sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

110 ANOS DE NOEL ROSA: O GÊNIO BOÊMIO DA CLASSE MÉDIA QUE TROUXE O SAMBA DO MORRO PARA SE JUNTAR AO “ASFALTO” DA VILA ISABEL

Em 11 de dezembro de 1910, há exatos 110 anos, nascia Noel Medeiros Rosa no bairro de Vila Isabel, na Zona Norte carioca. Filho do comerciante Manuel Medeiros Rosa e da professora Marta de Medeiros Rosa foi aluno do tradicional Colégio São Bento. Muito cedo aprendeu a tocar violão e bandolim. Ele passou rápido pela vida devido a uma tuberculosa causada pela boemia, mas deixou uma extensa obra que redefiniu os rumos do samba no Rio de Janeiro e, por que não dizer, da música popular brasileira. Primeiro compositor branco de classe média a fazer parcerias com compositores negros que viviam nos morros ou bairros mais pobres da cidade. Este é um aspecto revolucionário da trajetória artística de Noel: a aproximação do intelectual, compositor e poeta boêmio com os sambistas populares.

Aos 13 anos aprendeu a tocar bandolim de ouvido, com a mãe, fato marcante em sua vida, pois a partir daí, percebera que a sua grande habilidade instrumental tornava-o importante diante de outras pessoas. Do bandolim para o violão, foi um passo. Em 1925, dominava completamente o instrumento, participando ativamente das serenatas do bairro. 

Enquanto Noel ensaiava os primeiros acordes musicais, estava em voga a música nordestina e os conjuntos sertanejos. O garoto logo se interessou pelas canções, toadas e emboladas da época. Acompanhando a novidade, um grupo de estudantes do Colégio Batista e mais alguns moradores do bairro de Vila Isabel formaram um conjunto musical, denominado “Flor do Tempo”. Reformulado para gravar em 1929, o grupo passou a se chamar “Bando de Tangarás”. 

Alguns de seus componentes se tornariam mais tarde grandes expoentes de nossa música: João de Barro, Almirante, e Noel, que já era um bom violonista. Ainda em 1929, compôs as suas primeiras músicas. Dentre elas a embolada Minha viola e a toada Festa no céu. Em 1930, conheceu seu primeiro grande sucesso “Com que roupa”, apresentado em espetáculos do Cinema Eldorado. 

Já se podia notar sua veia humorística e irônica, além da crônica da vida carioca, marcante em toda a sua obra. "Meu paletó virou estopa/ E eu pergunto com que roupa/ Com que roupa eu vou/ Ao samba que você me convidou?" Este samba, “Com que roupa?”, o primeiro sucesso de Noel Rosa (1910-1937), foi composto em 1929, gravado em 1930 e estourou no carnaval de 1931. Reza a lenda que Noel fez essa letra após uma briga com a própria mãe. Ele queria sair e, ela, para impedir, escondeu suas roupas. Surgiu assim a pergunta “com que roupa eu vou?”, que batizaria a canção.

O sucesso de “Com que roupa?” foi decisivo para o samba nascido no morro ser adotado pela classe média e fazer sucesso nas rádios, o maior veículo de comunicação da época. 

Essa aceitação acabaria sendo decisiva não apenas no futuro do samba, mas principalmente na história da Música Popular Brasileira. E a nata da MPB reverenciaria o autor desse clássico. “Com que roupa” foi gravada, entre outros, por Elza Soares, Martinho da Vila, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Zeca Pagodinho. Quando fez o samba “Com que roupa?”, Noel integrava o Bando de Tangarás, fundado em 1929 com Almirante, João de Barro, Henrique Brito e Alvinho.

Em 1931 ainda compunha músicas sertanejas como Mardade de cabocla e Sinhá Ritinha, optando depois definitivamente pelo samba. Em apenas 8 anos de atividade compôs 259 músicas e teve mais de 50 parceiros. Em 1931 entrou para a faculdade de Medicina, sem, no entanto, abandonar o violão e a boemia. O samba falou mais alto pois largou o curso meses depois. “Seu garçom faça o favor de me trazer depressa, uma boa média que não seja requentada, um pão bem quente com manteiga à beça, um guardanapo e um copo d’água bem gelada”.

Com estes versos, Noel Rosa começa um dos seus sambas mais sensacionais, que faz a crônica de um botequim carioca dos anos de 1930. O samba, com melodia de Vadico, foi lançado em disco pela Odeon e logo fez sucesso nos programas de rádio. Cantado como se fosse um papo do cotidiano, o samba traça um retrato do Rio de Janeiro e de alguns de seus tipos, como o garçom e o freguês folgado, que faz do boteco a sua casa. A partir de 1933 travou a famosa polêmica musical com o compositor Wilson Batista.

Nesse mesmo ano conheceu sua futura esposa, Lindaura, que quase lhe deu um filho: ao cair de uma goiabeira no quintal de sua casa, Lindaura perdeu o bebê. Apesar de fortes problemas pulmonares, Noel não largava a bebida e, com bom humor e ironia, formulou uma teoria a respeito do consumo de cerveja gelada. Segundo ele, a temperatura fria da cerveja acabava paralisando os micróbios, livrando-o da tosse. 

Com isso, ia ludibriando os amigos e a si mesmo. Por essa ocasião Noel precisou transferir-se para Belo Horizonte devido à lesão pulmonar que o acometera subitamente.

A capital mineira tornara-se o local ideal para o tratamento prolongado. Lá não havia bares, nem botequins ou as estações de rádio que Noel frequentava tanto. A viagem à capital mineira surtiu efeito temporariamente, Noel havia engordado 5 quilos e apresentava sinais de melhora. Entretanto, a boemia falou mais alto. Não tardaria muito para que o compositor descobrisse os segredos da vida noturna da capital mineira, entregando-se novamente às cantorias e bebedeiras. Noel e a esposa estavam instalados na casa de tios que, ao descobrirem as saídas noturnas às escondidas de Noel, mandaram o casal de volta ao Rio. Nos últimos meses de 1936, Noel não mais saía, preferindo evitar as pessoas, sobretudo as que o questionavam sobre o seu estado de saúde.

A única pessoa que o poeta visitava era o sambista e compositor Cartola, lá no morro. No início de 1937, numa outra tentativa de recuperação, Noel e Lindaura rumaram para Nova Friburgo, em busca do ar puro da montanha. Em vão, pois Noel se deprimia, sentindo falta da Vila Isabel. Ao voltar para o Rio, a doença já havia o tomado por inteiro; sentia-se fraco, melancólico, apático. Alguns amigos sugeriram-lhe que passasse uns tempos na tranquila cidade de Piraí (RJ). Na noite de 4 de maio deste mesmo ano, nos braços de Lindaura, em seu quarto no chalé, Noel veio a falecer aos 26 anos de idade deixado saudades para os admiradores do samba e de sua simbiose com as vozes populares do morro. Uma estúpida tuberculose levou à morte o magistral Poeta da Vila...

A sua morte foi prematura, mas a sua obra é eterna. Poderia ter vivido mais tempo se tivesse ouvido os conselhos de sua mãe. Mas amava demais a vida para deixar-se prender em uma cama ainda que isso lhe rendesse mais alguns anos neste mundo. Então escolheu viver intensamente por vinte seis anos que lhes tornaram imortal escrevendo eternamente seu nome na história cultural do Brasil.