Hoje completa-se 46 anos da Revolução dos Cravos, mais
de quatro décadas e meia se passaram do histórico e memorável 25 de abril de
1974 que sacudiu as ruas de Portugal! Atualmente, os trabalhadores lusitanos estão
sendo governados pelo PS sob o comando de Antônio Costa depois de vários
mandatos de gestão de direita PSD/CDS. Estão neste momento de Pandemia de
Coronavírus submetidos a um “Estado de Emergência” que ataca conquistas e
direitos. Não por acaso, o primeiro-ministro e secretário-geral
do PS, António Costa, afirmou: “E, de repente, um vírus pôs em causa, ameaça,
tudo aquilo que construímos ao longo destes quatro anos. Até parece que vamos
ter de recomeçar tudo do princípio, mas não vamos... Põe em causa aquilo que
construímos no emprego, na economia e nas nossas finanças públicas. Mas agora,
é também tempo de não só continuar a batalha pela nossa saúde, pela nossa
sobrevivência, mas também para que a economia possa de novo retomar a sua
trajetória, sustentar emprego, repor rendimento, e construirmos de novo um
esforço de relançamento”. Na mesma tonada, o secretário-geral do PCP defendeu
nas comemorações do 25 de Abril no parlamento, em tempos de pandemia de
covid-19 e alertou contra os discursos dos “cortes” e da austeridade. O deputado
Jerónimo de Sousa, de cravo vermelho na lapela, aproveitou o discurso na sessão
solene na Assembleia da República para evocar os “valores de Abril”, mas fez
igualmente uma série de avisos sobre os “tempos difíceis”. Para o dirigente do
PCP, “não é inevitável que o surto epidémico se traduza em regressão na vida
dos trabalhadores e povo, dado que a resposta às dificuldades passa por
valorizar salários e por políticas dirigidas à defesa e criação do emprego”, em
resumo, apresentou uma plataforma de colaboração de classes para o governo do
PS. Por sua vez, o Bloco de Esquerda, uma frente social-democrata de “esquerda”
propõe “um fundo europeu para responder à crise sem austeridade” e conclui “O
país vive sob um Estado de Emergência, único na nossa história democrática. Ele
tem sido necessário para medidas de confinamento e de restrição da circulação
que têm travado a epidemia, mas não suspende a democracia nem serve para atacar
direitos e liberdades conquistadas. A pandemia não descontinuou a Constituição nem 'cerra as portas que Abril abriu'”. O BE como o PSOL no
Brasil são partidos sociais-democratas que almejam gerenciar o Estado burguês
em crise.
As comemorações desse fato histórico que marcou o fim da
ditadura de Salazar e o retorno da democracia burguesa em Portugal ocorrem em
um clima de ataques aos direitos pelas mãos dom governo do OS e com a
cumplicidade do PCP e BE. Por essa razão, deve ser compreenda a Revolução dos
Cravos e seus efeitos ainda hoje sobre a luta de classes não só em Portugal,
mas como parte integrante da crise por que passa o continente europeu como um
todo. Foi chamada de Revolução dos Cravos porque as tropas lideradas pelo
Movimento das Forças Armadas (MFA), em vez de baionetas, saíram às ruas com
cravos na ponta dos fuzis para simbolizar solidariedade com a população. Mas,
ao contrário do que afirmam os arautos da conciliação de classes, esse
movimento resultou numa profunda derrota para proletariado português,
confirmando a inviabilidade histórica de uma transição pacífica para o
socialismo. O movimento de 25 de abril de 1974, ao pôr fim ao regime fascista
de Salazar-Caetano, que durante 46 anos oprimiu o proletariado português e os
povos as colônias de Portugal na África, se constituiu em um golpe militar preventivo
para evitar que uma insurreição popular destruísse as bases da ordem
capitalista. Um “convidado” inesperado, o proletariado, surge no processo desta
transição política que foi operada inicialmente “por cima”, mas a ausência do
partido revolucionário no cenário português impede que se transforme a crise
política da “agitada” transição em Revolução Socialista.
A agitação política em Portugal refletia, sobretudo, o
sacrifício de milhares de combatentes que lutaram pela independência das
colônias portuguesas na África (Moçambique, São Tomé e Príncipe, Angola,
Guiné-Bissau e Cabo Verde), onde a iminente derrota militar portuguesa
desencadeou um processo de desagregação no Exército, aprofundando a putrefação
do regime. Dessa forma, a origem do MFA encontra-se no clima de instabilidade
que se manifestou em meados de 1973 no interior das forças armadas com o
surgimento do denominado Movimento dos Capitães, aglutinando oficiais de média
patente, insatisfeitos com suas remunerações e com a perda de prestígios dos
oficiais do quadro permanente. Em nenhum momento, mesmo quando assumiu seus
objetivos políticos, o MFA representou uma ameaça de ruptura com a disciplina e
a hierarquia. Ao contrário, já no seu nascimento foram escolhidos como chefes
do movimento o General Spínola e o General Costa Gomes, chefe do Estado Maior
das Forças Armadas.
Atensão na esfera militar também era reflexo da trágica
situação da economia portuguesa no contexto da crise capitalista mundial de
1973-1975, que exigia uma reorientação econômica, através da nacionalização dos
bancos e de setores básicos da produção, e a adequação do regime político para
salvaguardar o capitalismo. Enquanto crescia a radicalização das massas que
exigiam profundas mudanças, incluindo o fim da guerra na África, a maior
preocupação dos líderes do MFA era realizar o golpe antes do dia 1º de Maio,
quando estavam previstas grandes mobilizações dos trabalhadores, que poderiam
levar à queda o já apodrecido governo de Marcelo Caetano. Os líderes militares
pretendiam obter o apoio das massas mostrando-se como os responsáveis pelo fim
do odiado regime de opressão, evitando, dessa forma, que o proletariado tomasse
em suas próprias mãos as iniciativas políticas que conduzissem à transformação
revolucionária da sociedade. Nesse contexto, a prisão de Caetano e de seus
principais ministros, que em seguida foram enviados para Funchal, na Ilha da
Madeira, teve como único objetivo afastá-los dos centros de agitação política,
onde seriam alvos fáceis do ódio popular.
O expressivo apoio das massas trabalhadoras à Revolução dos
Cravos foi fruto das profundas ilusões democrático-burguesas, alimentadas pelos
stalinistas do Partido Comunista (PCP) e pelo Partido Socialista (PSP), que
compuseram o governo provisório e chamaram o proletariado a depositar confiança
no novo regime burguês tutelado pelas mesmas forças reacionárias que haviam
dado sustentação a quase meio século de ditadura fascista. Apesar da política e
colaboração de classes dessas direções, a luta espontânea das massas resultou
no estabelecimento de uma situação pré-revolucionária, em que qualquer
tentativa do governo provisório do General Spínola e da Junta de Salvação
Nacional para deter a resistência da classe operária e esmagar suas
organizações, poderia conduzir rapidamente ao surgimento de organismos de poder
proletário. Esse ascenso revolucionário manifestou-se em inúmeras greves,
obrigando o governo a fazer várias concessões econômicas e políticas.Porém, o
avanço das massas rumo à conquista do poder político, com o estabelecimento da
ditadura do proletariado, esbarrou na completa ausência de uma direção política
capaz de centralizar as lutas operárias, apontando a necessidade da destruição
do putrefato Estado burguês tendo como perspectiva a construção do socialismo. O
stalinista PCP, liderado por Álvaro Cunhal, fez do slogan “aliança do povo com
as forças armadas” a pedra fundamental de sua política de colaboração de
classes. Em nome dessa “aliança”, a Intersindical, federação sindical liderada
pelo PCP, foi colocada prontamente ao lado do governo na sabotagem e repressão
às greves operárias. A Revolução dos Cravos ocorreu sete meses depois do
desastroso desfecho da chamada “via chilena para o socialismo”, com o sangrento
golpe fascista de Pinochet. Entretanto, a lição abstraída pelo stalinismo da
experiência chilena, foi de que deveria estreitar os seus laços com as forças
armadas do Estado burguês, buscando encontrar aí os seus aliados
“progressistas” para levar adiante sua estratégia da revolução
democrático-burguesa. A política de conciliação de classes dos stalinistas e
dos socialdemocratas do PS de Mário Soares levou a formação do bloco
MFA/PS/PCP.
Duas tendências contraditórias se chocam, cruzam-se e
misturam-se naqueles meses. Uma é a do permanente esforço, concentrado em torno
do MFA, de reabilitar um centro de poder de Estado minimamente eficiente. Ao
longo de quase todo o período revolucionário, as principais forças da esquerda,
PCP e PS, integram este caudal, procurando influenciar a conformação do novo
poder e assegurar uma parcela deste. Nesta busca de respeitabilidade
institucional, o PCP se empenha mesmo na desmobilização de greves consideradas
“selvagens” e garante que não faz da saída da OTAN uma prioridade política; ao
mesmo tempo, prevendo a adversidade de eleições gerais num país com as
características do Portugal, concentra-se na “institucionalização” do MFA
enquanto legitimidade de Estado paralela à da Assembleia Constituinte a eleger.
Quanto ao Partido Socialista, prepara o sufrágio, essencial para a reconstituição
de uma legitimidade que se possa impor à dinâmica popular. Soares concilia as
proclamações pelo socialismo (aliás, partilhadas por todo o espetro político)
com o slogan “Europa Conosco”, que remete para a integração no mercado comum
europeu, de cujas potências recebe relevantes apoios. A outra é radicalização
operária, o protagonismo popular e a auto-organização das massas, que enfrentam
as suas necessidades urgentes e a pressão da crise (pouco depois do choque
petrolífero de 1973) gerando a sua própria cultura política e estruturas de
intervenção. Esta tendência extravasa largamente as margens da autoridade do
Estado, sob a forma de movimentos de ocupação de casas pela população confinada
a barracões, a edificação direta de bairros e serviços sociais, escolas,
centros de saúde, a constituição de organismos de bairro, de empresa, a
auto-gestão operária, a fundação de unidades cooperativas de produção nas áreas
agrícolas ocupadas. Em cada uma destas experiências são vividas contradições,
impasses, conflitos e conquistas de profundo significado e duradouro alcance.
Elas são o violento despertar de partes importantes de uma sociedade atrasada e
despolitizada, onde a auto-organização da classe trabalhadora foi praticamente
invisível durante quatro décadas. Aprende-se em dias e semanas a realizar uma
revolução que se dirige desde logo ao coração do sistema – a propriedade, fosse
ela fundiária, imobiliária, industrial.
No campo do trotskismo, a Liga Comunista Internacional,
ligado ao SU de Ernest Mandel, foi incapaz de chamar a classe operária a
construir embriões de poder proletário, sob a desculpa infame de que ainda era
“muito cedo para levantar demandas políticas”. Um verdadeiro partido trotskista
tinha obrigatoriamente que apontar o caráter burguês do MFA, denunciar a
política de colaboração de classes do PC, levantar um programa de
reivindicações transitórias e exigir o rompimento com o MFA, tendo em vista
arrancar o proletariado da influência ideológica e política da burguesia e seus
agentes stalinistas. Não por acaso integraram o social-democrata Bloco de
esquerda hoje, até que o direitismo do BE tornou sua permanência insustentável.
Após 46 anos da Revolução dos Cravos permanecem vivas como
lições para os trabalhadores de todo o mundo, tanto a inviabilidade da utopia
reacionária da transição pacífica ao socialismo, vendida pelos reformistas do
PS de volta ao governo, quanto a falência da concepção etapista da revolução
defendida pelo stalinismo e copiada pelos setores revisionistas do trotskismo
que integram o Bloco de Esquerda, como o SU. A derrota do proletariado
português foi produto da ausência de uma direção revolucionária capaz de romper
com o domínio do PCP e do PS, que desarmaram o movimento operário diante do
governo burguês do MFA, preparando conscientemente o terreno para o triunfo da
contrarrevolução, a partir dos acontecimentos de 25 de novembro de 1975, que
arrancou gradativamente todas as conquistas do proletariado. O desfecho da
Revolução dos Cravos foi mais um exemplo histórico, que confirmou pela via
negativa, que só a estratégia política da revolução permanente, sob a direção
de um autêntico partido revolucionário poderá derrotar a burguesia, abrindo
caminho, através da destruição do Estado burguês, para a construção do socialismo.
Aos genuínos marxistas cabe a tarefa de intervir ativa e pacientemente sobre
estas lutas para elevar o nível de consciência dos setores mais radicalizados,
a fim de fazê-las avançar da resistência defensiva atual para a disputa pela
conquista do poder político contra seus algozes, superando a criminosa
influência política que a centro-esquerda reformista e seus satélites
revisionistas exercem sobre o proletariado. A materialização deste longo
processo de evolução da consciência dos trabalhadores é a construção de um
partido internacionalista e revolucionário que lute por derrotar a União
Europeia imperialista, sob a qual a vida das massas converte-se em uma bárbara
escravidão, para edificar em seu lugar uma Federação das Repúblicas Socialistas
da Europa, apontando a única saída verdadeiramente progressista para o velho
continente e para Portugal.