sábado, 8 de outubro de 2022

55 ANOS DA MORTE DE CHE GUEVARA: NOSSA HOMENAGEM AO COMANDANTE REVOLUCIONÁRIO QUE TOMBOU COM LIVRO DE TROTSKY EM SUA MOCHILA DEPOIS DE TER SIDO ABANDONADO POR POR FIDEL, O PC BOLIVIANO E A BUROCRACIA SOVIÉTICA

Ernesto Guevara foi covardemente assassinado em 8 de outubro de 1967, na Bolívia, pela sanguinária ditadura de Barrientos. Depois de o executarem, os gorilas assassinos a serviço do imperialismo cortaram suas mãos e sumiram com seu corpo, tentando apagar qualquer vestígio de sua existência sobre a face da terra. Porém, a memória dos oprimidos foi mais forte do que a sanha assassina dos exploradores. 55 anos depois, o exemplo do homem, que deixou cargos e honras para sacrificar sua própria vida em outro país, lutando para expandir a revolução socialista, continua vivo e agiganta-se na medida em que a barbárie capitalista arrasta as massas à miséria e coloca na ordem do dia a luta pelo socialismo em todo o mundo. Che Guevara levava em sua mochila e lia, nos últimos meses de sua vida, quando combatia na Bolívia, uma cópia de um dos tomos da História da Revolução Russa, de Trotsky, livro este encontrado pelo exército boliviano no acampamento guerrilheiro. Anos antes ele havia lido a trilogia de Isaac Deutscher sobre o fundador da IV Internacional. Isto mostra o interesse que Guevara tinha em conhecer mais a obra do revolucionário russo e dirigente da Revolução de Outubro, ainda que não se declarasse simpático ao trotskismo, apesar da burocracia stalinista soviética tê-lo acusado de tal “heresia”. Che morreu isolado por Fidel e abandonado pelo Partido Comunista da Bolívia, uma política literalmente criminosa do Stalinismo mundial.

Ressaltamos esses aspectos por que neste momento em que o Império ianque volta a fazer provocações contra Cuba, exigindo a saída de seus embaixadores do país, o legado do Che vigora como um guia revolucionário para as novas gerações de combatentes internacionalistas. Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de junho de 1928 na cidade de Rosário, Argentina. Era o primeiro dos cinco filhos de Ernesto Lynch e Célia de la Serna y Llosa, família de origem aristocrática, proprietários de terras. A mãe descendia do último vice-rei do Peru. Nascido de oito meses, Guevara teve pneumonia logo após o primeiro mês de vida e sofreu a primeira crise de asma, doença que o acompanharia até a idade adulta, antes dos dois anos de idade. Em busca de um clima melhor para o filho, o casal fixou residência em Altagracía, uma pequena estância de veraneio na região serrana de Córdoba, onde Guevara viveu sua infância e adolescência, marcada pela Guerra Civil Espanhola e pela Primeira Guerra Mundial, quando o pai fundou a Ação Argentina, organização antifascista em que inscreveu o filho. Em Córdoba, o jovem Guevara conheceu os irmãos Tomás e Alberto Granado, amigos com os quais viveu suas primeiras aventuras. Em 1946, a família mudou-se para Buenos Aires, onde Ernesto Guevara matriculou-se na Faculdade de Medicina e formou-se em junho de 1953 como especialista em alergia. Apesar da asma, causa da sua dispensa do serviço militar obrigatório, o jovem Guevara tornou se um grande nadador. Desde cedo desenvolveu um fascínio por viagens, que o levaria em 1949, aos 21 anos a percorrer o norte da Argentina numa bicicleta motorizada por ele mesmo construída. No ano seguinte inscreveu-se como enfermeiro na marinha mercante e viajou por vários países, inclusive o Brasil. Em 1952 fez com seu amigo Alberto Gramado uma viagem de 10.000 Km numa Norton 500, percorrendo cinco países em oito meses. Essa viagem marca sua crescente politização diante da pobreza e da exploração dos povos da América Latina. 

AS EXPERIÊNCIAS NA BOLÍVIA E GUATEMALA MARCAM O CAMINHO DE CHE 

Embora a maioria dos biógrafos tenham dado mais destaque às viagens realizadas por Guevara até 1952 para a formação de sua personalidade, sem dúvida foram as impressões das profundas experiências da luta de classes na Bolívia e na Guatemala que decidiram os rumos da vida do jovem idealista Ernesto. Logo após terminar o curso de medicina, Ernesto Guevara partiu numa nova viagem. Estava com 25 anos e desta vez não retornaria mais a Argentina. Sua primeira parada foi a Bolívia. Passou cinco semanas em La Paz, que já vivia sob o governo reformista de Paz Estensoro, produto da traição e derrota da revolução proletária de 1952. O contato com o proletariado mineiro no ainda fumegante palco da primeira e única revolução proletária da América do Sul, o impactou suficientemente para acreditar quase 15 anos depois que aquele país reunia condições mais favoráveis à luta guerrilheira que qualquer outro no continente. Che observou que o “equilíbrio instável” do “duplo poder”, no qual coexistiriam contraditoriamente o governo burguês e exército com a COB, milícias operárias e camponesas, favorecia a absorção do poder pela burguesia, o que veio a acontecer. “O proletariado e o campesinato deveriam, para o Che, ser capazes de pegar o poder e mantê-lo. Do contrário, a burguesia, reconstituindo o exército, massacraria as massas operárias e camponesas, absorveria os movimentos populares e tomaria conta da revolução” (Guillermo Almeyra, “Aspetti fondamentali della strategia guevarista”, 1984). O dirigente da COB, Juan Lechin, inspirador da política de colaboração de classes, apoiada inclusive pelo POR bolivano, veio a ser um dos principais responsáveis pela derrota da guerrilha de Che na Bolívia em 1967. 

Em 24 de dezembro de 1953, chega na Guatemala, onde o presidente Jacobo Arbenz Guzmán iniciara um amplo programa de reforma agrária, expropriando as terras da poderosa empresa norte-americana United Fruit. Arbenz era um líder nacionalista pressionado pelas massas que acreditava em uma revolução antiimperialista, democrática e pacífica, pela modernização do capitalismo em seu país. O stalinista Partido Guatemalteco do Trabalho (PGT) defendia que a revolução deveria ser liderada pela “burguesia progressista” e respeitar a propriedade privada dos meios de produção, recusando-se a organizar de forma independente e revolucionária a luta antiimperialista e anticapitalista. A 18 de junho de 1954, mercenários pagos pelos americanos e apoiados por amplos setores burgueses que o PC qualificava de “progressistas” invadem o país, processando um golpe militar que derruba o governo constitucional de Arbenz e instala a ditadura do coronel Castillo Armas, fiel aos interesses exportadores da United Fruit, cujas terras são devolvidas. Guevara, que toma parte da luta oferecendo-se como médico voluntário e alistando-se na brigada juvenil para receber instrução militar, saca suas embrionárias conclusões, depois relatadas ao jornalista argentino Jorge Ricardo Masetti: “Não obtive cargo algum no governo de Arbenz. No entanto, ao configurar-se a invasão norte-americana, tratei de formar uma pequena tropa de gente jovem, eu mesmo incluído, para opor-me aos 'aventureiros fruteiros' da United Fruit. Na Guatemala era necessário lutar, mas quase ninguém lutou. A resistência devia ser implementada, mas quase ninguém quis fazê-la”. 

Na Guatemala, Guevara conheceu a peruana Hilda Gadea, militante comunista, com quem se casaria em maio de 1955. Já era admirador da URSS e trabalhava como médico para sindicatos de trabalhadores. Perseguidos pelo novo regime (ele teve que se asilar na embaixada argentina e Hilda chegou a ser presa), tiveram que deixar o país, acompanhando uma leva de exilados que se dirigiu ao México em setembro de 1954. Chega ao México com um amigo, Julio Roberto Cáceres “El Patojo”. No México, Che e Patojo, quase na miséria, trabalham como fotógrafos ambulantes. Em junho de 1955 Che Guevara se encontrou com Fidel Castro e os cubanos exilados do "Movimento 26 de Julho". Fidel comandava a oposição ao regime ditatorial de Fulgêncio Batista e planejava o retorno a Cuba para derrubar o governo pró-imperialista ianque. No dia 25 de novembro de 1956, 82 homens partem a bordo do velho iate Granma. A bordo estava Che, que integrou a expedição como médico, apesar das crises crônicas de asma. 

No desembarque, no dia 2 de dezembro, são cercados e atacados pelos soldados de Batista numa emboscada, sobrando apenas 12 homens. Che Guevara teve de abandonar sua maleta de medicamentos para carregar uma caixa de munição. Desde então foi se destacando entre os combatentes que se refugiaram em Sierra Maestra. Em 1957 Che é nomeado comandante da 2ª Coluna, que em 1º de janeiro de 1959 toma a cidade de Santa Clara, dando início ao triunfo da Revolução Cubana. Após a vitória da revolução, Che assume o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA) e o Banco Nacional. Em 1961 Che assumiu o Ministério da Indústria. As relações entre o governo de Fidel e os EUA tornam-se tensas a partir do momento que este tenta diminuir o domínio norte-americano sobre a economia cubana. Em abril de 1961 a CIA tentou invadir Cuba com um exército de mercenários e refugiados cubanos. A invasão da Baía dos Porcos resultou num fracasso total. 

Em janeiro de 1962, em uma reunião da OEA, em Punta del Este, Che denunciou o imperialismo ianque e seus aliados e defendeu o caráter continental da revolução latino-americana. Na chamada “Crise dos Mísseis” de 1962, Che se sentiu “traído” pela burocracia soviética que retirou seu armamento de Cuba sem avisar ao governo da Ilha, capitulando assim, à pressão do imperialismo. Aprofundaram-se as divergências entre Fidel Castro, que tomou a defesa da política de Moscou na ruptura sino-soviética, louvando a política de “coexistência pacífica” e Che Guevara, que postulava a guerrilha como método para enfrentar o imperialismo na América Latina. Enquanto Fidel adotava a política stalinista de socialismo em um só país, Che estava mais interessado em propagar a revolução socialista e fazia apelos em favor da luta armada dos povos oprimidos. Em 11 de dezembro de 1964 discursa na ONU e oferece o apoio de Cuba para as lutas de libertação nos países atrasados. 

Em 1965, Che retirou-se da vida pública, abandonou os cargos que ocupava em Cuba e participa de alguns combates no Congo Belga entre agosto de 1965 e março de 1966. Em setembro de 1966 chega à Bolívia para estabelecer foco guerrilheiro. Além da tradição revolucionária do proletariado mineiro, também influiu na eleição da Bolívia por Che, a posição geograficamente estratégica deste país que está no centro do continente sul-americano. Isolado e traído pelo stalinista PC boliviano, no dia 8 de outubro de 1967, Che travou o último combate contra o Exército boliviano no vale do rio Yuro, onde foi ferido e capturado com vida. Em 9 de outubro, Guevara foi executado covardemente pelos lacaios do imperialismo ianque. O sargento Mário Teran foi o assassino que empunhou a arma e cumpriu a ordem emitida diretamente pelo ditador René Barrientos. 

CHE, ENTRE O ETAPISMO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO DO STALINISMO E A REVOLUÇÃO PERMANENTE NA AMÉRICA LATINA 

Na América Latina, vários Partidos Comunistas se criaram sob a inspiração e prestígio da Revolução Bolchevique, mas também se degeneraram posteriormente com a contrarrevolução política decorrente da ascensão da burocracia stalinista em 1924. O dirigente da revolução de 1917, Leon Trotsky, desenvolveu a teoria marxista da Revolução Permanente a partir da experiência russa, estendendo-a a todos os países atrasados do planeta. Ele compreendeu que nos países de desenvolvimento capitalista atrasado, como eram todos na América Latina, os capitalistas locais eram incapazes de cumprir um papel progressista, pois temia mais a revolução proletária como a realizada na Rússia atrasada, do que o imperialismo e as oligarquias fundiárias a quem estavam atados. Portanto, somente o proletariado urbano, apoiado nas camadas empobrecidas da pequena-burguesia urbana e rural seria capaz de travar uma luta consequente contra a dominação imperialista e a reação latifundiária, libertando o país através de uma luta pela tomada do poder através da revolução violenta também contra a chamada burguesia liberal nacionalista para instaurar a ditadura do proletariado, assumindo assim não só tarefas democráticas (reforma agrária, contra o analfabetismo, etc.) e libertação nacional mas também socialistas, ou seja, contra o direito de propriedade burguês. 

Todavia, a influência burocrática de Moscou impôs uma política contrarrevolucionária aos PC´s de conduzirem a luta de classes a reboque das burguesias nacionais. Sem chegar a concluir sua evolução teórica, Che vai gradativamente tomando distância das concepções etapistas stalinistas: “As burguesias nacionais não são capazes, em geral, de manter uma atitude conseqüente de luta frente ao imperialismo. Demonstram que temem mais a revolução popular do que os sofrimentos sob a opressão e o domínio despótico do imperialismo que esmaga a nacionalidade, o sentimento patriótico e coloniza a economia. A grande burguesia se enfrenta abertamente com a revolução e não vacila em aliar-se ao imperialismo e ao latifúndio para combater o povo e bloquear-lhe o caminho à revolução” (Cuba: Exceção histórica ou vanguarda na luta contra o colonialismo?, E. Guevara. Revista Verde Olivo, 1961). 

Frente às criminosas traições dos PC´s a todos os processos revolucionários, a aparição de Che, como dirigente da revolução cubana, atraiu milhares de lutadores desconfiados com o stalinismo em todo o mundo. Só para citar dois exemplos que cercam a própria trajetória de Che: 1) A própria revolução cubana foi feita com o PC na barricada oposta. Em 1942, o PC cubano possuía dois ministros no governo Batista. Quando Che e Fidel iniciam a guerrilha, são atacados publicamente pelo PC como “aventureiros” e Raul Castro é expulso do partido; 2) Che apóia a guerrilha de Douglas Bravo na Venezuela contra a política do PC daquele país orientado por Moscou; 3) Imediatamente depois dos limites políticos do próprio foquismo guevarista, deve-se computar como causa fundamental da derrota de Che na Bolívia a traição que o PC daquele país, defensor da desastrosa política de frente popular com setores da burguesia nacional, orquestrou contra a guerrilha. Entre os traidores que colaboraram com o assassinato de Che é preciso contabilizar o Secretário Geral do Partido Comunista, Mario Monje Molina, e outros como Jorge Kolle Cueto e Juan Lechín Oquendo, que era presidente da Central Obrera Boliviana e foi recompensado por suas traições à revolução boliviana de 1952 e depois à guerrilha de Che com nada menos que a vice-presidência do país anos mais tarde. Os três haviam se comprometido a prestar apoio logístico, alimentos e medicamentos para a guerrilha e, deliberadamente, sabotaram toda a ajuda. 

O LEGADO POLÍTICO DE CHE DEIXADO PARA AS FUTURAS GERAÇÕES REVOLUCIONÁRIAS 

Che, como ficou conhecido mundialmente, defendeu nos últimos anos de sua vida a necessidade de estender a revolução e impor o socialismo em toda a América Latina. Dedicou sua vida à defesa de suas convicções. Apesar dos seus erros de concepção e método, é dessa disposição conseqüente de que necessitam hoje as camadas revolucionárias do proletariado e da juventude para forjar autênticos partidos operários. Dele, reivindicamos a luta pela revolução socialista mediante a ditadura do proletariado e a atitude antiimperialista. Concordamos com Che quando diz que é necessário combater o imperialismo em todo o planeta: “temos que considerar que o imperialismo é um sistema mundial, última etapa do capitalismo, e que é necessário combatê-lo em uma grande conflagração mundial” (Mensagem aos povos do mundo através da Tricontinental, Criar dois, três...muitos Vietnãs, 16 de abril de 1967). 

Também concordamos com Che quando afirma que as “burguesias autóctones perderam toda sua capacidade de oposição ao imperialismo – se alguma vez a tiveram – e agora são apenas seu reboque. Não há mais mudanças a fazer ou revolução socialista ou caricatura da revolução” (Idem). Estamos de acordo com Che em que “todos os países deste continente estão maduros para uma luta de tal tipo, que, para ser triunfante, não pode conformar-se com menos que a instauração de um governo de tipo socialista (Idem). Nenhum revolucionário sério pode discordar das três definições gerais assinaladas por Che: a necessidade de derrubar o capitalismo em escala mundial, a incapacidade das burguesias “nacionais” de ter um papel revolucionário e a maturidade das condições para impor governos que lutem pelo socialismo. Lenin já havia definido tudo isto em “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, ratificado por Trotsky em seu livro a “Revolução Permanente”, os dois dirigentes mais importantes da Revolução de Outubro de 1917. 

Mas os bolcheviques russos trabalharam incansavelmente ao longo de várias décadas nas fábricas mais importantes da Rússia para elevar a classe operária industrial à altura das suas tarefas históricas. Estiveram com elas na Revolução de 1905, logo depois da derrota da mesma e no novo ascenso aberto a partir de 1910. Nos fluxos e refluxos, lutaram tenaz e pacientemente para que os destacamentos mais avançados mobilizassem sua classe para impor a ditadura do proletariado e a luta pela estensão da revolução em escala mundial. Quando os sovietes de operários, camponeses e soldados, em 1917, reconheceram no programa e na direção dos bolcheviques o seu próprio programa e partido, a burguesia foi derrubada. Nascia, assim, a primeira revolução proletária vitoriosa que mostrava aos explorados o caminho para derrubar o capitalismo em todo mundo. 

A história comprovou que é na construção de um partido de quadros revolucionários profundamente enraizado na classe operária que reside a possibilidade da chegada ao poder das massas. Por seu papel na produção e por desenvolver métodos de luta coletivos (greves, manifestações de massa, assembléias, revogabilidade de mandatos) é a classe operária que pode gestar os organismos de poder, os conselhos populares e garantir a própria democracia operária. Entretanto, esse não foi o caminho seguido por Che, que defendeu a tese do foco insurrecional como exemplo para despertar as massas oprimidas, um atalho para a revolução. Não fossem condições extremamente excepcionais (negativa do imperialismo e da burguesia nativa em estabelecer um acordo de “convivência pacífica” como queria o M-26, greve de massas nas cidades, etc.), o próprio Che não teria alcançado nenhum triunfo, como mostraram suas próprias experiências na África e na América Latina. Quando os movimentos guerrilheiros chegaram ao poder (Cuba, Vietnã, Nicarágua) foram sob condições excepcionais em que a luta de classes combinou a fragilidade do domínio imperialista, crises interburguesas e mobilizações operárias que debilitaram o Estado capitalista, facilitando o caminho da luta guerrilheira ao poder. Todavia, em nenhuma situação a vitória da guerrilha abriu espaço para a instauração de governos baseados na democracia operária. Do contrário, por vezes originaram regimes extremamente débeis que, buscando a instauração de governos de frente popular, entregaram de volta o poder para os representantes tradicionais da burguesia como foi o caso da Nicarágua. 

AS CONTRADIÇÕES DA TEORIA DO FOCO INSURRECIONAL 

Mesmo reconhecendo a disposição subjetivamente revolucionária de Che, não deixamos de assinalar, ao mesmo tempo, os equívocos de sua política. Che afirmava que “há argumentos fundamentais que, no nosso conceito, determinam a necessidade da ação guerrilheira na América como eixo de luta” (A guerra de Guerrilhas, um método, setembro de 1963). Para defender a teoria do foco insurrecional, Che Guevara argumentava que “os combates não seriam meras lutas de ruas, de pedras contra gases lacrimogêneos, nem de greves gerais pacíficas; nem será a luta de um povo enfurecido que destruirá em dois ou três dias os andaimes repressivos dos oligarcas governantes, será uma luta longa, cruenta, onde sua frente estará nos refúgios antiguerrilheiros, nas cidades, nas casas dos combatentes” (Mensagem aos povos do mundo através da Tricontinental, Criar dois, três...muitos Vietnãs, 16 de abril de 1967). 

A posição defendida por Che apresenta uma falsa contradição entre “greves gerais pacíficas” e “guerras de guerrilhas”, porque a história já havia demonstrado na Rússia e também, embora pela negativa, na Bolívia de 1952, que as greves gerais também podem ter um caráter insurrecional e que o proletariado armado pode derrotar os destacamentos armados da burguesia e avançar para a construção de um Estado operário. Enquanto para Lenin, o paciente trabalho do partido revolucionário nas fábricas e nos sovietes era a condição básica para elevar o proletariado às condições de cumprir a tarefa histórica da tomada do poder, para Che o caminho poderia ser encurtado através da ação decidida de um punhado de guerrilheiros. 

Seguindo essa via, Che empreendeu a ação guerrilheira na Bolívia que não atraiu o apoio sequer de alguns setores da classe operária e dos camponeses, resultando num trágico fracasso. Uma tragédia que poderia ter sido prevista, uma vez que as lutas dos camponeses bolivianos atravessavam uma etapa de refluxo, pois ainda sofriam as conseqüências da derrota da Revolução de 1952. A verdadeira contradição, portanto, está entre as posições gerais de Che em defesa da revolução e do socialismo e o seu método de privilegiar a guerra de guerrilhas a partir de um foco isolado, como exemplo para despertar as massas. 

O exemplo do Vietnã é reivindicado por Che como o caminho a seguir para os povos oprimidos dos paises coloniais e semicoloniais em suas lutas contra o imperialismo. Entretanto, Che não menciona que os líderes vietnamitas tentaram estabelecer acordos e governos de coalizão com os chamados setores “progressistas” da burguesia nacional que o próprio Guevara considerava contra-revolucionária. Só os pesados bombardeios do imperialismo contra o povo vietnamita, com a colaboração direta da burguesia nacional, obrigaram Ho Chi Min a lutar pela expulsão do imperialismo, pela tomada do poder contra a burguesia vietnamita e pela instauração de um Estado operário. 

O próprio Movimento 26 de Julho (M26), que nasceu de um setor radicalizado da oposição pequeno-burguesa do Partido Ortodoxo, no chamado de Sierra Maestra, de 9 de janeiro de 1958 afirmava: “alguém pensa que nós, os rebeldes de Sierra Maestra, não estamos por eleições livres, por um regime democrático e um governo constitucional?” (citado por Mario Llorena, Revolução Insuspeita). Para implementar esse objetivo, em julho, através do Pacto de Caracas, o M26 constituiu a Frente Cívico-Revolucionária Democrática. Por meio desse acordo, o primeiro presidente cubano depois da revolução de 1959 foi o juiz burguês Manuel Urrutía, que gozava da simpatia dos Estados Unidos. 

Um ano antes da derrubada de Batista, é o próprio Che quem reivindicava o apoio de setores da burguesia ao Movimento 26 de Julho: “é que esta revolução nacional, fundamentalmente agrária, mas com a participação entusiasta de operários, de gente da classe média e ainda com o apoio dos industriais, tem adquirido transcendência continental mundial” (A guerra de guerrilha, epílogo, análise da situação cubana, seu presente e seu futuro, 1960). Em outras palavras, até aquele momento o Che defendia a instauração de um governo de colaboração de classes. 

Mas, em 1967, embora tivesse evoluído programaticamente, chegando à conclusão de que é inútil confiar em qualquer setor da burguesia autóctone, Che Guevara permanecia, entretanto, ainda atrelado ao método da guerrilha pequeno-burguesa, que por mais heróica que seja, implica na renuncia à luta dentro do movimento operário por arrancá-lo da influência de seus dirigentes reformistas que levam ao conjunto da luta revolucionária à derrota. O voluntarismo guerrilheiro não pode substituir os passos que somente o próprio movimento operário pode dar. Não por acaso, para Lenin, “o partido do proletariado não pode nunca considerar a guerra de guerrilha como o único ou inclusive o principal método de luta. Este método, deve subordinar-se aos outros” (A guerra de guerrilhas, 30 de setembro de 1906). 

Lamentavelmente os equívocos foquistas guevaristas inspiraram gerações inteiras de lutadores sociais que romperam empiricamente com a política conciliadora dos PC´s e trataram de adotar a via guerrilheira como elixir para seus desvios (ALN, Polop, VAR-Palmares, etc., no Brasil; PRT-ERP, na Argentina). Não encontraram o caminho correto, nem do ponto de vista programático, nem prático para a construção do partido revolucionário, nem tampouco para a revolução social, sacrificando-se em ações militares entre a vanguarda guerrilheira e forças policiais e do Exército burguês, que acabaram ceifando a vida de centenas de combatentes. 

UMA GUINADA EMPÍRICA À ESQUERDA E O NASCIMENTO DE UM ESTADO OPERÁRIO DEFORMADO 

Foi a própria dinâmica da luta de classes que, sob condições extremamente excepcionais, levou o Movimento 26 de Julho a avançar para a construção de um Estado operário a partir de 1961. Durante o transcurso dessa luta, as terras dos latifundiários foram expropriadas e os serviços públicos colocados sob o controle do Estado. O imperialismo ianque exigiu que o novo governo voltasse atrás nas medidas que ameaçavam a propriedade dos capitalistas. Para alcançar seu objetivo promoveu inclusive uma invasão militar e impôs um bloqueio econômico sobre a Ilha. As pressões imperialistas se chocavam com as aspirações revolucionárias das massas que impactaram o Movimento 26 de Julho, forçando sua radicalização e a expulsão dos dirigentes burgueses de suas fileiras. 

As convicções políticas de Che Guevara também foram evoluindo a partir da radicalização da revolução como produto do choque entre a pressão imperialista e os interesses das massas, como ele próprio reconhece: “o que temos pela frente depende muito dos Estados Unidos. Com a exceção da nossa reforma agrária, que o povo de Cuba desejava desde o início, todas as nossas medidas radicais foram uma resposta direta às agressões dos poderosos monopólios dos quais nosso país é o principal expoente. A pressão dos EUA sobre Cuba faz necessária a ‘radicalização’ da Revolução. Para conhecer aonde chegará Cuba, poderá se deduzir da resposta aonde propõe chegar os EUA” (La Nación, 09/06/61). 

Ao contrário dos bolcheviques russos, que desde o princípio lutaram pela ditadura do proletariado e o socialismo, apoiando-se nas massas revolucionárias organizadas nos sovietes, mesmo tendo surgido mais de 40 anos depois, o Castrismo girou à esquerda de forma empírica, como resultado das pressões antagônicas do imperialismo e das massas. O próprio Estado operário cubano, apoiado na expropriação das fábricas, terras e bancos, só veio à luz dois anos depois da queda de Batista, já que nos primeiros meses do regime castrista o que existiu foram tentativas de conciliação com a burguesia. 

Assim, o Estado operário cubano já nasceu deformado devido às conseqüências excepcionais que o engendraram e ao fato de ter à sua cabeça uma direção que havia guinado abruptamente de modestos objetivos democrático-burgueses para profundas medidas anticapitalistas. Ao contrário do Estado operário soviético, durante a vida de Lenin, que se apoiava nos sovietes a partir dos quais as massas exerciam a democracia direta, o Estado operário cubano, que gozava de enorme confiança das massas, não se apoiava em sovietes nem se orientava para a expansão da revolução mundial. 

O próprio Che admitia a ditadura do “grupo de vanguarda” sobre as massas ao afirmar que “o grupo de vanguarda é ideologicamente mais avançado que as massas. Estas conhecem valores novos, mas insuficientes. Enquanto nos primeiros se produz uma mudança qualitativa, que lhes permitem ir ao sacrifício em função mais avançada, nos segundos só virá aos poucos, devendo ser submetidos a estímulos e pressões de certa intensidade, é a ditadura do proletariado exercendo-se não só sobre a classe derrotada, mas também individualmente sobre a classe vencedora” (O socialismo e o homem em Cuba, 1965). Todavia, o “grupo de vanguarda” em 1958, desejava apenas reinstaurar o regime constitucional burguês, sem afetar os interesses e a propriedade dos capitalistas. 

Na experiência cubana, ao contrário dos bolcheviques russos que assinalaram de antemão o caminho a ser seguido pelas massas revolucionárias, foram as massas que, ao avançarem na expropriação das terras, mobilizaram-se contra as exigências dos monopólios e pegaram em armas para combater a invasão imperialista, provocando a radicalização do “grupo de vanguarda” e da própria revolução. 

A radicalização do governo, entretanto, parou na expropriação dos capitalistas em nível local, não avançando na luta pela estensão da revolução em escala mundial. Na década de 60, o castrismo auspiciou a Tricontinental, agrupamento latino-americano de organizações de esquerda, que defendia serem factíveis acordos “revolucionários” com os setores “progressistas” das burguesias nacionais, repetindo a estratégia original do M26 desde Sierra Maestra. Fidel Castro foi se subordinando progressivamente aos imperativos da burocracia do Kremlin e também desenvolvendo uma política de “coexistência pacífica”. No Chile, apoiou a ilusão suicida de Salvador Allende, de chegar ao “socialismo” por vias pacíficas (patrocinando as mesmas ilusões de vários nacionalistas burgueses como o gualtemalteca Arbenz), sem expropriar os capitalistas e destruir o Estado burguês; na Nicarágua, apoiou a conciliação com a burguesia e a economia mista que levou os sandinistas a sucumbirem diante dos Chamorros; em El Salvador, defendeu a negociação da guerrilha, que tinha apoio de massas, com o governo genocida de Cristiani. Mais recentemente, através da política burguesa do Fórum de São Paulo, Raul Castro iniciou um perigoso processo de aproximação política com o imperialismo ianque, através da ala supostamente "progressista" do Partido Democrata. 

Com a queda contrarrevolucionária do Muro de Berlim e a liquidação da URSS, Castro adotou uma série de medidas de mercado para incrementar a atividade econômica em Cuba. O desaparecimento das condições vantajosas do comércio de Cuba com o Leste europeu e, fundamentalmente com a URSS fez cair as exportações cubanas em mais de 70% entre 1989 e 1993. Em reposta ao bloqueio econômico imposto pelo o imperialismo, o governou cubano flexibilizou o monopólio estatal do comércio exterior, permitiu investimentos de capital estrangeiro em ramos centrais da economia, autorizou a remessa integral dos lucros e dissolveu a Junta Central de Planificação, órgão responsável pela planificação da economia do Estado operário. 

DEFENDER INCONDICIONALMENTE O ESTADO OPERÁRIO CUBANO DIANTE DA CONTRARREVOLUÇÃO IMPERIALISTA 

Partindo das lições adquiridas com a restauração capitalista na União Soviética e no Leste europeu, o imperialismo ianque levanta cinicamente a bandeira da defesa das liberdades democráticas no Estado operário cubano para garantir que a reacionária Igreja Católica e as organizações contra-revolucionárias possam trabalhar livremente pela sua liquidação. O imperialismo ianque procura estimular o descontentamento popular, em parte provocado pela escassez decorrente do bloqueio econômico, mas, fundamentalmente, devido aos privilégios da burocracia stalinista, para defender a abertura política e econômica para integrar Cuba ao mundo capitalista na condição de uma semicolônia. 

A burocracia castrista, que visa manter a política de “coexistência pacífica”, liquidará o Estado operário cubano, cedendo às pressões do imperialismo e fazendo enormes concessões aos bandos contra-revolucionários. Por outro lado, as medidas adotadas pelo governo de Raúl Castro alimentam em setores da própria burocracia o desejo de se tornarem novos burgueses, como ocorreu na Rússia e no Leste europeu, aumentando o risco de contrarrevolução interna. Frente às provocações imperialistas e à ameaça de contrarrevolução, os Marxistas Revolucionários de todo o mundo devem se colocar pela defesa incondicional do Estado operário cubano, pela liberdade de organização para partidos que defendam o Estado operário com base no programa revolucionário de Lenin e Trotsky, preparando as condições para construir uma revolução política que ponha abaixo a burocracia parasitária e coloque o Estado operário na vanguarda da luta pela revolução mundial, para que, como dizia Che, “se desenvolva um verdadeiro internacionalismo proletário; com exércitos proletários internacionais, onde a bandeira sob a qual se lute seja a causa sagrada da redenção da humanidade” (Mensagem aos povos do mundo através da Tricontinental, Criar dois, três...muitos Vietnãs, 16 de abril de 1967). 

O Antiimperialismo e o internacionalismo proletário são, pois, o principal legado que reivindicamos de Che Guevara, que mesmo em sua evolução empírica soube perfeitamente direcionar sua crítica à burocracia do Kremlin, nos marcos da manutenção das bases sociais da URSS e em defesa da extensão da revolução. Ainda no governo cubano, Che criticou duramente a direção burocrática da URSS em um seminário na Argélia, em 24 de fevereiro de 1965, acusando-a de não apoiar os processos revolucionários na Ásia e na África. Entre 4 e 18 de novembro de 1964, Guevara visitou Moscou, liderando uma delegação cubana. Depois de discutir com Vladimir Trapeznikov, um dos principais defensores das reformas econômicas na União Soviética, com membros do PCUS e com estudantes, foi acusado de trotskista. Decepcionado, escreverá mais tarde o esboço de um livro contra os manuais de Economia Política soviéticos, criticando abertamente os princípios do chamado “socialismo científico” e defendendo sua teoria do Sistema Orçamentário de Financiamento. Para ele, desde Lenin, pouco fora acrescentado para atualizar as interpretações do marxismo, com uma ou outra exceção, e que a União Soviética se tornaria no futuro um país capitalista caso continuasse no curso de suas reformas. O livro, porém, nunca foi divulgado oficialmente. Em relação às acusações de trotskismo, Guevara afirmou que “por outro lado, choviam as acusações de trotskismo. Neste sentido, creio que, ou temos a capacidade de destruir as opiniões contrárias ou temos que deixar que se expressem. (…) Não é possível destruir as opiniões com a força, porque isto bloqueia todo o livre desenvolvimento da inteligência”. Ao invés de se subordinar à burocracia soviética e sua política de “coexistência pacífica”, Che abandonou seus cargos no governo cubano, aprofundou suas críticas à burocracia soviética por não apoiar conseqüentemente a cruzada antiimperialista do povo vietnamita e partiu para a selva boliviana com o objetivo de expandir a revolução. Em represália, o stalinismo, Fidel e o PC da Bolívia, tratou de isolá-lo e traí-lo em sua empreitada guerrilheira na Bolívia. 

Aos 39 anos de idade, em 1967, há 54 atrás, quando sua trajetória de evolução teórica e política foi interrompida pela selvagem repressão dos lacaios do imperialismo e da ditadura Barrientos, Che Guevara compreendia claramente que não havia possibilidade de acordos com as burguesias nacionais e o único caminho para arrancar as massas da miséria, da exploração e da opressão imperialista era a luta pelo socialismo e pela revolução mundial, o que para nós Trotskistas da LBI deve ser fruto de um combate político e ideológico forjado através da construção do partido comunista revolucionário mundial, a IV Internacional.