105 ANOS DO NASCIMENTO DE VIOLETA PARRA: NOSSA HOMENAGEM A ETERNA TITÃ DA MÚSICA LATINO AMERICANA!
Violeta Parra, cantora e compositora chilena, nasceu em 4 de outubro de 1917 e decidiu deixar este mundo em 5 de fevereiro de 1967. A artista partiu aos 50 anos, carregando a poesia de "Gracias a la vida" e outros manifestos poderosos musicados em grandes obras políticas. Violeta foi um dos principais nomes ligados à chamada Nueva Canción Chilena, movimento identificado com as transformações sociais do país entre os anos 1960 e 1970.
A cultura dominante tenta despojá-la de seu gume e rebeldia,
e a reivindica mundialmente por seu caráter folclorista e talentosa artista
multifacetada. Mas Violeta Parra é muito mais que isso, porque sua obra
representa a vontade essencial da arte popular: refletir a voz, as demandas e
urgências do povo, principalmente dos pobres do campo e da cidade.
Violeta del Carmen Parra Sandoval, mais conhecida como
Violeta Parra, nasceu no dia 4 de outubro de 1917, em San Fabián e Alico, no
sul do Chile. Filha de um professor de música e de uma camponesa, não teve uma
infância fácil. A família não era de uma classe privilegiada, necessitando
fazer diversas viagens dependendo de onde o pai conseguia emprego.
Numa dessas viagens, em 1927, a família muda-se para a
povoação de Villa Alegre. Lá Violeta conhece o circo e experimenta um contato
mais próximo com a cultura popular. Sua mãe fazia trabalhos de costura para
sustentar a família numerosa e ensinava canções populares aos filhos e filhas;
mais tarde essas canções inspirariam a menina a partir para os mais afastados
povoados, entrar em contato direto com as angustias e dores do público, fazendo
o uso de um gravador, recolhendo canções dos mais velhos, usando ela também da
linguagem popular, e, por fim, com o objetivo de compilar canções e retratar a
cultura chilena em seus versos.
Aos nove anos já era cantora e tocava violão. Frequentou a
escola que mais tarde teve que abandonar para trabalhar e ajudar
financeiramente a família. Com seus irmãos, cantou em restaurantes, pousadas,
circos, bordeis e nas ruas.
Após a morte do pai vai morar em Santiago. Em 1933, como
escreve Ana Cansado em seu artigo “Violeta Parra, referência da música e da
arte chilena”, dedica-se definitivamente a carreira musical e forma com a irmã
Hilda a dupla “Las Hermanas Parra”; a dupla canta músicas folclóricas, boleros,
rancheras, corridos mexicanos e outros estilos, nos bares do bairro Mapocho
como "El Tordo Azul" e "El Popular".
Chegou a acompanhar uma companhia de teatro por todo o país
com o nome artístico de “Violeta de Mayo”. Regressou a Santiago para trabalhar
na campanha presidencial de Gabriel González Videla que foi o candidato da
Aliança Democrática, formada por radicais, comunistas e democráticos e foi
presidente do Chile entre 1946 e 1952.
Tinha o espirito inquieto. Cantou em bares na zona
portuária, trabalhou em rádio e participou num grupo de teatro: não se adequava
ao ideal convencional de uma esposa. Em 1948, após a decepção amorosa,
separou-se do marido, Luis Cereceda. Na ocasião teria declarado: “estou me
separado. Ele não apreciava meu trabalho e eu nada fazia quando estava em sua
companhia. Ele queria uma mulher que limpasse e cozinhasse”.
Começou a pesquisar as raízes folclóricas chilenas em 1952,
compondo os primeiros temas musicais que a fariam famosa. Como conta Ana
Cansado, aprendeu, com Don Isaías Angulo, um camponês e guitarrista, a tocar o
guitarrón, um instrumento chileno original de 25 cordas que era pouco conhecido
no meio urbano. E, incentivada pelo seu irmão Nicanor, começou a investigar, a
compilar e a ensinar a autêntica música folclórica em todo o Chile. Abandonou o
seu antigo repertório e deu recitais, e promoveu cursos de folclore nas
Universidades de Iquique e Concepción, em escolas de verão e no Instituto
Chileno-Francês de Valparaíso.
Pesquisou ritmos, danças e canções populares chilenas,
chegando a catalogar cerca de 3 mil canções tradicionais. Algumas dessas
canções foram publicadas no livro: "Cantos folclóricos chilenos" e no
disco "Cantos campesinos", editado originalmente em Paris, onde viveu
um bom tempo. Aliás, seu trabalho não se restringiu apenas ao Chile: a artista
viveu na Europa, levando a música campesina chilena ao velho mundo. Cantou em
diversos países, como Polônia, Itália, Alemanha e União Soviética.
Chegou ter uma exposição no Louvre 1964 de suas pinturas,
óleos, serapilheiras e esculturas, tendo sido a primeira artista
latino-americana a ter uma exposição individual no museu. Ela era, portanto,
também artista plástica, e retratou nas suas obras, assim como em suas
composições, peculiaridades da cultura chilena e latino-americana.
Também em 1953, foi contratada pela Rádio Chilena para
produzir programas radiofónicos de música folclórica que impulsionaram um
rigoroso estudo das manifestações artísticas populares. Gravou pela editora
Odeón, duas das suas canções mais conhecidas: "Qué pena siente el
alma" e "Casamiento de negros". Recebeu em 1955 o Prêmio
Caupolicán, para a “Melhor Folclórista do Ano” da Associação de Cronistas de
Espetáculos, pelas gravações de “Qué pena siente el alma” e “Casamiento de negros”
e pelo seu trabalho como locutora e difusira do folclore nacional.
É conhecida como percursora da Nova Canção Chilena,
movimento musical que surgiu na América Latina na década de 1960 e que fazia
canções com denúncia social nas quais incorporava elementos do folclore musical
latino-americano. Sua música é universal, estendendo-se por diversos
continentes, representando a cultura chilena e sempre fiel as suas raízes.
Diversos artistas trataram de reinterpretar suas músicas.
Não só pela emoção das composições, mas também pela identidade que elas formam.
Ao ser regravada, a voz de Violeta continua ressoando as raízes do povo de um
continente inteiro e cantando resistência, reconhecimento, amor e liberdade.
Continua, enfim, sendo ouvida.
Violeta Parra é a
precursora indiscutível da “nova canção chilena”, movimento artístico que dotou
o folclore de conteúdo social e político. Por mais que o velho Estado do Chile
faça um museu com seu nome, onde só cabe uma Violeta Parra inofensiva, o povo e
os artistas populares democráticos recordam-se dela por suas letras de denúncia
sem quartel. Porque, para a cultura dominante, reconhecer o aspecto político em
Violeta Parra seria uma bofetada em sua cara imunda de exploração e injustiça
social.
A irrupção de Violeta Parra na história da música chilena
acompanha e é reflexo da agudização da luta de classes nos anos de 1950-60,
anos de levantamentos operários e camponeses.
Violeta é oriunda de Ñuble, província localizada no
centro-sul do Chile. Essa região, historicamente dominada pelo latifúndio, foi
o campo fértil para o desenvolvimento de uma rica cultura folclórica, da qual
Violeta Parra foi parte. Filha de um professor de música e uma camponesa, ela e
seus oito irmãos sofreram a perseguição por parte do governo do fascista Carlos
Ibáñez. Após a morte do pai, Violeta e seus irmãos passam a cantar em festas de
campo e circos para suportar a pobreza junto a sua família. Durante a infância
e juventude cantou em bares, restaurantes populares, viajando para a capital
Santiago no princípio dos anos de 1930.
Nessa época, a “canção chilena” era aquela promovida pelas
classes dominantes, grandes burgueses e latifundiários que procuravam mostrar
uma cultura à sua imagem e semelhança. Assim, o folclore oficial, como descreve
Osvaldo Rodríguez, busca dar “uma imagem paternal e bondosa do latifundiário,
que perpetuará a tradição das ‘famílias servis’ que nascem, vivem e morrem nas
fazendas patriarcais”.
Na década de 1950, Violeta inicia sua viagem para o fundo e
profundo, para os rincões periféricos do campo e da cidade, a desentranhar a
própria seiva de onde emana a pulsação viva da cultura popular.
Violeta percorreu os rincões de cada povoado, compilando a
verdadeira canção do Chile, desentranhando a riquíssima tradição oral, tanto
musical como poética, guardada pelos pobres. Ali descobriu, nas suas próprias
palavras que: “O Chile é o melhor livro de folclore já escrito”.
Durante a década de 1950 a luta de classes agita-se no país.
E assim nascem as primeiras composições políticas da cantora lúcida e mordaz,
implacável contra o explorador e sempre terna com o povo trabalhador. Nas
palavras de Violeta Parra, “a obrigação de cada artista é a de pôr seu poder
criador a serviço dos homens. Já está velho o cantar dos riozinhos e
florzinhas. Hoje a vida é mais dura e o sofrimento do povo não pode ficar sem
atenção do artista”.
Violeta militou no Partido Comunista do Chile, que nessa
época já havia abandonado o marxismo e tomado o caminho eleitoreiro. Mas,
apesar de sua curta militância política, Violeta Parra amava o povo e isso a
movia a tomar posição sempre pelos mais pobres, e inclusive a definir a si
mesma como uma comunista em sua canção A carta. Essa canção foi composta em
1960, motivada pela cruel repressão a um protesto popular no bairro José Maria
Caro, na cidade de Santiago, durante o governo de Jorge Alessandri, a quem
Violeta aponta como “um sanguinário”.
Cada verso de suas composições é como uma chicotada ao
descrever a miséria das massas: ao descrever “fileiras de casinhas” quando
percorria Santa Juana, localidade mineira do Norte do Chile, enquanto o sol
queimava em cima; ao descrever o despojo do povo Mapuche quando,
antecipadamente, cantou que “já não são os espanhóis os que lhes fazem chorar”;
ao denunciar a pobreza e a cumplicidade criminosa da Igreja Católica com o
velho Estado quando dizem ao pobre que “Deus não quer nenhuma revolução, nem
panfletos, nem sindicatos, que ofendem seu coração”; quando sentencia que o
“Chile compõe o centro da injustiça”.
Os que a conheceram descrevem-na como uma mulher inquieta,
efervescente e cheia de vida, e também que “possuía uma personalidade forte e
difícil” (Joan Jara, esposa de Víctor Jara). O cantor Patricio Manns, um dos
organizadores da Peña de los Parra1 assinala que Violeta “detinha um caráter no
qual se sintetizava uma das mais profundas ternuras femininas que jamais
conheci e um terremoto voluntarioso e agressivo, dominante e avassalador”.
Outro cantor popular chileno, Gitano Rodríguez, a propósito
de uma visita de Violeta ao porto de Valparaíso, destaca que “as pessoas a
respeitavam e a queriam, apesar de muito poucos saberem de onde vinha, quem era
e quais eram os fios que teciam sua armadura genial”. E sintetiza sua
impressão, assinalando que Violeta cantava “canções que tinham a virtude de ser
autênticas pedradas na fachada do oficialismo cultural da época”.
Em fevereiro de 1967, Violeta Parra se suicida na sua carpa
de La Reina, outrora um lugar festivo. O Gitano Rodríguez sintetiza: “era o
ponto final de sua interminável carta de amor e de dor, de seu canto de gritos
e de penas, de sua fúria e ternura ancestrais, de sua alegria de mulher, de
seus amores intermináveis como a chuva, de seus jogos infantis, sua clareza de
arrebol e o intrincado emaranhado de seu coração de caracol”. No entanto, o eco
desse canto segue aceso nos corações que palpitam no ritmo da rebelião e luta
contra a injustiça. Mulher, artista, pesquisadora, poeta, compositora,
politica: Violeta tem todos estes atributos, e deixa um legado imenso para a
América Latina e para o mundo.