MORRE MORRICONE, O TITÃ DA MÚSICA: O OSCAR QUE HOLLYWOOD
NEGOU AO MESTRE ATÉ 2016 POR CONSIDERÁ-LO “EUROCOMUNISTA”
Ennio Morricone, maestro e compositor de trilhas sonoras que
marcaram a história do cinema, morreu aos 91 anos, nesta segunda-feira
(06/07),na Itália. Morricone estava internado há 10 dias em uma clínica em Roma
após sofrer uma queda e fraturar o fêmur. Não é que 'O Odioso Oito' (Quentin
Tarantino, 2015) seja um filme ruim, mas na filmografia do diretor certamente
estará para sempre em segundo plano. A mesma posição que a trilha sonora da
película ocupará na vasta coleção de Ennio Morricone, o gênio que morreu hoje e
que criou algumas das melhores trilhas sonoras lembradas antes da queda da
“Cortina de Ferro” (contrarrevolução que destruiu os Estados Operários do Leste
Europeu), mas que Hollywood só reconheceu com um Oscar em 2016 por compor a
música deste filme. Considerado simpatizante do Partido Comunista Italiano, um
dos precursores do chamado “eurocomunismo”, seu suposto alinhamento político
interrompeu seu reconhecimento na indústria cinematográfica norte-americana,
apesar de ser, juntamente com John Williams,
Hans Zimmer e Philip Glass, um dos melhores compositores de trilhas sonoras da
história do cinema. É verdade que, em 2006, Morricone recebeu um Oscar
honorário por toda a sua carreira, que é a forma diplomática que Hollywood
geralmente aplica quando um dos membros mais notáveis do cinema ameaça se
aposentar sem um único prêmio em sua prateleira. O problema é que, embora o
compositor italiano tenha continuado a compor muitos mais anos,ele se aposentou
no início de 2019, e a maioria de seus melhores trabalhos data de antes dos
anos 90, quando nos Estados Unidos ser membro de algum partido comunista, mesmo
totalmente renegado do marxismo revolucionário como o PCI, representava uma
espécie de “peste” artística e cultural.
Quando o Muro de Berlim caiu, todos nos EUA conheciam
Morricone perfeitamente. Depois de dar os primeiros passos na década de 1950
como compositor fantasma, uma expressão análoga à do negro na literatura,
começou a trabalhar em Hollywood nos anos 60, nos filmes “faroeste espaguete”, grandes
sucessos da época, em parte graças à sua amizade com figuras como Sergio Leone,
um colega de escola. Seus assobios
inconfundíveis e as queixas de sua trombeta já fazem parte da história,
naqueles anos, ele colocou música em 'Por un fistful of dollar' (1964), 'El
bueno, el feo y el mal' (1966) ou '
Desça, maldito seja! (1971).
Nos anos 80, Morricone chegou ao Olimpo das trilhas sonoras.
Ele recebeu sua primeira indicação ao Oscar em 1978 por 'Days of Glory', um
drama romântico estrelado por Richard Gere e Brooke Adams que, no entanto, só
serviu para consagrar Terrence Malick como um dos melhores diretores de cinema
independentes. Em 1984, Hollywood o considerou novamente para a trilha sonora
de 'Era uma vez na América', para muitos uma das melhores músicas de um filme
criado na história e no qual ele explora o oboé como o principal instrumento,
uma marca registrada de suas futuras criações. Paradoxalmente, ele não recebeu
o Oscar porque a Academia desqualificou o filme ao não ver o nome de Morricone
nos créditos finais do trabalho. Para 'La Misión' (1986, Roland Joffé),
Morricone voltou ao oboé para criar uma das trilhas sonoras mais bonitas de
todos os tempos, capaz de acompanhar o processo transformador de seu
protagonista, um caçador furtivo indiano, o capitão, Rodrigo Mendoza (Robert De
Niro), que acaba fazendo parte de uma missão católica na Amazônia. O filme,
altamente controverso em sua época, ganhou apenas o prêmio de melhor
fotografia, deixando Morricone não reconhecido pela terceira vez.Tampouco teve
sucesso com o frenesi rítmico de 'Os Intocáveis de Eliott Ness' (1987) ou
outro gangster, 'Bugsy' (1991).Ele teria uma última chance no Oscar em 2000,
quando compôs a trilha sonora de 'Malèna', um drama de amor ambientado na
Itália durante a Segunda Guerra Mundial e estrelado por Monica Bellucci e
Giuseppe Sulfaro. Também não houve sorte, em parte por causa da má recepção do
filme na Europa e porque, ao longo de sua carreira, Morricone nunca conseguiu
convencer o chauvinismo de Hollywood com produções italianas. Nem mesmo com
obras imortais como 'Cinema Paradiso', que em 1989 ganhou o Oscar de melhor
filme que não fala inglês, mas cuja excelente trilha sonora passou despercebida
pela Academia.
Após anos de alijamento por sua suposta relação com o PCI,
Morricone mesmo tratou de negar sua
relação com o eurocomunismo: ”Nunca fui comunista nem socialista. Lembro-me de
Togliatti(dirigente comunista, nota da redação)em 1956 apoiando a invasão da
Hungria, explicando com sua voz que a intervenção dos tanques havia sido
solicitada pelo governo de Budapeste,mas sabia-se que não era verdade! Sou
católico, na Primeira República votei em um democrata cristão. Eu admirava De
Gasperi. Compartilhei o plano de Moro de
agregar forças populares no centro. Eu
tinha uma alta concepção de Craxi. E eu sempre apreciei Andreotti”. O certo é
que por sua relação com vários amigos e intelectuais vinculados ao PCI,
Morricone acabou marcado na “lista negra” da indústria cinematográfica de
Hollywood, principalmente quando compôs a trilha sonora do filme épico “A
Batalha de Argel”, um manifesto artístico em defesa da revolução anti-colonial
argelina. Um de seus últimos trabalhos no cinema foi compor a trilha sonora do filme "Páginas da Revolução", um libelo antifascista no período da ditadura Salazarista em Portugal.