quinta-feira, 11 de março de 2021

100 ANOS DE ASTOR PIAZZOLLA E SEU “LIBERTANGO”: NOSSA HOMENAGEM AO GÊNIO IMORTAL QUE REVOLUCIONOU A MÚSICA

O mestre da música Astor Piazzolla completaria 100 anos nesta quinta-feira. Nascido em Mar del Plata, na Argentina, no dia 11 de março de 1921, foi, junto com a família, para os Estados Unidos aos 4 anos de idade. Astor Pantaleón Piazzolla foi um garoto argentino pobre e manco nos bairros nova-iorquinos mais rudes. Um pequeno imigrante com uma perna deformada numa cidade onde a lei seca imperava e quem mandava eram as máfias. Seu pai, acordeonista, comprou-lhe um bandoneón de segunda mão em uma casa de penhores. Astor aprendeu quase sozinho a manejar essa espécie de órgão de catedral em formato portátil: 10 quilos que passaram o resto da vida pendurados no seu pescoço... Assim começava a trajetória desse argentino, um gênio imortal da música que o Blog da LBI presta justa homenagem em seu centenário de nascimento! 

Com 14, teve a honra de conhecer Carlos Gardel e se tornou amigo do mais famoso cantor de tango da história. Há coisas que marcam. Em 1934, Gardel já era Gardel, uma divindade penteada com gomalina. O rei do tango estava em Nova York, e o pai de Astor quis lhe presentear com umas peças de madeira entalhada que ele mesmo fabricava. Mandou o garoto.

Obviamente, o séquito de Gardel barrou o acesso dele à suíte do astro. “Como era malandro, Astor subiu pela escada de incêndio e entrou pela janela”, conta Laura, sua última esposa. Gardel achou o moleque uma graça. Astor falava inglês perfeitamente, e Gardel o usou como tradutor. Deu-lhe um pequeno papel no filme El Día Que Me Quieras. Ouviu-o tocar o bandoneón. “Você será grande, mas o tango você toca feito um galego”, comentou. E finalmente o convidou a participar da sua próxima turnê pelas Américas. Vicente, o pai de Astor, recusou, porque o garoto tinha apenas 13 anos. Coisas do destino: Carlos Gardel e todos os seus acompanhantes morreram nessa turnê ― o avião em que viajavam caiu em Medellín, na Colômbia, em 24 de junho de 1935.

Piazzolla, junto com a família, voltou a Mar del Plata em 1936. A partir daí, ele começou a tocar em conjuntos e mergulhou no mundo do tango. No ano seguinte, mudou-se para Buenos Aires. Depois de integrar a orquestra de Aníbal Troilo (outro grande bandeonista da história) por alguns anos, passou, no final dos anos 1940, a seguir seu próprio caminho e a inserir Em 1942, Astor Piazzolla era um jovem músico que fazia adaptações do Rachmaninoff e tentava ganhar a vida em Buenos Aires. 

Em 1943, casou-se com Odette María Wolff e teve dois filhos, Diana (1943) e Daniel (1944). Já não tocava tango feito um galego ou outro espanhol qualquer, e começou a trabalhar como arranjador na orquestra de Aníbal Troilo, um dos grandes mestres do tango. 

Essa colaboração durou pouco: Piazzolla exigia muito, queria mudar as coisas, obrigava os músicos a estudarem música. Nos anos seguintes, ganhou fama de maldito. Seus tangos, diziam, não eram dançantes. Eram complicados. Astor Piazzolla, enfim, estava "assassinando" o tango. Conseguia gravar e sua orquestra tocava em cafés, mas a velha guarda tanguera o repudiava. Depois descobriu Bach, teve professores, explorou o jazz e se tornou um músico assombroso.

Em 1954 viajou a Paris em um navio cargueiro. Estudou com a célebre compositora e pianista Nadia Boulanger, que o incentivou a não renunciar nem ao tango nem à música clássica. 

Em 1959, já de volta a Buenos Aires, teve notícia da morte de seu pai. Astor Piazzolla se trancou no seu quarto e passou a noite compondo sua obra-prima: Adiós Nonino. Se entre os tangos clássicos seu preferido era Flores Negras, Adiós Nonino foi para ele “o tango número um”.

No livro-entrevista de Alberto Speratti o provoca, deslocando o eixo da conversa das vanguardas artísticas para a política. Era 1968, estava em curso a ditadura do general Onganía, e Piazzolla afirma sua visão “particular” dos comunistas: “Para todo el mundo he sido comunista siempre. Yo de comunista no tengo nada, aunque, a lo mejor, soy el más comunista de todos, porque los comunistas no hacen lo que he hecho yo. Cuando he tenido um conjunto ha sido siempre en cooperativa y nunca le robé un centavo a nadie. Siempre quise que mis músicos fueran felices, porque ese es el único modo de que toquen como deben. [...] cuando uno sabe que el director gana diez veces más que los músicos, nace un odio hacia esse director que se trasluce en lo que se hace con la música”.

Em 1969 compôs um que estourou, o maravilhoso Balada para um Loco. Neste ano também, compôs com Horacio Ferre a música Chiquilín de Bachín, cuja letra é tocada de profundo sentido social, e em 1971, Homenaje a Córdoba, cujo título remete diretamente ao “Cordobazo”, que sinalizou a falência da ditadura. Compôs também música para o célebre filme que denuncia duramente o golpe militar no Chile, Chove sobre Santiago. 

No início dos anos 70, ao ser cancelado um contrato com a Municipalidad de Buenos Aires, para as atuações de seu conjunto, Piazzolla partiu para a Europa, após ter votado em Perón na volta do líder ao país e à presidência. 

A colaboração com Horacio Ferrer trouxe junto a voz de Amelita Baltar, uma voz que não nascera no mundo do tango, mas no mundo do folklore (a música tradicional das províncias), e com quem Piazzolla, separado da primeira esposa (dizem alguns, por culpa de Egle Martin), estabeleceria um romance que terminaria alguns anos depois. 

Os anos dessa tripla colaboração marcam a passagem de Piazzolla pelo Rio de Janeiro em 1972, para uma apresentação no Teatro Municipal. Amelita Baltar apresentou-se no Maracanãzinho interpretando “Las ciudades” (tema de Piazzolla, com letra de Ferrer), no derradeiro VII Festival Internacional da Canção. 

Em dezembro de 1972 é lançado na França o filme de Bernardo Bertolucci "Último tango em Paris". Sua intensidade erótica e convulsionada, bem como a interpretação de Marlon Brando, transformaram o filme num ícone do cimena. A produção encomendara a Piazzolla os temas musicais. Piazzolla compôs dois. Mas não chegaram a tempo de serem editados no filme, que acabou ganhando um tema composto pelo jazzista argentino Gato Barbieri. Quatro anos depois, esses temas seriam utilizados em uma produção de outro italiano, Francesco Rosi. Estabelecido na Itália, Piazzolla colaboraria regularmente com o cinema como também, em parte por culpa do impacto do filme de Bertolucci, seria redescoberto na França. 

Em 1973 Piazzolla renomeia um de seus temas para prestar uma homenagem a Milton Nascimento (“Retrato de Milton”). Em 1974 envia um tema a Chico Buarque para ser letrado, o que, apesar das reiteradas promessas deste, nunca viria a acontecer. Em 1975, quando retoma na Itália sua colaboração com poetas-letristas (o que incluiu o italiano comunista Sergio Bardotti), toma como parceiro o poeta Geraldo Carneiro, que alguns anos antes havia colaborado com Egberto Gismonti. Um desses novos temas foi gravado pela primeira vez por Ney Matogrosso, para seu primeiro disco após deixar o grupo Secos e Molhados.

Em 1975 deu o toque definitivo ao seu trabalho de reinvenção da “música popular de Buenos Aires” com Libertango. Na mesma época se casou com Laura Escalada, uma jovem cantora de ópera e locutora de rádio, a mulher que hoje continua vivendo no apartamento que compartilhavam, em frente ao Hipódromo portenho. 

Em 1979 Piazzolla retorna para a Argentina, agora, no entanto, para tomá-la como base para circular pelo mundo. A década de 1980 representou sua plena consagração internacional, ainda que na Argentina despertasse reservas, agora motivadas pelo equívoco de ter aceitado um constrangedor convite para almoçar com o ditador Jorge Rafael Videla, enquanto sua filha, Diana, militante do Peronismo de Base, vivia exilada no México, em péssimas condições de subsistência, fato que o Blog da LBI faz questão de registrar em uma crítica pública a sua oscilante postura política. Piazzolla admitiria que, apesar de tão arrojado esteticamente, em política, morria de medo. E a filha, que escreveria sua primeira biografia, a partir de entrevistas com ele no México, apenas com dificuldade conseguiu perdoá-lo. Nos anos oitenta, com mais de 2.000 peças compostas, tinha começado, finalmente, a ser reconhecido na Argentina. 

Em 4 de agosto de 1990, em um apartamento na parisiense ilha de Saint Louis, começou o final. Astor Piazzolla sofreu um derrame cerebral do qual não se recuperou mais. “Fumou muitíssimo a vida toda, já tinha sofrido um enfarte e recebido um by-pass”, diz sua viúva. O músico, abatido, e sua esposa voltaram a Buenos Aires. “Se eu ficar inválido me mate”, disse Astor a Laura certa vez mostrando sua lucidez racional sobre a vida. 

O grande mestre Astor Piazolla, tragicamente reduzido a um estado de coma, faleceu em 4 de julho de 1992 mas deixou para o mundo obras magistrais e revolucionário como “Libertango”, Las Ciudades”, “Balada para un loco”, “Violetas populares”, a comovente homenagem feita a Violeta Parra, a eterna titã da música latino-americana, além de “Oblivion”, obra prima que criou um novo conceito poético musical do “oublie” (francês) ou do “olvido” (espanhol), onde expressa a fé brutal do esquecimento humano para toda a eternidade! 

Aos 100 anos de seu nascimento, o Blog da LBI lhe rende essa justa homenagem e aconselhamos nossos leitores a escutarem as obras primas desse mestre da música mundial, um genuíno patrinômio da humanidade!