sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

“OPERAÇÃO CHAFURDO DE NATAL”, O ATAQUE DO EXÉRCITO AO ACAMPAMENTO DA COMISSÃO MIILITAR DA GUERRILHA DO ARAGUAIA: HONRAR OS QUE TOMBARAM NA LUTA HERÓICA CONTRA A DITADURA FAZENDO UM BALANÇO MARXISTA DA EXPERÊNCIA FRACASSADA DO “FOCO RURAL REVOLUCIONÁRIO” PELO PCDOB 

No dia 25 de dezembro de 1973 tropas de paraquedistas do exército brasileiro a serviço da odiosa ditadura militar atacaram o acampamento da Comissão Militar instalado durante a Guerrilha do Araguaia, no episódio macabro que ficou conhecido como a “Operação Chafurdo de Natal”. Estavam lá acampados, 16 guerrilheiros do PCdoB. Há 47 anos morreram em combate, os seguintes guerrilheiros: o comandante Maurício Grabois (Velho Mário), 61 anos; Paulo Mendes Rodrigues (Paulo), 42 anos; Gilberto Olímpio Maria (Gil ou Pedro), 31 anos; Guilherme Gomes Lund (Luiz), 26 anos e Paulo Roberto Pereira Marques (Amauri), 24 anos. Outros 11 guerrilheiros se dispersaram, mas foram presos e executados. Era um dos capítulos finais da operação das Forças Armadas de combate à guerrilha do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na região do Araguaia. 


Instalados na região desde 1972, militantes comunistas misturaram-se à população de camponeses pobres e catadores de castanhas, na tentativa de criar um foco de guerrilha. O cenário dos combates foi a região do Bico do Pagagaio, na confluência dos rios Araguaia e Tocantins e dos Estados do Pará, Maranhão e Goiás (na região pertencente hoje a Tocantins).

Era uma região abandonada pelos governos burgueses, por onde avançava a pecuária extensiva, tornando iminentes os conflitos pela posse da terra. Quase todos os grupos revolucionários – Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Comando de Libertação Nacional (Colina), Ação Libertadora Nacional (ALN) e Ação Popular Marxista-Leninista (APML) – tentaram estabelecer bases na região, mas apenas o núcleo do PCdoB conseguiu se implantar em pequenos povoados.

Atuando como professores e médicos, os militantes tentaram ganhar a confiança dos camponeses e mobilizá-los em torno de causas locais, como o preço justo para a castanha e a demarcação de terras. Conquistaram lealdade e gratidão, mas não há notícia de que camponeses da região tenham se engajado diretamente na guerrilha. Os militantes eram na maioria estudantes de classe média, mal armados e inexperientes em combate, mas o Exército tampouco estava preparado para liquidar a guerrilha.

A primeira campanha dos militares resultou na morte de 12 guerrilheiros (8 em combate e 4 assassinados) e na prisão de 7 dos cerca de 80 integrantes do grupo. O Exército nunca informou suas baixas. Quando começou o cerco, a censura proibiu menções à existência da guerrilha do Araguaia. O grupo ficou isolado também da direção do PCdoB, em São Paulo. As mensagens de apoio – apenas moral – chegavam à selva pelas ondas curtas da Rádio Tirana, da comunista Albânia, país ao qual os comunistas se alinhavam. A guerra silenciosa mobilizou milhares de soldados do Exército e da Aeronáutica em três campanhas até a liquidação dos últimos guerrilheiros no final de 1973.

Foram usadas bombas incendiárias de napalm para abrir clareiras na selva, como faziam os militares dos EUA no Vietnã. Camponeses foram ameaçados, presos e torturados para dar informações. Alguns, em número incerto, foram assassinados e tornaram-se “desaparecidos”. A partir da segunda campanha, o Exército não fez mais prisioneiros, executando todos os comunistas e camponeses capturados. Pelo menos 60 guerrilheiros foram mortos, a maioria depois de presos.

Lembremos que no dia 16 de dezembro de 1976 o Comitê Central do PCdoB, organizou um encontro clandestino (o mais representativo realizado após o encerramento das atividades da guerrilha do Araguaia) mas não se pode chegar ao fim devido à brutal ação policial fascista do regime militar contra o que restava da direção partido após a derrota sofrida no norte do país, a chamada “Chacina da Lapa”. 

No centro da pauta do CC estava o debate acerca do balanço político da ação militar guerrilheira do partido, realizada sob orientação ideológica do Partido Comunista Chinês. Não por coincidência a fração dirigente que defendia o “grande acerto” da tática Maoísta encontrava-se “refugiada” justamente em Pequim. Estamos falando fundamentalmente de João Amazonas e Renato Rabelo (atual presidente do PCdoB), que juntos se recusavam a fazer qualquer movimento de autocrítica em relação ao Araguaia.

O regime de exceção aprofundado pelo AI-5 interrompeu o processo de evolução política e ideológica do proletariado e do campesinato pobre brasileiro e acabou por dar início à liquidação do PCB como partido hegemônico no movimento operário, em função de sua própria capitulação política. O combate à ditadura passou para as mãos das organizações políticas que defendiam a luta armada (ALN, MR8, PCdoB etc.).

As organizações de esquerda, que se multiplicaram desde que o stalinismo (PCB) tomou a posição traidora de não organizar a resistência ao golpe de 64, acreditavam, em geral, que a derrota de 64 devia-se mais à suposta incapacidade dos métodos de luta da classe operária do que à política de colaboração de classes do stalinismo e sua aliança com os chamados setores progressistas e nacionalistas da burguesia. Dessa forma, a maioria dessas organizações, sob a influência do foquismo, optou pela ação guerrilheira apartada das massas. 

Algumas delas, como o PCdoB, que empreendeu a Guerrilha do Araguaia, tomaram o caminho da “luta armada”, defendendo a estratégia política do etapismo stalinista.

A paralisia do stalinismo oficial gerou um leque de organizações políticas (ALN, PCBR, VPR, VAR-Palmares), que expressando uma resposta desesperada da pequena-burguesia radicalizada, buscaram o caminho do foquismo e da luta guerrilheira para combater a ditadura militar. Reivindicando praticamente o mesmo programa etapista e stalinista do PCB, mas criticando sua tática de integração sindical e parlamentar ao regime burguês e, depois, a ação conjunta com a própria oposição civil à ditadura militar, essas organizações políticas viraram as costas para o trabalho sistemático de organização da classe operária nas fábricas e seguiram o caminho da luta armada praticada por pequenos focos de militantes, tanto através da guerrilha urbana, como por meio da guerrilha rural.

Não por acaso, a esmagadora maioria dessas organizações estavam dizimadas uma década após o golpe de 64. Essa orientação foi equivocada na medida que setores da classe operária e do movimento estudantil ainda resistiam à ditadura militar até1968. São exemplos desse combate das massas, a greve dos trabalhadores metalúrgicos de Contagem e Osasco, inclusive com ocupação de fábrica e a manifestação do 1º de Maio em São Paulo. 

Em oposição ao oportunismo do PCB e ao foquismo pequeno-burguês de suas dissidências, a posição correta dos Marxistas Revolucionários diante do golpe militar deveria ser a defesa da formação de uma frente única proletária abarcando todos os agrupamentos operários revolucionários, capaz de tornar-se a espinha dorsal de um poderoso movimento de massas para a reconquista das liberdades sindicais, operárias e democráticas (partidos, sindicatos, imprensa, direito de reunião) estranguladas pela ditadura militar.

Somente a retomada da iniciativa política da classe operária em torno da defesa de suas reivindicações políticas e econômicas e por meio de comitês de frente única, que unisse o trabalho revolucionário legal e ilegal, poderia consequentemente, inclusive, arrastar para a luta contra o regime de exceção amplos setores da pequena burguesia radicalizada, projetando as lutas operárias em curso, através da construção de comissões de empresas e de oposições sindicais para desbancar os agentes do capital da direção do movimento operário.

A resistência da pequena burguesia à ditadura por meio de grupos foquistas, e seu consequente fracasso nesta tarefa, reafirmam que só a classe operária organizada e armada por um programa revolucionário é capaz de derrotar a sanha militar pró-imperialista. A derrota das massas diante do golpe militar de 1964 e a ulterior imposição da ditadura por mais de 20 anos não eram inevitáveis, deveu-se não só à força política e militar da burguesia e do imperialismo, mas à traição da esquerda stalinista associada a direções nacionalistas burguesas.

Os “Ziguezagues” programáticos do PCdoB ao longo de sua história o descredenciaram totalmente perante a vanguarda revolucionária, o respeito e admiração adquiridos com a morte heroica de seus militantes durante a Guerrilha do Araguaia e nos anos de “chumbo” da ditadura viraram pó quando o partido deliberou estabelecer as alianças conservadoras, abrigar neoliberais e filiar até mesmo oligarcas e estupradores, uma conduta podre e corrupta do ponto de vista político e ideológico que deve ser repudiada amplamente pela vanguarda classista, não por caso agora lança um “movimento” de autodiluição que vem sendo explorado pela mídia burguesa justamente porque envolve um partido que desgraçadamente ainda usa como símbolo a foice e martelo!

A plataforma estratégica da “luta armada” dos anos 70 foi logo substituída pela apologia da democracia burguesa como valor universal, levando o PCdoB para a vala comum da socialdemocracia, disfarçada de “neodesenvolvimentista”. Os mártires da Guerrilha do Araguaia desgraçadamente não têm herdeiros políticos, nem no campo do decomposto PCdoB, nem tampouco no terreno dos “dissidentes” que acabaram por dissolver no PT.

Os neostalinistas do PCdoB atualmente officies-boys da burguesia, por exemplo, engalfinham-se junto aos partidos tradicionais na divisão do botim estatal e dos negócios de vários governos e prefeituras, defendendo ardentemente todas as instituições do Estado capitalista, a mesma máquina assassina que seus ex-militantes da Guerrilha do Araguaia combateram. Essa é, sem dúvida, a maior ofensa à memória dos que tombaram na luta contra a ditadura militar. Um verdadeiro crime político a ser denunciado energicamente pelos Marxistas Revolucionários.

Na verdade o PCdoB há muito tempo abriu mão de qualquer luta pelo Comunismo e a Revolução Proletária, desde que aderiu ao Stalinismo, o abandonou pela direita e depois alinhou-se ao Maoísmo, rompendo mais uma vez em uma guinada social-democrata. A guinada socialdemocrata do PCdoB, ocorrida no início dos anos 90, o fez abandonar os pressupostos do Marxismo-Leninismo, formatando um partido de filiados sem o menor comprometimento ideológico e militante. Nesta inflexão de classe, o partido de João Amazonas passou a acolher personalidades políticas burguesas, com potencial eleitoral para “ajudar” os neostalinistas a ocuparem vagas no parlamento.

O ocaso do PCdoB é, sem dúvida, produto da imensa ofensiva ideológica do imperialismo pós-queda do Muro de Berlim e destruição da URSS. Sem qualquer referência política no comunismo, sua atual direção integrou-se de mala e cuia à “democracia” capitalista, deixando de ser um partido estalinista para transformar-se numa legenda de aluguel disponível a qualquer burguês que se interessar em comprá-la. 

Nem mesmo o nome “comunismo” espanta a classe dominante, porque não há a menor relação ideológica entre este partido e um programa revolucionário. Os “comunistas” do PCdoB, não é de hoje, estiveram na "democracia" a serviço da burguesia e das oligarquias regionais mais reacionárias, tanto que apoiaram Sarney, Tasso Jereissati, Collor, Jader Barbalho e Renan Calheiros já época da (mal)chamada “Nova República”, o que se repete hoje sendo serviçais da Oligarquia Gomes.

A política do PCdoB de aliar-se com as mais diversas frações da burguesia e a defesa das instituições do Estado capitalista não são nenhuma novidade e desnudam a total decomposição moral e política de um partido corrompido ideologicamente, plenamente adaptado ao projeto de colaboração de classes da Frente Popular. Como se vê, a legenda do PCdoB está pagando um alto preço por ser uma verdadeira “prostituta política” da burguesia.

Ao contrário do “senso comum” amplamente difundido pela mídia capitalista e em parte legitimado pela esquerda palatável como o PCdoB, como vemos no cartaz que abriu esse artigo, os combatentes da Guerrilha do Araguaia não foram mortos “lutando pela democracia e a liberdade”, tombaram no confronto direto com as forças da repressão pela causa da revolução socialista, mais além dos desvios políticos das direções reformistas e etapistas que hegemonizavam o momento. 

A concepção da “democracia como valor universal” não permeava as mentes de nenhum dos nossos heróis que deram suas vidas no combate revolucionário contra a ditadura militar. Neste ponto reside a contradição fundamental entre o regime de “exceção” imposto ao país pelas classes dominantes e o conjunto da militância socialista naquela etapa da luta de classes. Salvo alguns setores do “Partidão” que já flertavam com uma “flexibilização” do leninismo em direção à social democracia, o que anos depois daria origem ao chamado “eurocomunismo”, as organizações de esquerda que se levantaram em armas contra os facínoras adotavam a estratégia da defesa da ditadura do proletariado versus ditadura capitalista, sob a forma concreta assumida em 64 de um regime político militar.

Caberá a uma nova geração de combatentes classistas, forjada na têmpera revolucionária de um novo poder, honrar a memória e a luta de todos os militantes da esquerda comunista que caíram sob o tacão assassino da ditadura do capital. 

Passados exatos 47 anos do ataque trágico a comissão militar da Guerrilha do Araguaia estamos vendo no governo central do país os herdeiros do regime militar pelas mãos do governo de Bolsonaro e o regime Bonapartista. Tanto ontem como hoje a defesa das liberdades democráticas e das conquistas operárias é uma tarefa revolucionária da classe operária organizada em sua luta contra ditadura do capital e pela Revolução Socialista! Em memória de todos os heróis tombados na brava resistência ao regime militar afirmamos em uníssono: O SOCIALISMO TRIUNFARÁ HISTORICAMENTE SOBRE AS CINZAS DOS FASCISTAS E NEOLIBERAIS DE TODOS OS MATIZES POLÍTICOS!