia não está longe em que
você há de retomar o lugar que lhe é devido. Então, não se esqueça dos meus. Eu
lhe desejo energia uma valentia iguais às de que tem dado provas até o
presente, e a mais rápida vitória. Eu o abraço fortemente. Adeus.
Moscou, Novembro de 1927.