Hoje se completa 24 anos do Massacre de Eldorado dos
Carajás, no sul do Pará. Ao todo, 21 camponeses foram mortos – 19 no local e
outros 2 no hospital – e dezenas ficaram feridos pela ação policial. Na época,
os sem-terra marchavam pela região em protesto quando, nas proximidades da
fazenda Macaxeira, foram abordados por policiais militares, que usaram do
aparato repressivo contra os trabalhadores. Policiais fortemente armados
abriram fogo e dispararam bombas contra centenas de camponeses que protestavam
pela desapropriação do latifúndio para “fins de reforma agrária”. A ordem de
abrir fogo contra a manifestação de camponeses partiu do coronel Mário Colares
Pantoja. A Perícia Judicial atestou que dez camponeses foram executados e sete
deles apresentavam ferimentos de objetos cortantes. Os 155 policiais militares
que participaram da operação foram indiciados. O Ministério Público os denunciou
por homicídio. Mas o judiciário do Estado burguês-latifundiário não agiu de
modo que o crime policial fosse apurado, as armas não foram devidamente
periciadas para identificar de onde partiram os tiros que ocasionaram as
mortes. O próprio Procurador Geral da República, Geraldo Brindeiro, considerou
o inquérito sobre Carajás repleto de imperfeições técnicas e determinou que a
Polícia Federal o refizesse, o que obviamente não surtiu grande efeito. O juiz
de primeira instância convocou júri popular, mas só dois policiais foram
condenados: o coronel Mário Pantoja, a 228 anos de prisão, e o major José Maria
Pereira de Oliveira, a 158 anos. Eles não cumpriram um ano sequer das
condenações centenárias. Tiveram o direito de recorrer em liberdade até que,
passados 16 anos, o juiz da 1ª Vara do Tribunal de Justiça do Pará determinou a
prisão do coronel Pantoja e do major Oliveira, os únicos policiais militares
condenados pelo massacre de camponeses. Desde a LBI compreendemos ser preciso
apoiar vigorosamente as mobilizações e lutas dos sem-terra e do MST, mas para
que sejamos realmente vitoriosos, para que conquistemos um país livre do jugo
imperialista, onde os interesses do proletariado e do campesinato pobre se
transformem em poder político, onde as massas tenham emprego e plenas condições
de vida é necessário não “mudar o modelo econômico” de neoliberal para
nacional-desenvolvimentista como prega a direção do MST — duas variantes
políticas do mesmo capitalismo decadente — mas expropriar a burguesia e seus
aliados, através do levante revolucionário das massas da cidade e do campo,
construindo um Estado operário, um passo na luta pelo socialismo.
Para defender as mínimas reivindicações operárias e
camponesas, atender os interesses mais elementares das massas, é preciso
enfrentar a burguesia, os grandes grupos econômicos, as FFAA e o imperialismo
com um programa de ruptura com o capital, pois os interesses das classes na
sociedade capitalista são antagônicos e irreconciliáveis. Um real programa
operário e camponês deve defender, para tirar as massas da miséria: a reforma
agrária com o confisco do latifúndio produtivo para dar terra aos camponeses
pobres; todo apoio às ocupações, a nacionalização da terra; garantir terra aos
sem-terra e posseiros bem como a propriedade dos pequenos produtores; a ruptura
com o FMI e o desconhecimento de todos os títulos dos agiotas financeiros, com
a expropriação das fábricas, terras e bancos sob o controle operário. Esse
programa somente poderá ser aplicado rompendo com a democracia capitalista e
suas instituições (parlamento, justiça), levando a cabo essas medidas através
de organismos de poder e organização dos trabalhadores da cidade e do campo, em
uma autêntica democracia de conselhos de operários e camponeses.
Nesse sentido, a reivindicação histórica de reforma agrária
defendida para garantir terra aos sem-terra é uma reivindicação justa, porque
consagra o acesso à propriedade aos trabalhadores, historicamente excluídos
pela burguesia e pelo latifúndio de terem um pedaço de terra para manter suas
famílias e garantir suas mais elementares condições de vida. Apesar da classe
operária se colocar pela abolição completa da propriedade privada, ela apóia
integralmente a reivindicação dos camponeses pobres por terra contra a classe
capitalista latifundiária, que também é sua inimiga histórica, estimulando a
sua associação em cooperativas ou a incorporação em fazendas coletivas
estatais. Dar terra aos camponeses é uma tarefa democrática incapaz de ser
realizada pelo capitalismo decadente e, como essa medida altera as relações
sociais no campo, os enfrentamentos entre os sem-terra e o latifúndio assumem
características revolucionárias em um país atrasado como o Brasil.
Em essência, a luta pela reforma agrária radical é um choque
entre a estrutura latifundiária e reacionária existente no país e a defesa da
pequena e média propriedade camponesa, um embate que enfraquece o Estado
semicolonial, que assenta sua dominação em uma aliança entre a oligarquia
agrária e a burguesia industrial. O MST reivindica a reforma agrária apenas em
terras improdutivas e acaba bloqueando a luta dos sem-terra em terras devolutas
e muitas vezes sem solo agricultável. A política do MST gera até mesmo o
comércio rentável das desapropriações, levando os latifundiários a receberem um
valor muito superior por suas terras, pago pelo INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), a título de indenização, em função das
ocupações coordenadas pelo MST em suas propriedades devolutas. Até mesmo terras
em processo de desertificação recebem altíssimas indenizações do INCRA. Essa
política busca estabelecer um acordo com os governos de plantão para impor uma
reforma agrária sem abalar a estrutura fundiária.
Ao contrário dessa política de colaboração de classes, a
resposta proletária à questão da terra é a expropriação geral e revolucionária
dos latifundiários sem indenização, através de milícias camponesas, pelo fim do
monopólio privado da terra e a sua nacionalização, garantindo terra aos
sem-terra e posseiros, bem como a propriedade dos pequenos proprietários
rurais, assegurando-lhes assistência técnica, crédito subsidiado ou negativo e
a comercialização da produção. O capitalismo, ao se desenvolver na agricultura,
pouco a pouco vai passando para as mãos da burguesia financeira, dos bancos,
dos industriais, dos grandes comerciantes e da burguesia agrária, as terras que
antes eram pertencentes tanto aos latifundiários como aos camponeses pobres,
apesar da maior parte do território nacional ainda estar nas mãos do latifúndio.
O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, enquanto levou novas
máquinas e técnicas para o campo, também colocou em relevo um novo proletariado
agrícola que vive em condições subumanas, sendo superexplorado por seus
patrões, como no corte da cana para as grandes usinas de cana-de-açúcar,
responsáveis pela fabricação do álcool. As mais produtivas propriedades rurais
brasileiras estão hoje nas mãos de grandes monopólios industriais e
financeiros. Apenas 46 grandes grupos econômicos controlam sozinhos 20 milhões
de hectares. Quase toda a produção agrícola é dominada por grandes empresas
agroindustriais pertencentes em maior parte aos grandes monopólios nacionais e
estrangeiros. 80% dos alimentos consumidos no Brasil, com exceção das verduras
e legumes, passaram por algum processo agroindustrial. Se geograficamente a
agroindústria representa pouco no que diz respeito à ocupação do solo, do ponto
de vista da produção e do PIB é o setor que alavanca a economia agrária
nacional. Os grandes monopólios e bancos controlam a produção agrária. Por
exemplo, a produção de tomates é controlada por 4 grandes monopólios: Arisco,
Gessy Lever, Círuis. O Grupo Votorantim é o maior produtor brasileiro de
laranjas e a Nestlê controlam o rebanho, da produção até a comercialização da
pecuária leiteira no Brasil. Nestes casos, onde há o desenvolvimento
capitalista da agricultura no campo, a tarefa revolucionária dos camponeses
pobres e do proletariado rural é expropriar as grandes empresas
agroindustriais, sem indenização, convertendo-as em propriedade coletiva sob a
direção dos trabalhadores e não repartindo as terras em pequenas propriedades,
o que acabaria com sua alta produtividade. Em síntese, é preciso levar a cabo a
revolução agrária, como parte da luta pela revolução socialista.
A enorme mecanização que vem ocorrendo no campo, o emprego e
o uso crescente do trabalho assalariado, o domínio sobre a quase totalidade da
produção agrícola e da pecuária de grandes monopólios financeiros, industriais
e bancários, a posse de terra nas mãos da burguesia não deixam dúvidas sobre o
predomínio do capitalismo na agricultura brasileira e, conseqüentemente, de que
a principal contradição no campo hoje é entre uma burguesia dona dos meios de
produção e, de outro lado, o proletariado rural e os camponeses pobres. A luta
pela terra em um país atrasado, com um desenvolvimento desigual e combinado,
onde convivem, lado a lado, a mais recente tecnologia de ponta na produção
agrária desenvolvida por grandes empresas capitalistas com a agricultura de
subsistência, justificam plenamente essas duas consígnias — reforma agrária e
revolução agrária — tarefas que se completam. Como dizia Trotsky: "Os
problemas centrais desses países coloniais e semicoloniais são: a revolução
agrária, isto é, a liquidação da herança feudal, e a independência nacional,
isto é, a derrubada do jugo imperialista. Estas duas tarefas estão
estreitamente ligadas uma à outra" (Trotsky, Programa de Transição).
Expropriar a burguesia agroindustrial e os latifundiários é tarefa colocada
para o proletariado rural e os lutadores classistas sem-terra, que devem ter a
certeza que só a sua ação direta guiada por um programa e um partido
revolucionário, efetivando a aliança operária e camponesa, pode derrotar o
poder capitalista no campo e na cidade!