sábado, 23 de outubro de 2021

ANÁLISE MARXISTA SOBRE “ROUND 6”: UMA PEQUENA AMOSTRA “FICCIONAL” DA VERDADEIRA BARBÁRIE MORTAL DO JOGO CAPITALISTA CONTRA OS EXPLORADOS

A nova série da Netflix, Round 6 (The Squid Game) que vem batendo recorde de público na TV paga, dramatiza os horrores da desigualdade e da exploração capitalista na Coreia do Sul e destrói o mito de que o trabalho árduo garante a prosperidade em uma sociedade dividida em classes socias que tem o Estado e seu aparato repressor a serviço da burguesia e da imposição da ideologia dominante. O novo drama de sobrevivência reflete a crescente barbárie social na sociedade sul-coreana que na semana passada foi palco de uma greve geral por direitos sociais dos trabalhadores. Diferente da série ficcional que coloca a “solução” para o fim dos jogos macabros nas mãos de um único homem (Gi-hun), os Marxistas defendem que para o derrotar o capitalismo mortal faz-se necessário a organização dos trabalhadores como classe para si através do partido revolucionário mundial que agrupe a vanguarda consciente comunista para o grande combate final.

No melhor estilo de Jogos Vorazes mas no lugar do romantismo epopeico e heroico em um mundo do futuro, a tragédia de nossos dias de crise social intensa domina a série. Os que participam dos jogos em Round 6 são pessoas “descartáveis” como o proletariado para o grande capital como nos ensinou Marx analisando o valor da força de trabalho na engrenagem da exploração do modo de produção do domina atualmente a sociedade.

O interessante é que o patrono dos jogos é um velho rentista doente e sem prazer com o mundo apesar de bilionário, um dado que salta do olhos quando sabemos que a taxa de suicídio na Coreia do Sul é uma das mais altas do mundo, um problema especialmente prevalente entre os idosos, quase metade dos quais vive abaixo da linha da pobreza. 

Enquanto milhões de coreanos comuns lutam para sobreviver, as elites do país mantêm um controle rígido sobre a economia. A economia sul-coreana funciona com base nos chaebol, conglomerados empresariais pertencentes a um punhado de famílias ricas e poderosas que são apoiadas pelo governo e ligadas diretamente ao imperialismo ianque e a economia norte-americana. 

Entre os maiores chaebol do país está a Samsung, cujo CEO Lee Jae-yong foi libertado da prisão em agosto de 2021 depois de cumprir apenas metade de sua sentença de 2 anos por suborno e peculato. Para justificar sua libertação, o governo sul-coreano citou a importância de Lee para a economia do país.

A extrema desigualdade da Coréia é o tema central de Round 6. No programa, um grupo de jogadores endividados competem numa variação de jogos infantis, para ter a oportunidade de ganhar milhões. Só há um problema: todo jogo é jogado até a morte. Os jogadores que falham são mortos no local e o risco de eliminação aumenta a cada rodada. Cada vez que um jogador é morto, dinheiro extra é adicionado ao prêmio, exibido na forma de um cofrinho gigante que levita no dormitório dos jogadores.

Um detalhe é que uma máfia que faz a venda ilegal de órgãos dentro dos jogos é aceita como parceira do promotores burgueses do Round 6 desde que não coloquem em questão a dinâmica da competição, em uma alusão ao chamado crime organizado que é alimentado pela própria burguesia e seu "Estado paralelo". 

Enquanto isso, um grupo de VIP´s da elite capitalista dominante global (falam inglês logo são associados ao imperialismo ianque) assiste e se deleita nas miseráveis tentativas ​​dos jogadores de ganhar o prêmio em dinheiro. Eles apostam na vida dos jogadores da mesma forma que o protagonista da série, Gi-hun, apostou em uma dívida que arruinou sua vida tempos atrás: uma ilustração criativa de como a sociedade capitalista funciona com dois conjuntos de regras, um para os ricos e outra para os pobres.

O que diferencia Round 6 de outros conteúdos de jogos mortais, como Battle Royale e The Hunger Games, é o foco explícito da série na classe e na desigualdade social, especialmente no contexto da Coreia do Sul contemporânea. No segundo episódio, os personagens voltam ao seu cotidiano após terem votado pela descontinuação do jogo no primeiro episódio, mas as péssimas condições de suas vidas, atoladas com esmagadoras dívidas, inevitavelmente os fazem retornar. Se eles vão sofrer com o capitalismo apesar de tudo, eles também podem provar o prêmio em dinheiro que o jogo promete e que pode mudar suas vidas. 

A descrição da Coréia do Sul na série Round 6 ressalta como as circunstâncias econômicas para a classe trabalhadora sul-coreana não lhes dão escolha a não ser jogar os jogos supervisionados pelos governantes da sociedade burguesa. A história gira em torno de Gi-hun, cujo vício em jogos de azar e o desemprego o deixaram endividado. Ela opta por jogos na esperança de ganhar dinheiro suficiente para pagar as contas médicas de sua mãe moribunda e para sustentar sua filha na tentativa de impedi-la de se mudar para os Estados Unidos com sua mãe, o velho sonho americano.

Conforme a série avança, é revelado que os problemas financeiros iniciais de Gi-hun podem ser rastreados até a perda de seu emprego dez anos antes. O roteirista e diretor da série, Hwang Dong-hyuk, disse que modelou o personagem de Gi-hun após os organizadores da greve da fábrica da Ssangyong Motors em 2009, que terminou em derrota após sucessivos ataques na fábrica da Ssangyong Motors. Em flashbacks, aprendemos que depois que Gi-hun e um grupo de seus colegas foram demitidos, ele e seus companheiros sindicalistas se barricaram no depósito da Dragon Motors durante a noite. Os fura-greves arrombaram as portas e espancaram os trabalhadores com cassetetes, batendo em um colega de Gi-hun até a morte diante de seus olhos. 

A Coreia do Sul tem uma longa e contínua história de práticas anti-sindicais e contra os direitos operários. No mês passado, o presidente da maior confederação sindical do país foi detido e encarcerado sob o pretexto de violar as normas de segurança da COVID-19 em uma manifestação trabalhista em Seul, uma expressão concreta do terror sanitário imposto pela Big Pharma e a governança global do capital financeiro que orquestrou a pandemia.

No 4º episódio de Round 6, “Um mundo justo”, um competidor é pego trapaceando. Ele e seus cúmplices são escrachados rapidamente. O mestre do jogo então faz um discurso apaixonado no qual descreve o processo como uma meritocracia e a si mesmo como um provedor benevolente de oportunidades. “Essas pessoas sofreram desigualdade e discriminação no mundo real”, diz ele, “e estamos dando a elas uma última chance de lutar de forma justa para vencer”. Embora seja um aspecto universal nas sociedades capitalistas, a meritocracia tem ressonâncias particulares na cultura coreana, que remonta ao confucionismo. A ideia de que o trabalho duro valerá a pena continua sendo um slogan comum na Coreia, mesmo quando mais e mais jovens sul-coreanos que seguiram o rígido caminho do sistema educacional coreano altamente competitivo enfrentam desemprego, dominação chaebol e desigualdade.

O paralelo entre a sociedade da livre concorrência é real. Ao contrário dos que dizem os defensores do livre mercado, de que a concorrência absoluta geraria o equilíbrio e o benefício de todos, o que assistimos é o descarte e eliminação da maioria em benefício de um punhado. É a sociedade baseada na competição que gera, justamente, essa camada de pessoas descartáveis que, sem perspectivas, aceita participar dos jogos. Uma sociedade baseada na absoluta concorrência é uma sociedade baseada na barbárie e na violência e o que assistimos acontecer na ilha isolada em Round 6 é só uma alegoria caricata e irônica do que vivemos no dia-a-dia. É tudo pelo dinheiro e, pelo dinheiro, vale tudo.Dos quase 500 participantes dos jogos mortais, apenas um pode ganhar um prêmio de US $ 40 milhões que o tirará da falência. Basta vencer em vários jogos infantis que todas as crianças do mundo conhecem e podem praticar. 

Como não pode ser diferente, entre os participantes está um norte-coreano, a jovem Kang Sae-byeok, que fugiu para o sul em busca de uma suposta vida melhor que a do Estado operário norte-coreano cercado e isolado, mas termina nos jogos junto com os fracassados sul-coreanos, todos mortos. De uma aparente crítica pela direita a “ditadura comunista” norte-coreana nasce um ataque mais profundo a Coreia do Sul capitalista ou no mínimo uma desilusão com o “paraíso do sul” que nada tem a oferecer melhor que o seu vizinho do norte, com uma sociedade bem mais justa e igualitaria apesar da burocratização stalinista.

Embora o resto do mundo pense o contrário, o país norte-coreano não é tão hermético como a mídia diz por aqui. Eles também estão assistindo a série e também é um sucesso. É por isso que a mídia do norte-coreana está comentando sobre isso. O site norte-coreano Arirang Meari afirma que a série retrata uma “sociedade desigual onde pessoas sem dinheiro são tratadas como peças de xadrez pelos ricos. Isso faz as pessoas perceberem a triste realidade da sociedade sul-coreana bestial, na qual os seres humanos são empurrados para uma competição extrema e sua humanidade está sendo exterminada”.

Para sermos consequentes devemos apontar que o Estado operário norte-coreano é, apesar de todas as suas distorções burocráticas que devem ser superadas pela revolução política como nos ensinou Trotsky, o oposto do “Round 6”, o inferno capitalista sul-coreano, um verdadeiro enclave ianque na península dividida artificialmente pelas potências capitalistas. 

Como Leninistas apontamos que nesse jogo de vida e morte que nos impõe o capitalismo, para o proletariado vencer deve lutar conscientemente pela Revolução Proletária Mundial que liberte os escravos modernos do jugo da exploração, opressão e morte, sem cair nas ilusões da política de colaboração de classes da esquerda domesticada!