sábado, 17 de junho de 2023

O JORNALISTA THIERRY MEYSSAN VATICINA: “A DERROCADA DE KIEV” *

A sorte das armas decidiu. O momento da verdade falou. A contra-ofensiva ucraniana falhou miseravelmente. O considerável armamento da OTAN não serviu para nada. O campo de batalha está cheio de cadáveres. Para nada. Os territórios que aderiram por referendo à Federação da Rússia permanecerão russos. Este “xeque-mate” não marca simplesmente o fim da Ucrânia como a conhecemos, mas da dominação ocidental que tinha apostado nas suas mentiras. O mundo multipolar poderá nascer este Verão por ocasião de várias cúpulas internacionais. Uma nova maneira de pensar na qual a força não fará mais lei.

Este artigo foi redigido em 10 de junho. Nessa altura, as únicas informações disponíveis emanavam da Rússia e dos Estados-Maiores aliados. A Ucrânia havia decretado um embargo total quanto à sua contra-ofensiva. Teríamos pois que esperar antes de publicar este texto. Entretanto, pensamos que se a Ucrânia tivesse podido romper a primeira linha de defesa russa, mesmo sem chegar a expandir-se na brecha, ela tê-lo-ia anunciado. É, pois, neste contexto que publicamos esta análise.

Em seis dias, de 4 a 10 de Junho de 2023, o Exército ucraniano lançou a sua contra-ofensiva e sofreu uma tremenda derrota. Durante o Verão, as Forças russas construíram duas linhas de defesa na parte da Novorossia que libertaram e no Donbass. Estas impediam a passagem de quaisquer blindados.

As Forças ucranianas escolheram uma dúzia de pontos de ataque para retomar o território "ocupado pelo inimigo". Mas, os seus blindados não puderam ultrapassar a primeira linha de defesa russa e se acumularam diante desta onde foram destruídos um a um pela artilharia russa e pelos drones suicidas.

Simultaneamente, o Exército russo lançava mísseis sobre os centros de comando e os arsenais no interior do território ucraniano e destruía-os.

A defesa antiaérea ucraniana fora destruída por mísseis hipersônicos logo após a sua instalação. Na sua ausência, os ucranianos não puderam realizar as manobras que haviam sido planeadas pela OTAN.

A Rússia não recorreu às suas novas armas, excetuando o seu sistema de empastelamento dos comandos de armas da OTAN e alguns dos seus mísseis hipersónicos.

A fronteira não é mais é do que um longo cemitério de blindados e de homens. Os aeroportos estão cheios de carcaças fumegantes de Mig-29 e de F-16.

Os Estados-Maiores dos Estados Unidos, da Aliança Atlântica e da Ucrânia atiram a responsabilidade de uns para os outros por este desastre histórico. Várias centenas de milhar de vidas humanas e 500 mil milhões de dólares foram desperdiçados para nada. As armas ocidentais, que faziam tremer o mundo nos anos 90, já não valem nada contra o arsenal russo de hoje. A força mudou de lado.

Desde logo duas conclusões se impõem:

NÃO CONFUNDIR O EXÉRCITO UCRANIANO COM OS “NACIONALISTAS INTEGRALISTAS”

Se já não há um Exército ucraniano capaz de travar uma guerra de alta intensidade, continuam, no entanto, a existir as forças de “nacionalistas integralistas” (às vezes ditos “banderistas” ou “ucro-nazis”). Mas elas estão treinadas apenas para combates de baixa intensidade. Os seus chefes foram bater-se na Chechénia, no fim dos anos 90, por conta da CIA e dos Serviços Secretos da OTAN, às vezes na Síria nos anos de 2020. Eles foram treinados em assassínios seletivos, em sabotagens e para massacres de civis. Nada mais.

Assim, eles conseguiram sabotar o gasoduto russo-germano-franco-neerlandês Nord Stream para mergulhar a Alemanha, e depois a União Europeia, na recessão, em 26/Setembro/2022.

Sabotar a ponte do estreito de Kerch (dita "Ponte da Crimeia"), em 8/Outubro/2022.

Atacar o Kremlin com drones, em 3/Maio/2023

Atacar com drones o Ivan Kurs, o navio da Inteligência que defendia o gasoduto Turkish Stream no Mar Negro, em 26/Maio/2023.

Sabotar a barragem de Kakhovka para partir a Novorossia em duas, em 6/Junho/2023.

Sabotar o “pipeline” de amoníaco Togliatti-Odessa para destruir a industria russa de adubos minerais, em 7/Junho/2023.

Tal como durante as duas Guerras Mundiais e na Guerra Fria, eles provaram a sua capacidade terrorista, mas não desempenharam nenhum papel decisivo no campo de batalha.

Mais do que nunca entre os ucranianos convêm distinguir, os militares, que pensavam defender o seu povo, dos “nacionalistas integralistas”, que nada querem saber dos seus compatriotas e apenas buscam erradicar os russos e a sua cultura desde há um século.

A UCRÂNIA QUE CONHECEMOS ESTÁ MORTA

Até à data, a Ucrânia tem sido acima de tudo um campeão de comunicação. Kiev conseguiu fazer de crer que o Golpe de 2014, que derrubou um presidente democraticamente eleito em benefício de nacionalistas integralistas, foi uma revolução. Da mesma forma, conseguiu fazer esquecer a maneira como esmagou os seus cidadãos do Donbass, negando-se a dar-lhes acesso aos serviços públicos, a pagar os salários dos funcionários públicos e as pensões aos idosos e, finalmente, bombardeando as suas cidades. Por fim, conseguiu até vender gato por lebre e convencer os Ocidentais que a Ucrânia era um país homogéneo onde uma população única partilhava uma história comum.

Como na maior parte das guerras, há também um aspecto “guerra civil”. Hoje, todos são levados a constatar que, contrariamente ao que se fez constar, a análise publicada por Vladimir Putin não era uma reconstrução da história, mas uma verdade fatual. O povo de Donbass é profundamente russo. O da Novorossia (Crimeia incluída) é de cultura russa embora com uma história diferente (ele jamais conheceu a servidão). A Ucrânia nunca existiu como um Estado independente na história, exceto durante uma década, durante os períodos de 1917-22 e 1941-45, e três outras décadas, a partir de 1991.

Durante essas três experiências, Kiev nunca deixou de querer purificar o seu povo e de massacrar os seus cidadãos quando os nacionalistas integralistas estavam no Poder (1917-22 com Simon Petliura, 1941-45 com Stepan Bandera e 2014-22 com Petro Poroshenko e Volodymyr Zelensky). No total, num século, os “nacionalistas integralistas” — é como eles se se designam a si próprios — assassinaram mais de 3 milhões dos seus compatriotas.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a população da Novorossia já se havia levantado à volta do anarquista Nestor Makhno; durante a Segunda Guerra Mundial, a população do Donbass e da Novorossia levantara-se como soviética; enquanto desta vez, ela se bate contra os ”nacionalistas integralistas” de Kiev junto com as Forças russas.

O único meio de fazer cessar estes massacres é separar os “nacionalistas integralistas” da população de cultura russa que eles querem matar. Uma vez que a OTAN organizou um Golpe de Estado em 2014 e os colocou no Poder, não há outra maneira senão constatar a atual divisão do país e deixá-los no Poder em Kiev. São os ucranianos, e só eles, que os deverão derrubar.

As operações militares atuais já o fizeram. A parte libertada pelos russos votou por referendo a sua adesão à Federação. No entanto, o avanço russo do ano passado foi interrompido pelo Presidente Vladimir Putin no quadro das negociações com a Ucrânia, conduzidas na Bielorrússia, depois na Turquia. A cidade de Odessa continua a ser ucraniana por direito, embora ela seja culturalmente russa. A Transnístria continua a ser moldava embora seja culturalmente russa.

A guerra tecnicamente acabou. Nenhuma ofensiva poderá modificar as fronteiras atuais. É certo que os combates podem se eternizar e estamos longe de um tratado de paz, mas os dados foram lançados. Resta um problema na Ucrânia e outro na Moldávia: Odessa e a Transnístria ainda não são russas. Sobretudo, permanece um problema de fundo: em violação dos seus compromissos orais e escritos, os membros da Aliança Atlântica armazenaram armas norte-americanas na fronteira da Rússia, pondo a segurança desta em perigo.

*THIERRY MEYSSAN: *Jornalista, Intelectual francês, presidente-fundador de la Red Voltaire e da “Conferencia Axis for Peace”. Suas análises e artigos sobre política exterior se publicam em periódicos do mundo árabe, Latino-América, Rússia e EUA