quarta-feira, 7 de junho de 2023

NOSSA HOMENAGEM A PAULO LEMINSKI: HÁ 34 ANOS NASCIA O POETA BRASILEIRO QUE ADMIROU TROTSKY E SUA LUTA REVOLUCIONÁRIA!

O poeta curitibano Paulo Leminski falecido em 07 de junho de 1989, há 34 atrás, admirava Trotsky e escreveu poemas e textos sobre o revolucionário soviético e também sobre a Libelu (Liberdade e Luta), tendência trotskista do movimento estudantil nos anos 1970. Passadas mais de três décadas de sua morte, sua obra permanece mais viva que nunca. Leminski é o autor de uma biografia de Leon Trotsky em português, “A Paixão Segundo a Revolução”, publicada pela editora Brasiliense em 1988. O poeta revela nas dedicatórias que escreveu inspirado por uma pergunta da filha de 15 anos sobre o que tinha sido a Revolução Russa. De modo fascinante, Leminski compara o que aconteceu em outubro de 1917 ao enredo de Irmãos Karamazov, o clássico de Dostoievski.

O pai castrador é a Rússia e seu czar “cretino e irresponsável, tão incapaz quanto Luís 16, decapitado na Revolução Francesa”. Seus filhos Dmitri, Aliocha e Ivan são os revolucionários. Muitos dos acontecimentos cruciais para o destino da Rússia Imperial são narrados quase que com a câmera na mão e os detalhes insignificantes para a história com H maiúsculo se tornam mais importantes que as grandes datas. É assim que assistimos atônitos, no capítulo intitulado A faísca, ao primeiro encontro das duas almas que mais se imbricaram com o processo revolucionário: Leminski acompanha o jovem Trotski até a porta da residência de Lenin e sua esposa no exílio londrino, partilhamos da sua ansiedade, vemos-lhe levantar a mão e bater à porta de um quarto modesto e em seguida ser recebido cordialmente pelo casal. A paixão segundo a Revolução de Leminski também pode ser lido como um ensaio, um ensaio sobre a Revolução Russa, um ensaísmo caracterizado pelo recurso à apreensão estética e pela articulação entre a prosa e poesia. 

Nela o poeta lembra que Trotsky defendeu que “A arte só pode ser o grande aliado da revolução na medida em que permanecer fiel a si mesma”. 

Abaixo o trecho do capítulo Dmitri da biografia de Trotski por Leminski e o poema “O velho León e Natalia em Coyoacán”', mais tarde musicado pelo Vitor Ramil, evoca também Natalia Sedova, companheira e camarada do revolucionário que dedicou a vida a Revolução e nunca se entregou...

LEON TROTSKI: A PAIXÃO SEGUNDO A REVOLUÇÃO

Por Paulo Leminski

Na estratégia e na tática de ação política, a inteligência de Lenin supera em muito a de Trotski, mais hesitante, mais sujeita a erros e leituras equivocadas dos fatos. Mas a máquina mental e intelectual de Trotski era mais complexa que a de Lenin. Seus interesses eram mais plurais. Suas leituras, mais diversificadas. Seu horizonte, muito mais amplo. Leia-se, por exemplo, o vôo utópico do final do ensaio Arte Revolucionária e Arte Socialista, capítulo oitavo do seu livro Literatura e Revolução.

Lenin jamais poderia ter escrito essas páginas de um sopro verdadeiramente épico-utópico, sobre o novo homem que o socialismo poderia criar. Nem poderia dizer, como diz Trotski, nesse mesmo livro: “a arte se fundirá com a vida, quando a vida enriquecerá em proporções tais que se modelará, inteiramente, na arte”.

Lenin sempre olhou meio de lado, desconfiado, para as manifestações de vanguarda artística que marcaram o início do comunismo na Rússia (futurismo, suprematismo, Eisenstein, Maiakovski, Meyerhold, Tatlin). Seus gostos em matéria de arte eram bem conservadores. Há testemunhos de que chorava ao ouvir o Pour Élise, de Beethoven. E sua visão de cinema era pedagógica e doutrinária: bom para educar as massas.

Dessa vanguarda, Trotski, agudíssimo crítico literário, fez leituras mais ricas, como nos ensaios O Futurismo, de 1922, e O Suicídio de Maiakovski, de 1930, incluídos em Literatura e Revolução, o mais extraordinário livro sobre literatura que um político jamais escreveu.

Quando, já exilado no México, nos anos 30, Trotski assina um manifesto surrealista com André Breton, vindo da França para conhecê-lo, o velho leão está apenas sendo fiel a algumas das suas riquezas da juventude.

A robustez e saúde de pensamento, Trotski deve ter herdado do pai. Mas a sofisticação intelectual, que sempre o distinguiu entre os bolcheviques e lhe atraiu invejas e ódios surdos, só pode ter vindo da mãe, que era assinante de uma biblioteca de livros de empréstimo, e lia em mais de uma língua.

O que importa guardar dos primórdios de Lev Davidovitch é que Trotski teve uma infância e adolescência sem penúria, como, aliás, Lenin, filho de um funcionário público, de alguma graduação na máquina burocrática. Diverso é o caso de Stalin, filho de um pobre sapateiro do Cáucaso, o único dos chefes da Revolução de Outubro a ter origens realmente populares.

Aos sete anos, os pais de Lev Davidovitch o enviaram para uma escola judaico-alemã, a quilômetros de distância da fazenda Yanovka. Não se adaptou, e os pais o trouxeram de volta, sem que tivesse chegado a aprender nem o iídiche nem o hebraico das Escrituras. Em compensação, tinha aprendido bem o russo, ele que só falava o ucraniano dos camponeses. Ao voltar, já escrevia bem em russo, e começava a ler avidamente livros na língua oficial.

Pouco depois, pelas mãos de um parente mais velho, de nome Spentzer, vai estudar em Odessa, o maior porto do Mar Negro, uma cidade de clima quente, fervilhante de vida cosmopolita.

Na casa dos Spentzer, Lev iniciou-se numa vida intelectual muito cuidada, música clássica, hábitos polidos, leituras de clássicos russos e europeus em geral (Goethe, Pushkin, Tolstoi, Dickens).

O jovem camponês ucraniano transforma-se num judeu urbano de classe média, um europeu culto e educado.

Em Odessa, frequentou uma escola alemã, ligada à Igreja Luterana, onde estudou, entre as matérias do currículo, francês e alemão. Nessa escola, a Realschule, parece ter sido aluno excepcionalmente sério, sempre o primeiro da classe.

Já podemos ver aí os germes da vaidade intelectual que sua figura sempre irradiou, a certeza de ser mais inteligente do que os outros, de ver mais longe ou pensar mais fundo, vaidade que só se transformava em modéstia diante da figura superlativamente carismática de Lenin (e isso só depois de muita briga entre os dois…).

Em Odessa, cidade esfuziante de atrações, frequenta a ópera, como os outros estudantes, veste-se com elegância (traço que sempre o distinguiu) e apaixona-se, platonicamente, por cantoras líricas, como um poeta romântico do século 19.

Aos 17 anos, o futuro chefe da Revolução de Outubro ainda não ouviu falar de marxismo. E seu talento para a matemática o inclina a sonhar com uma carreira universitária dedicada à matemática pura.

Tais eram seus dons nesse terreno que, consta, eminentes matemáticos lamentariam depois que tamanho talento se perdesse na mediocridade da vida política: que grande talento a matemática estava perdendo…

A atividade política de Trotski, percebe-se já, não vai nascer de uma revolta contra um estado pessoal de carência.

Como em Lenin, outro bem-nascido (como Mao e Fidel), em Trotski, a revolução vai ser uma paixão intelectual, uma certeza lógica, uma convicção feita de ferro em brasa. Uma das cruéis ironias da vida: só os bem alimentados podem lutar pelos famintos. Os muito miseráveis nem sequer se revoltam: deixam-se morrer à míngua. É preciso muita proteína para fazer uma revolução.

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O VELHO LEÓN E NATALIA EM COYOACÁN

Desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele dia o céu vai estar limpo e o sol brilhando você dormindo e eu sonhando

nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia apenas você nua e eu como nasci eu dormindo e você sonhando não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado aquele dia silêncio nós dois murmúrios azuis eu e você dormindo e sonhando

não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado aquele dia silêncio nós dois murmúrios azuis eu e você dormindo e sonhando

nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia nada como um dia indo atrás de outro vindo você e eu sonhando