REMDESIVIR, VACINAS ARN E "OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA" DAS MOLÉCULAS: O CAPITALISMO É UM FREIO PARA A CIÊNCIA!
Por: Guillaume Suing *
Identificar os conflitos de interesse de classe e os tráficos de influência que atravessam uma crise, quer seja sanitária, econômica, geoestratégica ou ambiental, não é cair na "teoria da conspiração". Não é preciso imaginar o experimento deliberado de um vírus manipulado, para explicar que a Big Pharma gera mais-valias excepcionais ou que os Estados capitalistas, capturados pelo rentismo internacional reduzem drasticamente os nossos direitos democráticos. Pelo contrário, reconhecer que todos os "acidentes" da História podem ser para a cadeia imperialista mundial agonizante a oportunidade de uma ressurreição, uma caça ao lucro máximo inesperado, é articular o "acaso e a necessidade" em uma muito sinuosa luta de classes internacional. É retomar uma visão dialética e materialista da História, que tanto tem sido menosprezada.
O capital não orquestrou na sombra a crise de 1929 para
submeter uma boa parte dos povos europeus ao fascismo nos anos 30. Foi atingido
por uma crise congênita, que surgiu tão inevitavelmente como um tremor de terra
iminente numa região sísmica há muito adormecida, mas sempre no momento em que
menos se esperava… Depois da crise de 1929, o capital adaptou-se, procurando
que os trabalhadores paguem a crise, qualquer que fosse o custo social. O
fascismo é a forma terrorista que o capital assume, quando, ferido de morte,
fica assustado e dissimula o seu desespero estratégico (intimamente ligado à
anarquia da produção que o sustenta) sob uma política de violência social em
todas as direções.
Baralhar as cartas é um "jogo" permanente do
processo capitalista e não podemos espantar-nos ingenuamente por, paralelamente
a uma queda evidente do PIB e um salto prodigioso da dívida pública.Os gigantes
da distribuição de mercadorias decuplicam os seus lucros enquanto assistimos à
exterminação sistemática do pequeno comércio.Uma comparação entre o
confinamento da primavera e o do outono permite perceber como, com base numa
necessidade sanitária (que pode ser tratada de mil maneiras, conforme os
países), passamos de paralisação brutal, sem preparação, até certo ponto
suicidária e forçosamente temporária da economia, para um estranho
"semiconfinamento" durante o qual apenas o artesanato, o pequeno
comércio e o setor cultural são sacrificados enquanto que o conjunto dos
superlucros dos grandes setores industriais e financeiros se mantêm no mesmo
ritmo. As escolas não foram fechadas, os transportes públicos não sofreram
diminuição de frequência, os supermercados nunca estiveram tão apinhados, a
uberização de setores inteiros da economia, como a generalização da venda por
correspondência eletrônica são a partir de agora "setores de ponta".
Em suma: As formas mais residuais do capitalismo pré-imperialista foram
progressivamente erradicadas enquanto todos os locais de contaminação se mantêm
deliberadamente abertos… para que as "grandes empresas" funcionem.
Cabe ao povo realizar o máximo esforço e sofrer todas as
restrições: nada de saídas, nada de tempos livres, nada de laços sociais, nada
de ajuntamentos… Que boas notícias para as burguesias ocidentais imperialistas
que não conseguem rivalizar com os países capitalistas emergentes senão ao
preço da submissão brutal das suas classes trabalhadoras. Neste processo, têm
subsistido contradições entre a ideologia "liberal" das últimas
décadas e as tentações fascistas de determinados Estados, se bem que uma gera
sempre potencialmente a outra, com algumas hesitações e em condições bem
determinadas. A desconfiança mais ou menos profunda das populações para com os
seus Estados determinou o grau de recuo dos direitos democráticos efetuado. O
ausweiss (cartão de identificação)de saída em França durante os confinamentos,
um raro exemplo do gênero, foi uma ilustração disso, assim como a negação total
dos problemas psíquicos gerados pelos "conselhos de guerra"
sanitários: onda de suicídios, aumento de ansiolíticos e antidepressivos,
aumento das violências vulgares e da delinquência.
Trata-se de uma contingência de dimensão mundial (uma
pandemia, como houve na Idade Média, com a Peste ou, mais recentemente, no
início do século XX, com a gripe espanhola que, é bom reconhecê-lo, teve uma
virulência muito maior do que a de hoje), progressivamente incorporada no
processo geral da crise do capitalismo imperialista.Tal como uma fome de origem
climática revelou o rosto da monarquia feudal na véspera da revolução francesa,
tal como a ocupação alemã mostrou o grau de traição do segundo Império na
véspera da Comuna de Paris, tal como a carnificina da "Grande Guerra"
industrial desmascarou o horror do imperialismo predador na véspera da
revolução de outubro de 1917, assim é cada vez mais evidente que esta crise
sanitária já abalou o mundo atual e as relações geoestratégicas que organizaram
a hegemonia americana pós-soviética… reveladora de uma incapacidade do
capitalismo agonizante para gerar as catástrofes, para o pior… ou para o
melhor.
O avanço do fascismo passa também, no plano ideológico, por
uma sábia ditadura do medo, com argumentos de autoridade que mascaram a sua
"união sagrada" com um
"consenso científico" fraudulento, reconhecidamente eficaz para
condicionar uma população que ignora os desafios da investigação científica. Na
Assembleia Nacional da França, o ministro da Saúde, Olivier Véran, berrou aos
deputados hostis a determinados aspetos do protocolo sanitário: "Se não
querem ouvir, saiam daqui!" (4/novembro/2020).
O "conselho científico" de Emmanuel Macron,
conselho que alardeou a inutilidade das máscaras e dos testes quando a França
não os tinha em stock, país que adotou um dos confinamentos mais rigorosos da
Europa, apresenta uma mortalidade elevada (mais elevada mesmo do que a da
Suécia que, no entanto, não confinou!), país que decretou a proibição
governamental da hidroxicloroquina no dia a seguir à famosa publicação da
[revista] Lancet (que acabou por ser desmentida), que afirmou até dezembro que
o vírus não sofreria nenhuma mutação, nunca deixou de mentir… mas continua a
pregar impunemente, tapando com um verniz pseudo-científico os decretos do
regime. Quem apontar as mentiras deles, é apelidado de conspirador e
negacionista!
Toda a dissonância no seio da comunidade científica assume
aspetos de debate nacional e aqueles que, em Marselha, registaram a mortalidade
mais baixa da França para as grandes metrópoles, passam a ser quase criminosos,
por intermédio de um trabalho político-mediático de grande fôlego. Nesta
inversão acusadora especialmente suspeita, é conveniente voltar aos fatos. E
antes dos escândalos quanto à questão dos tratamentos, a polêmica em torno da
"segunda onda” é muito instrutiva neste aspeto.
"Segunda Onda " de um vírus que não sofre mutação,
ou sazonalidade?
Quando do primeiro desconfinamento, na primavera passada,
procurou-se assustar a população com a iminência de uma segunda onda.Esta
ameaça durou até ao outono, vigiando-se ao microscópio todos os sobressaltos da
epidemia mesmo quando os serviços de reanimação se mantinham vazios. No
entanto, a curva dos testes positivos tinha baixado continuamente, tanto antes
como depois da data do desconfinamento, como se essa baixa inexorável
respondesse a uma lógica interna independente de todas as medidas sanitárias,
depois de passado o pico. Com efeito, nesse verão não houve "segunda
onda”.
Persistiu um ruído de fundo no que se refere a casos
positivos, como para muitas epidemias "clássicas" dos coronavírus.
Observaram-se aumentos relativos nomeadamente nas datas de reabertura das
fronteiras na Europa Ocidental (junho), depois dos desconfinamentos, ou aquando
do regresso de residentes que tinham contraído o vírus fora do país (ou a
entrada de doentes de dupla nacionalidade regressados a França para serem
legitimamente tratados). Mas tudo isso nunca constituiu uma vaga epidêmica.
Em contrapartida, a partir de junho, o professor Didier
Raoult, que afirmara que não se previa nenhuma "segunda Onda ", falou
pela primeira vez da possibilidade duma mutação que tornava o vírus sazonal e,
portanto, de um possível regresso no outono. Em perfeita contradição com as
ameaças do conselho científico, eis o que Didier Raoult dizia em junho passado:
"É uma epidemia tradicional em curva. Mas o futuro a Deus pertence. Entre
os coronavírus, alguns desaparecem pura e simplesmente. Outros assumem um ritmo
sazonal: é o caso de quatro coronavírus endêmicos. Ninguém pode prever isso,
tal como não pudemos prever o resto. (…) Os coronavírus endêmicos acabam por se
instalar, é o que acontece geralmente. Determinados parâmetros permitirão saber
se a doença regressa ou não. Se passar a ser uma doença sazonal, há uma
hipótese de vê-lo no hemisfério sul antes de voltar a vê-lo aqui, porque o
inverno começa agora no hemisfério sul. (…) Se formos inteligentes, observamos
o que se passa no outro hemisfério para saber se voltará para aqui". (D.
Raoult, "Finalement la chloroquine", VIDEO IHU Méditerranée, 13jun2020).
Com efeito, a partir do fim do mês de junho, uma forte onda epidêmica
atravessava a Austrália, por exemplo (que, aliás, não conhece hoje nenhuma onda
em novembro/dezembro, ou seja, no verão no hemisfério sul).
Será que a onda que surgiu em outubro é uma onda sazonal e
não o resultado da nossa "falta de civismo", denunciada com zelo de
junho a setembro? Mesmo assim, é preciso olhar de perto para os números e para
as curvas. O "ruído de fundo" dos contágios em agosto e em setembro
permitiu alimentar o medo e sobretudo atribuir aos comportamentos individuais o
inquietante recrudescimento. Ora, a onda outonal instalou-se na Europa com um
sincronismo incrível. O aumento exponencial dos casos declarou-se ao mesmo
tempo em todos os países na primeira semana de outubro, qualquer que fosse a
situação de cada um deles. Em certos países uma maré de subida lenta podia
levar a crer na iminência de um limiar ou de um salto qualitativo (Itália,
Alemanha), mas esse salto declarou-se ao mesmo tempo em outros países em que o
número de casos se mantinha estável sem subir (França, Reino Unido), ou mesmo
baixava nitidamente já há quinze dias (Espanha, Dinamarca)! Como cereja em cima
do bolo, na Itália, citada diariamente nos meios de comunicação francesa pelo
seu comportamento exemplar no respeito pelo protocolo sanitário, a onda acabou
por ser idêntica (e sincronizada) com todas as outras ondas da Europa
ocidental…
Só por uma simplificação extrema e injusta se pôde acusar o
professor Raoult de falsas previsões quanto à segunda onda. Na realidade, ele
apenas previu a ausência de um "salto" no verão, e a possibilidade de
uma mutação tornar este vírus sazonal… Ora, mesmo a possibilidade duma mutação
do vírus, apesar de demonstrada pelos genomas realizados periodicamente no IHU
Méditerranée, foi rejeitada, inclusivamente durante a onda outonal. Como, na
cabeça das pessoas, uma mutação significa renunciar à esperança de uma vacina
milagrosa, e sobretudo porque se escapa às lógicas acusadoras e punitivas
quanto à origem das ondas epidêmicas, o governo, o conselho científico, e a
mídia ridicularizaram essa possibilidade e acusaram Didier Raoult de
charlatanismo quando ele demonstrou cientificamente a partir do mês de
setembro, apoiado pelos genomas.
Segundo a mesma lógica, escondeu-se que a baixa desta onda
outonal não estava ligada ao confinamento (visto que este só foi posto em
prática depois do pico epidêmico , quando o refluxo começava a medir-se pelas
águas usadas das grandes cidades). Tratava-se visivelmente duma variante sazonal
que evoluía numa "curva em sino" (as variantes formam picos
sucessivos que se sobrepõem uns aos outros). Didier Raoult explicou em outubro:
"Os vírus estão sempre em mutação, mas sofrem mutações de uma forma mais
ou menos brutal. As duas que são frequentes atualmente [vaga outonal] são
'Marselha 4' e 'Marselha 5'. Para o 'Marselha 4', vemos um salto que
corresponde a toda uma acumulação de mutações. Ocorreu um salto que explica que
já não se trata de uma simples mutação, mas duma variante diferente. É esta
variante que está epidêmica atualmente e que provoca 75% dos casos em Marselha.
(…) Os coronavírus são conhecidos, como os rinovírus (as duas famílias são
responsáveis por numerosas rinites sazonais), por se recombinarem entre vírus.
São muito próximos e, portanto, é possível que se façam recombinações com esses
rinovírus". (D. Raoult, "Mutations, variants, ce que les génomes nous
apprennent", VIDEO IHU Méditerranée, 27/outubro/2020).
É desconcertante ler, no mesmo período, que "os
coronavírus, que são vírus com ARN, são mais estáveis porque produzem uma
enzima que corrige erros, chamada 'exoribonuclease'. O SARS-Cov-2 sofreria
mudanças duas vezes menos rapidamente que os vírus gripais"
("Mutações que tornam o SARS-CoV-2 mais perigoso, realmente?" Presse.inserm.fr,
12 outubro 2020). Sem, evidentemente, pôr em causa a existência de uma tal
resistência às mutações, é forçoso constatar que, apesar disso, surgiram
variantes… dado que isso é hoje afirmado muito claramente por ocasião da
"terceira onda”.
Evidentemente. Esta terceira onda de inverno surge em pleno
protocolo sanitário, simultaneamente em todos os países europeus (com um certo
avanço nos países setentrionais, onde parece ter nascido esta variante) e
dificilmente se pode imputar à falta de civismo das massas…É preciso pois
aceitar a existência de uma nova variante… embora ela tenha sido rejeitada
quando Didier Raoult falou disso durante a onda outonal!
O discurso científico não se tornou mais acessível ao grande
público no ano de 2020. Pelo contrário, foi obscurecido nesta pandemia, por um
pensamento oficial de ordem essencialmente política. É esse pensamento único,
rejeitado incessantemente pelos fatos, que embaçou a imagem da ciência aos
olhos das pessoas, e não os discursos dissonantes como o de Didier Raoult e da
sua equipe científica.Em que campo se situam então os verdadeiros defensores da
ciência? Do lado da ilusão ingênua de um consenso científico (que nunca existiu
na História das ciências) contra o qual qualquer desvio seria uma prova de charlatanismo?
Ou do lado de determinadas dissonâncias, quando elas são cientificamente
apoiadas e até certo ponto dignas de confiança dado que estão isentas das
influências devastadoras da Big Pharma?
A obsolescência programada das moléculas, vitória do capital
sobre a investigação
Didier Raoult não é marxista nem profeta. Pode ter errado na
sua carreira como qualquer outro investigador, mesmo entre os mais
"reconhecidos" (de que faz parte). Pode ter-se enganado,
inclusivamente no início desta pandemia. No entanto, é evidente que as suas
comunicações mostraram, em retrospetiva, ser mais sérias no plano científico,
do que as comunicações político-sanitárias oficiais e mediáticas e não é por
acaso que uma boa parte da população, sem obrigatoriamente conhecer os
problemas da investigação nem a História das ciências, aderiu a ele e à sua
equipe, com os possíveis exageros “conspiratórios” que conhecemos (e o desprezo
burguês pelo povo expresso em nome de uma luta contra o "populismo
científico").Mas não se avalia uma análise científica pelo auditório que
ela atrai!
Também não são as ideias políticas do epidemiologista que
nos interessam aqui e, por uma questão de objetividade, quase poderíamos dizer
que dar razão a Raoult, conhecido gaulliste, é uma prova de imparcialidade,
contrariamente a todos aqueles, inclusive na comunidade científica, que
enfileiraram resolutamente a partir de março, no combate ad hominem contra o
"charlatão", que batia de frente com os interesses da Big Pharma.
Mas, para lá das querelas pessoais entre investigadores
científicos que se conhecem ou se detestam há muito, a realidade da luta que se
trava no mundo da investigação, um mundo custoso que depende de financiamentos
públicos e privados colossais e opacos, é a das "novas moléculas"
muito caras (como o remdesivir da gigantesca farmacêutica americana Gilead),
contra as moléculas genéricas "reposicionadas" (medicamentos já
existentes e conhecidos há muito tempo, como a hidroxicloroquina). Em um plano
teórico, que permite compreender o que está em jogo atualmente e no futuro,
incluindo a questão das vacinas, é uma investigação que se apoia na estimulação
do sistema imunitário (reposicionando frequentemente), contra a alta tecnologia
molecular substitutiva de obsolescência programada ("novas moléculas").
Sejamos mais precisos: de um lado as moléculas de "grande espectro",
que reforçam o nosso sistema imunológico contra uma infeção, do outro lado as
moléculas específicas, pontuais, que rejeitam as reações e a evolução natural
do agente infeccioso contra o qual elas atuam.
Houve claramente uma frente comum entre os detratores de
Raoult no seio da comunidade científica e os lobistas mais ou menos
dissimulados da Gilead, e de outros gigantes da indústria farmacêutica. Uns,
frequentemente estatísticos afastados do terreno ou físicos, químicos mais ou
menos mediáticos, exprimiam com isso a sua adesão ao ideal de uma ciência
"pura", "moral", incorruptível por definição. Por outras
palavras, exprimiam o seu "cientificismo" ou o seu
"formalismo" epistemológico. Os outros, muito mais discretos,
financiaram maciçamente o descrédito do "tratamento Raoult", quer
através de estudos "metodologicamente" válidos, mas baseados em
protocolos manipulados, quer através de estudos baseados em dados reais mas
construídos sobre comparações apressadas e amálgamas.
Esta frente comum aguentou-se, apesar do escândalo do
"Lancetgate"… ou seja, a amplidão do ódio acumulado contra o
epidemiologista marselhês. Melhor ainda: os "honestos" sábios
anti-Raoult chegaram a afirmar que o desmentido do famoso estudo publicado pela
Lancet (sem investigação séria nem processo contra os autores financiados pela
Gilead) era uma prova de cientificidade! Que teriam dito se uma publicação
assim tivesse sido realizada pelo IHU a favor da hidroxicloroquina?
Hoje, o conjunto dos estudos realizados em torno deste
tratamento mostra que o medicamento funciona. Não é um "remédio
milagre", coisa que ninguém apregoou. Mas como a sua inocuidade já é
reconhecida (sem ter ocorrido nenhum escândalo sobre as proibições
governamentais do verão!), a questão da sua eficácia já não é polémicay para
quem quer se informar com dados atualizados.Para acalmar uma onda epidêmica em
um período de urgência é necessário utilizar todos os meios e, portanto, deve
ser utilizado um tratamento acessível, pouco custoso, suscetível de reduzir
tendencialmente o período de incubação e de contágio e de limitar as
complicações nos doentes vulneráveis (e, portanto, a mortalidade). É o caso em
numerosos países, como outros tratamentos antivirais, em especial nos países
emergentes e do hemisfério sul.
Curiosamente, a estratégia político-midiática
anti-cloroquina conheceu duas fases contraditórias: a primeira, na primavera,
consistiu em justapor todos os estudos (na altura pouco numerosos) para mostrar
que havia mais provas de falta de eficácia do que de eficácia. Evidentemente,
calavam-se as evidências: essa justaposição misturava as sobredoses tóxicas e
os tratamentos tardios, ou mesmo em reanimação e o tratamento precoce a 400/600
mg preconizado pelo IHU Méditerranée. O argumento era pois puramente
formalista. A segunda estratégia, lançada neste inverno, face a uma
justaposição muito mais completa (incluindo sempre as sobredoses e os
tratamentos tardios) que passa a mostrar a eficácia do tratamento, recua no
modo da lógica formal: "com o tempo, se isto funcionasse, já o
saberíamos!" ou "de qualquer modo, não se pode demonstrar nada com um
tratamento precoce!" E se tivessem deixado os médicos receitarem?
Porque é que a hidroxicloroquina "desagradou"
tanto? Sabe-se: porque é um tratamento antigo, inicialmente prescrito contra o
paludismo e o lúpus e que foi "reposicionado" como antiviral. Na
realidade, este problema do "reposicionamento" das moléculas amplamente
experimentadas ultrapassou a cloroquina enquanto tal. Ninguém deu sequência às
esperanças fornecidas pelo reposicionamento do interferon 2B que os
investigadores cubanos propuseram (moléculas que estimulam ou modulam, como a
hidroxicloroquina (HCQ), as defesas imunológicas do doente contra o agente
infeccioso. A mesma experiência feita pelo Instituto Pasteur em França, que
depositava esperanças num reposicionamento (a que não deu publicidade com medo
de voltar a cair no cenário polémico da cloroquina) para o qual os
financiamentos acabaram por não ser suficientes.
Conhece-se agora muito bem o impasse que constitui a
sistematização dos antibióticos contra as doenças bacterianas. Os micróbios
defendem-se evoluindo, armados de funcionalidades infinitamente complexas que
lhes permitem escapar às moléculas tóxicas por meio de um reforço da sua
capacidade de mutação e do efeito de uma seleção natural proporcional à
intensidade da sua exposição. De certa forma, quando a luta contra as bactérias
patogênicas optou pela química dos antibióticos (a industrialização e a
produção maciça) depois da descoberta de Fleming nos anos 20, preferida até
certo ponto à luta biológica dos soviéticos na mesma época com a fagoterapia
(utilização de vírus antibacterianos, capazes de evoluir por si mesmos) a partir
das descobertas de Felix D'Herelles, abriu-se uma nova era na química dos
antibióticos para a "obsolescência programada", de que obviamente não
negamos os imensos benefícios no decurso do século XX.
Quanto aos antivirais, que não são antibióticos, a questão é
mais complexa. Mas entre a hidroxicloroquina, cujos efeitos no organismo são
mais gerais, mais moderados e multiformes e o remdesivir, "nova
molécula" cuja ineficácia recente contra o vírus Ébola comprometeu as
finanças do grupo Gilead, mas que se mostrou "promissor" contra o
Sars-CoV-2, a batalha foi infinitamente mais midiática do que o escândalo que
se seguiu.
Na realidade, submeteu-se o remdesivir aos mesmos testes que
os da HCQ durante vários meses. A grande diferença entre os dois tratamentos
era sobretudo a toxicidade do remdesivir (embora já conhecida há muito) a nível
renal. Isso não impediu a Gilead de o vender a preço de ouro à União Europeia e
aos EUA no outono, por várias centenas de milhões de dólares, enquanto a OMS
declarava, ao fim de meses de tergiversações e anúncios favoráveis, que o
medicamento já não é recomendável. A mentira manteve-se imperturbável até se
passar à fase das vacinas, altura em que os tratamentos antivirais regressam a
um segundo plano na imprensa.
De certa forma, o remdesivir podia aparecer, como a
"nova molécula" de síntese produzida por um gigante da indústria
farmacêutica, como um "remédio milagre", específico a esta estirpe
viral (que ataca diretamente, e independentemente do sistema imunitário do
doente, como um antibiótico ataca as bactérias) enquanto que a
hidroxicloroquina, um medicamento genérico produzido maciçamente no hemisfério
sul a um custo baixo, só podia fazer o papel de "muleta", na falta de
melhor. Em um contexto de intensa propaganda anti-chinesa, dificilmente podemos
deixar de incluir este assunto naquilo a que o grande epistemólogo Paul
Feyerabend chamava, para a história a longo prazo, o "chauvinismo
científico ocidental".
É forçoso compreender o que uma crítica deste gênero pode
significar para lá do campo estritamente científico. Na realidade, toda a
análise marxista tem em conta o fato de que o capitalismo não consegue impedir
o progresso científico, técnico ou médico, mas pode refreá-lo, por vezes
consideravelmente. Isto pode parecer paradoxal se preferirmos as "novas
moléculas" aos "remédios antigos" mas, no período, o do início
do século XXI, em que caíram todos os dogmas da genética molecular e em que a
epigenética obriga a ter em consideração todas as epidemias numa base
ecossistêmica,é posta em causa a questão do "mecanicismo"
reducionista permanente, a das "moléculas milagrosas".
O único baluarte suficientemente "evoluído" para
uma infeção viral envolvida em metabolismos altamente complexos é o sistema
imunológico humano, um sistema que resulta de milhões de anos de evolução e que
é preciso ter em conta seriamente para o apoiar com hipóteses de eficácia.
Para a agroecologia que concentra as suas forças reforçando
as defesas naturais altamente complexas (e ainda muito imperfeitamente
conhecidas pela investigação reducionista), o objetivo é aumentar a fertilidade
de um solo sem as "substituir" pura e simplesmente por contributos
agroquímicos resultantes da agricultura intensiva. É este o futuro da
investigação altamente complexa da agronomia moderna, perante a qual a
agroquímica do século XX parece obsoleta e simplista. Do mesmo modo, a ideia de
que podemos lutar por um veneno molecular milagroso contra um agente infeccioso
formado por milhões de anos de seleção natural é obsoleta face a uma
investigação abrangente que tenha em conta o sistema imunológico humano em vez
de entrar em concorrência com ele. Esquecemo-nos frequentemente que todos os
agentes infecciosos dispõem de meios ilimitados para resistir às moléculas
prejudiciais, enquanto que o sistema imunológico consegue quase sempre, visto
que evolui e também se aperfeiçoa ao longo da vida para destrui-lo. A este
título, a vacinação é uma estratégia muito mais "moderna" do que todos
os suplementos medicamentosos , apesar
da investigação ser sem dúvida mais empírica e cruzada por interesses
econômicos.
Vacinas ocidentais "futuristas" contra as vacinas
"à moda antiga" chinesa e cubana?
É com efeito o que sugerem as autoridades sanitárias dos
Estados Unidos a propósito das vacinas "clássicas", nomeadamente a
chinesa, desconfiando da inexperiência dos investigadores chineses, ou mesmo
subentendendo que os protocolos experimentais são fraudulentos… perante o
"futuro" que as "vacinas por ARN mensageiro" representam.
É uma forma muito perturbadora de simplificar o problema
porque se, evidentemente, não se trata de contestar o imenso progresso que as
vacinas de ácidos nucleicos constituem, o seu uso apressado em milhares de
milhões de indivíduos, coberto por uma propaganda midiática claramente
favorável às vacinas ocidentais e hostil às vacinas russas e chinesas, supõe
uma confiança que muitos perderam (ou nunca tiveram).
As vacinas russas, cubanas e chinesas baseiam-se em técnicas
claramente provadas desde há muito: uma delas resulta duma modificação genética
de um adenovírus inofensivo utilizado como "veículo" injetável. As
outras, cubanas e chinesas, são vacinas ainda mais clássicas, fundadas na
atenuação do próprio vírus, na tradição pasteuriana mais pura. A novidade é
contudo importante: sua engenharia genética pode passar a produzir os vírus
atenuados in vitro de modo extremamente rápido e maciço.
Do lado ocidental, as vacinas Pfizer e Moderna, para citar
as mais conhecidas, constituem claramente uma nova geração de vacinas que nunca
foi utilizada a esta escala. As vacinas por ARN mensageiro apresentam
evidentemente “vantagens” muito grandes, sendo a primeira a vantagem
econômica.Não precisam de adjuvantes dispendiosos (e frequentemente
responsáveis potenciais de efeitos secundários) e são suscetíveis de ser
produzidas maciçamente e a baixo custo (apesar de o condicionamento e as
condições de injeção, que os Estados financiarão, ou seja, os impostos, serem
em contrapartida vinculativos, dado que o ARN é muito frágil, contrariamente às
proteínas). Outra vantagem importante: se o vírus sofrer uma mutação numa
sequência genética fundamental determinando as suas proteínas de ancoragem às
células humanas, é possível "reescrever" rapidamente o ARN da vacina
em consequência, sem novas experimentações e de forma muito simples.
Digamos desde já que esta última modalidade coloca mais um
problema de dependência econômica do que um problema sanitário. Se o vírus
sofrer uma mutação (e isso já aconteceu várias vezes), a Big Pharma poderá
afirmar sempre, com razão ou sem ela, que, apesar da venda ultra-lucrativa de
stocks de uma primeira versão aos Estados, dispõe de outra versão
"melhor" já atualizada, que será necessário comprar de novo, e por aí
fora. A inovação científica ainda se combina aqui com a possibilidade da forma
de uma "obsolescência programada" muito lucrativa.
A Big Pharma possui a partir de agora o controle da quase
totalidade das revistas médicas outrora respeitáveis, as que publicam os
artigos após serem revistos. Possuem os grandes laboratórios estratégicos de
biotecnologia (a não ser nos países sobreviventes do antigo campo socialista
como a China ou Cuba). Também têm, claro, a cumplicidade dos governos que farão
as encomendas! A luta contra os "antivax" torna-se extremamente
delicada em um contexto de suspeição como este, bastante justificado, digamos
de passagem. Parece hoje, sem surpresa, que os que defendiam ardentemente o
remdesivir ou a ausência de tratamento contra a hidroxicloroquina, em 2020, são
os mesmos que defendem em 2021 as vacinas ocidentais contra as vacinas russas,
cubanas ou chinesas… Não é por acaso a frase: “o mercado é livre”...
O principal problema ligado ao uso das vacinas por ARN
mensageiro inscreve-se num contexto teórico raramente abordado, para lá das
lógicas estritamente especulativas e que explica talvez porque é que os grandes
laboratórios reputados do "Sul", na China ou em Cuba, preferem hoje
fabricar vacinas "clássicas" em vez de vacinas por ARN mensageiro,
apesar destas serem mais "modernas" (vacinas que eles seriam capazes
de produzir). Mas para falar disto são necessárias algumas noções técnicas
sobre as modalidades de umas e de outras.
Um vírus é uma partícula mais simples que uma célula e muito
mais pequena. Contém alguns genes, inertes, que depois de entrarem na célula
alvo, vão exprimir-se para reproduzir todos os componentes moleculares que
permitem a formação de milhões de cópias virais (que sairão depois matando a
célula alvo).
A vacina clássica consiste em fazer absorver, às
"células apresentadoras" do sistema imunitário do hospedeiro,
moléculas escolhidas do próprio vírus, a que chamamos "antigenes"
(moléculas "estrangeiras" que desencadeiam por exemplo a produção de
anticorpos específicos, para os neutralizar). Consegue-se estimular o sistema
imunológico de boa forma, incluindo na vacina a(s) boa(s) molécula(s),
apresentadas de forma pertinente (quase sempre a face exposta de uma molécula
viral da membrana de adesão às células parasitárias, no caso do Sars-Cov-2, a
famosa proteína "Spike"). De certo modo, a vacina não apresenta
nenhuma diferença com a instalação real de um agente infeccioso no organismo: é
"digerida" por células apresentadoras que, a seguir, o expõem na superfície
dos "pedaços" antigénicos estimulando uma resposta imunitária
especificamente dirigida.
A vacina por ARN mensageiro atinge o mesmo objetivo, mas por
uma via completamente diferente. Com efeito, contém pelo menos um gene viral
(não tóxico, visto que está sozinho e não consegue reproduzir todo o vírus) que
entra nas células apresentadoras, é expresso por elas, o que cria uma produção
maciça de proteínas virais (inúteis e não tóxicas, falsamente endógenas)
suscetíveis de serem depois expostas de forma clássica. Em geral, pensa-se
reproduzir por esta via o processo natural de reprodução viral, mas através de
uma única molécula e não do conjunto do genoma.
O problema reside na abordagem muito reducionista, muito
mecanicista desse processo, extremamente complexo. Já descrevemos e percebemos
uma grande parte dos mecanismos do ciclo de reprodução viral no seio da célula
hospedeira, mas será que dominamos a totalidade dos processos metabólicos
afetados por este ciclo? A questão pode parecer fácil, mas a genética molecular
(muito mecanicista e reducionista, ou mesmo "química", para ilustrar
a falta de abordagem ecossistémica) outrora triunfante, é hoje profundamente
abalada por uma revolução epigenética que aboliu todos os seus dogmas. A
epigenética é o reconhecimento de processos extremamente complexos de
interações entre os genes e o seu ambiente na célula. Há muito desapareceu o
famoso "dogma central da genética molecular" que postulava que os
genes agiam exprimindo-se no meio ambiente, mas que esse meio não podia afetar
os genes, e sabemos nomeadamente que não basta introduzir genes no citoplasma
de uma célula, mesmo que sejam de ARN, para garantir a proteção dos genes dessa
célula (no seu núcleo). Um grande número de reguladores naturais de ARN está
permanentemente a ser derramado no sangue por todo o organismo, no citoplasma
de todas as nossas células, nos núcleos delas, implicando uma infinidade de
interações reguladoras com os nossos genes.
Claro que um vírus também injeta os seus genes na célula
alvo para que eles se exprimam. Mas é um genoma inteiro que é injetado e
existem potencialmente regulações entre o novo coronavírus e o material
genético da célula hospedeira, dois parceiros já muito complexos (e ainda não
totalmente conhecidos, tanto mais que se trata de um novo coronavírus).
Há portanto uma grande diferença entre as situações
"naturais" (estas são experimentadas e selecionadas há milhões de
anos) de digestão de um vírus inteiro por uma célula que tem essa vocação, ou a
incorporação de um genoma viral completo em uma célula infectada, e a obriga a
"imitar" esse processo em miniatura, com um único gene que, por sua
vez, está equipado com genes reguladores adicionados pelo gene genético (para
multiplicar o ARN na célula, por exemplo, e aumentar a exposição das moléculas
na membrana).
Será que há a certeza de que a manipulação do vírus por um
gene genético de tecnicidade muito alta, mas que se apoia numa abordagem
teórica já "ultrapassada", não coloca problemas sanitários futuros,
perfeitamente insuspeitos atualmente? A modernização necessária das vacinas,
sem dúvida por esta via dos ácidos nucleicos, deverá ser acelerada desta forma,
na prática, em nome da "modernidade", enquanto existem as vacinas
clássicas, há muito experimentadas e reconhecidamente eficazes, e que também se
vão aperfeiçoando? Para a China, parece que os avanços teóricos da genética
convidam precisamente à prudência (nós estamos apenas no início da epigenética
que permitirá dominar realmente as vacinas por ácidos nucleicos e, além deles,
toda a terapia genética), razão pela qual, em parte sem dúvida, eles optam pela
forma clássica, pelo vírus atenuado, com a preocupação pela saúde pública… uma
preocupação posta de lado nos países ocidentais onde se sucedem os escândalos
da Big Pharma. Nos países que geriram muito melhor a crise sanitária do que o
ocidente capitalista e onde os Estados conservaram manifestamente a confiança
dos seus cidadãos, a prioridade é para a gratuitidade das vacinas e para a sua
produção segura e tão maciça quanto possível. Nos países ocidentais
imperialistas, pelo contrário, diabolizando um medicamento antidiluviano (a
hidroxicloroquina) em favor de uma "nova molécula promissora" (mas
tóxica para os rins), desenvolvendo uma técnica “incerta” a longo prazo e
contra as vacinas clássicas experimentadas e promovidas pela China, por Cuba e
pela Rússia, o princípio de precaução nunca foi posto em primeiro lugar…
O ano passado que terminou permite tirar alguns primeiros
ensinamentos das políticas sanitárias de uns e dos outros: a distinção entre o
ocidente imperialista e o resto do mundo salta aos olhos e seria necessária uma
lavagem ao cérebro midiático para tentar obscurecê-la. Cuba, Vietnã, China e a
Venezuela situam-se entre os principais atores de uma gestão da crise exemplar…
a tal ponto que países ocidentais tiveram de recorrer à sua ajuda
internacionalista para se manterem à tona de água. O mesmo em relação aos
tratamentos de urgência que constituíram uma polêmica inédita e reveladora da
influência assassina da Big Pharma no mundo ocidental, pelo menos.
O corrente ano constitui uma nova aposta de monta,
especialmente com as campanhas de vacinação. Mas será necessário adicionar à
capacidade de cada "modelo" para vencer a pandemia a sua capacidade
para resolver as consequências econômicas , sociais e mesmo psicológicas que
essa pandemia continua a gerar. Esse balanço que as forças progressistas de
todo o mundo deverão realizar e divulgar, será fundamental para as revoluções
futuras e será necessário estar à altura das desilusões dos povos para liderar
revoluções socialistas duradouras e travar as vinganças assassinas em que o
capitalismo é costumeiro.
* Professor de ciências da Universidade de Sorbonne, Paris