EM JANEIRO DE 1933 HITLER TORNA-SE CHANCELER DA ALEMANHA: TROTSKY ANALISA A ASCENSÃO DO NAZISMO E O PAPEL DO STALINISMO
Nos anos 1930-1933, o eixo dos debates políticos na Europa, e na Internacional Comunista, foi a evolução política da Alemanha. Nas vésperas da ascensão Hitler, Trotsky criticara a recusa da IC em propor uma Frente Única Operária dos partidos socialista e comunista contra o nazismo. Em abril de 1931, o KPD chamou, junto ao NSDAP, a votar contra o SPD para derrubar o governo socialista da Prússia, no “plebiscito vermelho” (que os nazistas chamaram de “plebiscito negro”). Em novembro de 1932, aliou-se aos nazistas contra os bonzos socialdemocratas na greve dos transportes de Berlim. Em conseqüência desses posicionamentos aconteceram as crises políticas que derrubam sucessivamente o governo centrista de Brüning, o gabinete Von Papen em novembro de 1932, e depois o governo do general Von Schleicher, até o chamado a Hitler para se transformar em chanceler, a 30 de janeiro de 1933.
Cenas sombrias ocorreram no Portão de Brandemburgo neste dia. Já há horas, o chefe da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, vinha posicionando homens da tropa de assalto de Hitler próximo ao local. Mais de 20 mil membros da chamada SA (Sturmabteilung), a tropa de choque do Partido Nazista, haviam chegado durante a noite. O início estava marcado para as 19h. Tochas foram acesas, batalhões da SA desfilavam pelo Portão de Brandemburgo. Poucas horas antes, Adolf Hitler havia alcançado seu grande objetivo: ser nomeado chanceler do Reich pelo então presidente alemão Paul von Hindenburg.O recém-empossado chanceler alemão foi festejado por seus seguidores. De uma janela da então Chancelaria, Hitler cumprimentou os espectadores presentes.
Goebbels havia
planejado um gigantesco espetáculo. Ele pretendia encenar de forma dramática
esse novo capítulo da Alemanha: aquela deveria ser "a noite do grande
milagre". Uma espécie de fita de fogo formada por portadores de tochas
devia atravessar a cidade.
Goebbels queria criar imagens monumentais, ideais para
impressionar os espectadores no cinema, já que era ali que os noticiários eram
transmitidos na época. Mas os transeuntes passeavam distraídos para lá e para
cá entre as formações da SA e impediram as gravações desejadas. Goebbels ficou
desapontado e reencenou as imagens mais tarde. O famoso pintor alemão de origem
judaica Max Liebermann já tinha visto o bastante. Para o desfile de tochas dos
homens da SA na frente de sua casa, o pintor escolheu palavras dramáticas:
"Eu nunca conseguiria comer tanto para tudo o que gostaria de
vomitar."
A história da ascensão de Adolf Hitler está intimamente
ligada ao declínio da República de Weimar. Desde o surgimento em 1918, ela
sofria de defeitos congênitos irreparáveis – era uma democracia sem democratas.
Boa parte da população rejeitava a jovem República, sobretudo a elite
econômica, funcionários públicos e até mesmo políticos.
Tentativas de golpe pela direita e pela esquerda sacudiram o
país. Nos primeiros cinco anos da República de Weimar, assassinatos
espetaculares chocaram o país. Entre outros, as mortes dos comunistas Rosa
Luxemburg e Karl Liebknecht, bem como o assassinato do ministro do Exterior
Walther Rathenau, de origem judaica.
A política da República de Weimar foi marcada pela total
instabilidade. Nos 14 anos de sua existência, ela presenciou 21 diferentes
governos. Entre os 17 partidos do Parlamento, encontrava-se uma série de
inimigos declarados da Constituição. Com cada nova crise política e econômica,
os eleitores perdiam mais e mais a confiança nos partidos democráticos.
Por volta de 1930, a Alemanha estava à beira de uma guerra
civil. Nazistas e comunistas travavam batalhas de rua. A crise econômica de
1929 piorou ainda mais a situação. Em junho de 1932, o número oficial de
desempregados no país somava 5,6 milhões de pessoas.
Em tal situação, muitos alemães ansiavam por um nome forte à
frente do governo, alguém que pudesse tirar o país da crise. O presidente Paul
von Hindenburg era uma dessas pessoas, para muitos, ele era uma espécie de
substituto do imperador. De fato, segundo a Constituição de Weimar, o
presidente do país era a instância política central. O cargo detinha uma imensa
esfera de poder.
O presidente podia dissolver o Parlamento e outorgar leis
por decretos emergenciais, algo que cabe normalmente a qualquer Parlamento.
Hindenburg fez uso, diversas vezes, da possibilidade de governar contornando o
Legislativo. No entanto, Hindenburg não tinha como cumprir o papel de salvar a
Alemanha da miséria, pois já estava com 85 anos no início de 1933.
Após diversas trocas de governo, Hindenburg pretendia, na
ocasião, instalar um governo estável chefiado pelos conservadores nacionalistas
de direita. A princípio, ele era cético quanto à nomeação de Adolf Hitler para
chefe de governo. Durante muito tempo, Hindenburg ironizou Hitler, chamando-o
de "soldado raso da Boêmia" – uma alusão ao fato de que ele,
Hindenburg, era um condecorado marechal de campo da Primeira Guerra Mundial, e
Hitler, apenas um soldado comum.
Mas Hindenburg mudou de opinião. Pessoas próximas a ele lhe
asseguraram que manteriam Hitler sob controle. Alfred Hugenberg, líder do
Partido Popular Nacional Alemão, declarou: "Nós iremos enquadrar
Hitler." Tinha-se um grande senso de segurança, também porque somente dois
ministérios foram oferecidos aos nazistas no novo gabinete de governo. Por outro
lado, Hitler e seus seguidores passaram a se apresentar propositalmente de
forma moderada e a evitar alaridos.
De fato, no dia 30 de janeiro de 1933, um sonho se tornou
realidade para Hitler e sua comitiva. Com alegria, Goebbels confidenciou ao seu
diário: "Hitler é chanceler do Reich. Como um conto de fadas!" Na
mais completa ignorância sobre Hitler e suas intenções, nomeou-se o
"coveiro" da República para chanceler. Mas Hitler já havia
apresentado seus planos no livro Mein Kampf. Ele escreveu que os judeus seriam
"removidos" e um novo "habitat" seria conquistado
"pela espada".
O dia 30 de janeiro de 1933 entrou para a história como o
dia da "tomada de poder", conceito na verdade inventado pela
propaganda nazista, pois a nomeação de Hitler – e essa é a verdadeira ironia da
história – aconteceu de forma constitucional. Após a tomada de posse,
Hindenburg falou as seguintes palavras: "E agora, meus senhores, para
frente com a ajuda de Deus!"
Hindenburg não teve de presenciar que o caminho de Hitler
levaria na verdade ao Holocausto e à Segunda Guerra Mundial. Ele morreu em
1934. E logo Hitler mostrava quão ingênua foi a crença de que ele poderia ser
controlado e neutralizado. Pouco depois de ser empossado como chefe de governo,
começou em todo o país o horror das tropas de assalto da SA.
Comunistas, social-democratas e sindicalistas foram
perseguidos. Em pouco tempo, os primeiros campos de concentração foram
instalados. Ali, os membros da SA torturavam suas vítimas, que iriam incluir,
pouco tempo depois, judeus e outras pessoas consideradas indesejáveis pelos
nazistas. Hitler precisou somente de poucos meses para embaralhar a República
de Weimar e instalar sua ditadura.
Hitler chegou ao poder sem resistência operária e com o
apoio da burguesia, este intermediado pelo ex-ministro de finanças do governo
centrista de Stressemann, Hjalmar Schacht, que chegou a um acordo com o NSDAP
através do banqueiro Schroeder. Rapidamente, os novos donos do poder passaram a
organizar um regime novo, não sem antes montar uma provocação contra o KPD
através do incêndio do Reichstag, o parlamento alemão (a 27 de fevereiro de
1933). Com 3.000.000 de marcos fornecidos pelo grande capital, mais o terror
das SA, os nazistas cresceram, nas eleições de 1933, de 33% para 44% dos votos.
A 23 de março, o Reichstag votou os plenos poderes para Hitler, contra o voto
da bancada do SPD, mas com o voto favorável do Zentrum católico. A 2 de maio,
os sindicatos foram dissolvidos, e seus bens confiscados. A 14 de julho
(aniversário da Revolução Francesa) os partidos políticos foram dissolvidos, o
NSDAP foi proclamado “partido único”. Com a morte do presidente Hindenburg,
Hitler passou a acumular as funções deste junto com a chancelaria.
Trotsky não experimentou nenhuma confusão, e muito menos
fascínio para com o espalhafatoso aparelho de símbolos e cerimônias que rodeava
a mitificação da figura do Führer: “No início de sua carreira política, Hitler
destacou-se somente por seu temperamento explosivo, sua voz mais alta que as
outras e uma mediocridade intelectual mais auto-suficiente. Ele não trouxe para
o movimento qualquer programa preparado de antemão, se deixarmos de lado a sede
de vingança do soldado insultado (...) Havia no país muita gente arruinada ou a
caminho da ruína, portadora de cicatrizes e feridas recentes. Todos queriam
bater com os punhos na mesa. E isto Hitler podia fazer melhor do que os outros.
É certo que ele não sabia como curar o mal. Mas suas arengas ressoavam, ora
como ordens de comando ora como preces dirigidas ao destino inexorável. As
classes condenadas, ou as fatalmente enfermas não se cansam nunca de fazer
variações em torno de suas queixas, nem de ouvir palavras de consolo. Os
discursos de Hitler eram todos afinados nessa clave. Forma desleixada,
sentimental, ausência de um pensamento disciplinado, ignorância paralela à
erudição alambicada, todos esses defeitos transformados em qualidades. (...) O
fascismo abriu as entranhas da sociedade para a política. Hoje, não apenas nos
lares camponeses mas também nos arranha-céus das cidades convivem o século XX
com o X e o XIII”.
Trotsky escreve que “O fascismo, nascido da bancarrota da democracia diante das
tarefas da época do imperialismo, é uma ‘síntese’ dos piores males desta época.
Traços de democracia conservam-se apenas nas aristocracias capitalistas mais
ricas: para cada ‘democrata’ inglês, francês, holandês, belga, trabalha um
certo número de escravos coloniais; ‘sessenta famílias’ governam a democracia nos
Estados Unidos, etc. Elementos de fascismo crescem rapidamente em todas as democracias.
O stalinismo é, por sua vez, o produto da pressão do imperialismo sobre o Estado
operário, atrasado e isolado, e constitui, de certo modo, o complemento
simétrico do fascismo”.
Bem antes da “semiologia” nascer, Trotsky advertia que “se
os caminhos do inferno estão cheios de boas intenções, os do III Reich estão
cheios de símbolos”, pois “se todo pequeno burguês encardido não pode virar
Hitler, uma parte deste se acha em todo pequeno-burguês encardido”. O nazismo foi previsto nas suas características essenciais e nas suas piores
conseqüências por Trotsky. .