domingo, 30 de janeiro de 2022

EM JANEIRO DE 1933 HITLER TORNA-SE CHANCELER DA ALEMANHA:  TROTSKY ANALISA A ASCENSÃO DO NAZISMO E O PAPEL DO STALINISMO

Nos anos 1930-1933, o eixo dos debates políticos na Europa, e na Internacional Comunista, foi a evolução política da Alemanha. Nas vésperas da ascensão Hitler, Trotsky criticara a recusa da IC em propor uma Frente Única Operária dos partidos socialista e comunista contra o nazismo. Em abril de 1931, o KPD chamou, junto ao NSDAP, a votar contra o SPD para derrubar o governo socialista da Prússia, no “plebiscito vermelho” (que os nazistas chamaram de “plebiscito negro”). Em novembro de 1932, aliou-se aos nazistas contra os bonzos socialdemocratas na greve dos transportes de Berlim. Em conseqüência desses posicionamentos aconteceram as crises políticas que derrubam sucessivamente o governo centrista de Brüning, o gabinete Von Papen em novembro de 1932, e depois o governo do general Von Schleicher, até o chamado a Hitler para se transformar em chanceler, a 30 de janeiro de 1933. 

Cenas sombrias ocorreram no Portão de Brandemburgo neste dia. Já há horas, o chefe da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, vinha posicionando homens da tropa de assalto de Hitler próximo ao local. Mais de 20 mil membros da chamada SA (Sturmabteilung), a tropa de choque do Partido Nazista, haviam chegado durante a noite. O início estava marcado para as 19h. Tochas foram acesas, batalhões da SA desfilavam pelo Portão de Brandemburgo. Poucas horas antes, Adolf Hitler havia alcançado seu grande objetivo: ser nomeado chanceler do Reich pelo então presidente alemão Paul von Hindenburg.O recém-empossado chanceler alemão foi festejado por seus seguidores. De uma janela da então Chancelaria, Hitler cumprimentou os espectadores presentes. 

Goebbels havia planejado um gigantesco espetáculo. Ele pretendia encenar de forma dramática esse novo capítulo da Alemanha: aquela deveria ser "a noite do grande milagre". Uma espécie de fita de fogo formada por portadores de tochas devia atravessar a cidade.

Goebbels queria criar imagens monumentais, ideais para impressionar os espectadores no cinema, já que era ali que os noticiários eram transmitidos na época. Mas os transeuntes passeavam distraídos para lá e para cá entre as formações da SA e impediram as gravações desejadas. Goebbels ficou desapontado e reencenou as imagens mais tarde. O famoso pintor alemão de origem judaica Max Liebermann já tinha visto o bastante. Para o desfile de tochas dos homens da SA na frente de sua casa, o pintor escolheu palavras dramáticas: "Eu nunca conseguiria comer tanto para tudo o que gostaria de vomitar."

A história da ascensão de Adolf Hitler está intimamente ligada ao declínio da República de Weimar. Desde o surgimento em 1918, ela sofria de defeitos congênitos irreparáveis – era uma democracia sem democratas. Boa parte da população rejeitava a jovem República, sobretudo a elite econômica, funcionários públicos e até mesmo políticos.

Tentativas de golpe pela direita e pela esquerda sacudiram o país. Nos primeiros cinco anos da República de Weimar, assassinatos espetaculares chocaram o país. Entre outros, as mortes dos comunistas Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, bem como o assassinato do ministro do Exterior Walther Rathenau, de origem judaica.

A política da República de Weimar foi marcada pela total instabilidade. Nos 14 anos de sua existência, ela presenciou 21 diferentes governos. Entre os 17 partidos do Parlamento, encontrava-se uma série de inimigos declarados da Constituição. Com cada nova crise política e econômica, os eleitores perdiam mais e mais a confiança nos partidos democráticos.

Por volta de 1930, a Alemanha estava à beira de uma guerra civil. Nazistas e comunistas travavam batalhas de rua. A crise econômica de 1929 piorou ainda mais a situação. Em junho de 1932, o número oficial de desempregados no país somava 5,6 milhões de pessoas.

Em tal situação, muitos alemães ansiavam por um nome forte à frente do governo, alguém que pudesse tirar o país da crise. O presidente Paul von Hindenburg era uma dessas pessoas, para muitos, ele era uma espécie de substituto do imperador. De fato, segundo a Constituição de Weimar, o presidente do país era a instância política central. O cargo detinha uma imensa esfera de poder.

O presidente podia dissolver o Parlamento e outorgar leis por decretos emergenciais, algo que cabe normalmente a qualquer Parlamento. Hindenburg fez uso, diversas vezes, da possibilidade de governar contornando o Legislativo. No entanto, Hindenburg não tinha como cumprir o papel de salvar a Alemanha da miséria, pois já estava com 85 anos no início de 1933.

Após diversas trocas de governo, Hindenburg pretendia, na ocasião, instalar um governo estável chefiado pelos conservadores nacionalistas de direita. A princípio, ele era cético quanto à nomeação de Adolf Hitler para chefe de governo. Durante muito tempo, Hindenburg ironizou Hitler, chamando-o de "soldado raso da Boêmia" – uma alusão ao fato de que ele, Hindenburg, era um condecorado marechal de campo da Primeira Guerra Mundial, e Hitler, apenas um soldado comum.

Mas Hindenburg mudou de opinião. Pessoas próximas a ele lhe asseguraram que manteriam Hitler sob controle. Alfred Hugenberg, líder do Partido Popular Nacional Alemão, declarou: "Nós iremos enquadrar Hitler." Tinha-se um grande senso de segurança, também porque somente dois ministérios foram oferecidos aos nazistas no novo gabinete de governo. Por outro lado, Hitler e seus seguidores passaram a se apresentar propositalmente de forma moderada e a evitar alaridos.

De fato, no dia 30 de janeiro de 1933, um sonho se tornou realidade para Hitler e sua comitiva. Com alegria, Goebbels confidenciou ao seu diário: "Hitler é chanceler do Reich. Como um conto de fadas!" Na mais completa ignorância sobre Hitler e suas intenções, nomeou-se o "coveiro" da República para chanceler. Mas Hitler já havia apresentado seus planos no livro Mein Kampf. Ele escreveu que os judeus seriam "removidos" e um novo "habitat" seria conquistado "pela espada".

O dia 30 de janeiro de 1933 entrou para a história como o dia da "tomada de poder", conceito na verdade inventado pela propaganda nazista, pois a nomeação de Hitler – e essa é a verdadeira ironia da história – aconteceu de forma constitucional. Após a tomada de posse, Hindenburg falou as seguintes palavras: "E agora, meus senhores, para frente com a ajuda de Deus!"

Hindenburg não teve de presenciar que o caminho de Hitler levaria na verdade ao Holocausto e à Segunda Guerra Mundial. Ele morreu em 1934. E logo Hitler mostrava quão ingênua foi a crença de que ele poderia ser controlado e neutralizado. Pouco depois de ser empossado como chefe de governo, começou em todo o país o horror das tropas de assalto da SA.

Comunistas, social-democratas e sindicalistas foram perseguidos. Em pouco tempo, os primeiros campos de concentração foram instalados. Ali, os membros da SA torturavam suas vítimas, que iriam incluir, pouco tempo depois, judeus e outras pessoas consideradas indesejáveis pelos nazistas. Hitler precisou somente de poucos meses para embaralhar a República de Weimar e instalar sua ditadura.

Hitler chegou ao poder sem resistência operária e com o apoio da burguesia, este intermediado pelo ex-ministro de finanças do governo centrista de Stressemann, Hjalmar Schacht, que chegou a um acordo com o NSDAP através do banqueiro Schroeder. Rapidamente, os novos donos do poder passaram a organizar um regime novo, não sem antes montar uma provocação contra o KPD através do incêndio do Reichstag, o parlamento alemão (a 27 de fevereiro de 1933). Com 3.000.000 de marcos fornecidos pelo grande capital, mais o terror das SA, os nazistas cresceram, nas eleições de 1933, de 33% para 44% dos votos. A 23 de março, o Reichstag votou os plenos poderes para Hitler, contra o voto da bancada do SPD, mas com o voto favorável do Zentrum católico. A 2 de maio, os sindicatos foram dissolvidos, e seus bens confiscados. A 14 de julho (aniversário da Revolução Francesa) os partidos políticos foram dissolvidos, o NSDAP foi proclamado “partido único”. Com a morte do presidente Hindenburg, Hitler passou a acumular as funções deste junto com a chancelaria.

Trotsky não experimentou nenhuma confusão, e muito menos fascínio para com o espalhafatoso aparelho de símbolos e cerimônias que rodeava a mitificação da figura do Führer: “No início de sua carreira política, Hitler destacou-se somente por seu temperamento explosivo, sua voz mais alta que as outras e uma mediocridade intelectual mais auto-suficiente. Ele não trouxe para o movimento qualquer programa preparado de antemão, se deixarmos de lado a sede de vingança do soldado insultado (...) Havia no país muita gente arruinada ou a caminho da ruína, portadora de cicatrizes e feridas recentes. Todos queriam bater com os punhos na mesa. E isto Hitler podia fazer melhor do que os outros. É certo que ele não sabia como curar o mal. Mas suas arengas ressoavam, ora como ordens de comando ora como preces dirigidas ao destino inexorável. As classes condenadas, ou as fatalmente enfermas não se cansam nunca de fazer variações em torno de suas queixas, nem de ouvir palavras de consolo. Os discursos de Hitler eram todos afinados nessa clave. Forma desleixada, sentimental, ausência de um pensamento disciplinado, ignorância paralela à erudição alambicada, todos esses defeitos transformados em qualidades. (...) O fascismo abriu as entranhas da sociedade para a política. Hoje, não apenas nos lares camponeses mas também nos arranha-céus das cidades convivem o século XX com o X e o XIII”.

Trotsky escreve que “O fascismo, nascido da bancarrota da democracia diante das tarefas da época do imperialismo, é uma ‘síntese’ dos piores males desta época. Traços de democracia conservam-se apenas nas aristocracias capitalistas mais ricas: para cada ‘democrata’ inglês, francês, holandês, belga, trabalha um certo número de escravos coloniais; ‘sessenta famílias’ governam a democracia nos Estados Unidos, etc. Elementos de fascismo crescem rapidamente em todas as democracias. O stalinismo é, por sua vez, o produto da pressão do imperialismo sobre o Estado operário, atrasado e isolado, e constitui, de certo modo, o complemento simétrico do fascismo”.

Bem antes da “semiologia” nascer, Trotsky advertia que “se os caminhos do inferno estão cheios de boas intenções, os do III Reich estão cheios de símbolos”, pois “se todo pequeno burguês encardido não pode virar Hitler, uma parte deste se acha em todo pequeno-burguês encardido”. O nazismo foi previsto nas suas características essenciais e nas suas piores conseqüências por Trotsky.      .