segunda-feira, 20 de julho de 2020

Passados 25 anos da morte de Ernest Mandel, apenas um mês após a fundação da Liga Bolchevique Internacionalista em junho de 1995, a etapa histórica da luta de classes está muito próxima de adentrar em uma nova fase para toda a humanidade. Mandel morreu antes de assistir o fim da própria corrente política que fundou, o Secretariado Unificado da IV internacional, hoje uma articulação que sequer reivindica o legado programático do Trotskismo. Mandel teve sua importante contribuição na história do marxismo “assassinada” pelos que seguiram a trilha do revisionismo de “II geração”, hoje representada por Michel Lowy, ex-dirigente do SU, que elabora a teoria do “ecossocialismo” como um substituto do Marxismo Leninismo. Entretanto os aportes que Mandel fez a economia política do pós guerra, como as teses do capitalismo tardio, as ondas cíclicas da crise do capital mantém toda sua vigência teórica. Os dirigentes do antigo SU, que ainda existia no ano que Mandel faleceu, trataram de abandonar os ensinamentos mais importantes que Mandel deixou, para abraçar de “corpo e alma” a defesa da democracia burguesa “participativa” como um fim estratégico para a classe operária mundial.

ERNEST MANDEL: A SEGUNDA MORTE DO REVISIONISMO
Artigo histórico, extraído do Jornal Luta Operária nº3 - Agosto/1995


Ernest Mandel, também conhecido como Ernest Germain, seu codinome político, dirigente máximo do Secretariado Unificado (SU), faleceu no dia 20 de julho de 1995. 

Muito difundido por suas publicações, entre as quais "Tratado de Economia Marxista", "Capitalismo Tardio", e "A luta pela democracia socialista na União Soviética". Mandel, sem nenhuma dúvida, era o dirigente político mais identificado com o legado de Leon Trotsky pelos grandes meios de comunicação, apesar de sua trajetória militante apontar no sentido inverso, chegando mesmo ao ponto de sua organização, o SU, romper formalmente o vínculo com a Revolução Russa e o trotskismo, em seu XIII Congresso Mundial. Mas a identificação de Mandel com o trotskismo, através da vasta difusão mundial de sua obra literária pelo mercado editorial, tinha uma razão bem precisa, o seu distanciamento cada vez maior com o marxismo, e, por conseqüência, com o próprio trotskismo que paradoxalmente era identificado como sua referência teórica.




O INÍCIO DA MILITÂNCIA TROTSKISTA

Mandel inicia sua militância trotskista durante a segunda guerra mundial, integrando a Resistência ao fascismo, os 'Partisans' na Bélgica. Logo depois, no II Congresso da IV Internacional, em 1948, é escolhido para compor sua direção executiva, em conjunto com o grego Michel Pablo, que emergia como o principal dirigente trotskista do pós-guerra.

Este Congresso, o primeiro realizado após a morte de Trotsky, foi marcado pela confusão e profundos equívocos que levaram ao fracionamento da IV Internacional em seu III Congresso. A avaliação do pós-guerra centralizou-se em dois grandes erros: o primeiro, caracterizava a ocupação do exército vermelho sob o leste europeu como uma operação que conduziria à instauração de um 'Capitalismo de Estado': "Estes países retém sua estrutura fundamentalmente capitalista. As corporações mistas, empresas por ações soviéticas, são formas de exploração capitalista, o próprio setor nacionalizado continua a manter uma estrutura capitalista"(Resolução do II Congresso, junho de 1948). O segundo e mais grave, por consistir não somente em um erro de caracterização, mas fundamentalmente em uma capitulação política, foi o de considerar direções como Tito e Mao Tsé-Tung, que haviam rompido circunstancialmente com o aparato estalinista do Kremlin, como anti-estalinistas e genuinamente revolucionários. Como conseqüência desta caracterização, a IV Internacional orientou para que não fossem construídas suas seções na Iugoslávia e China (país onde dirigentes trotskistas tinham um grande potencial de crescimento), ao mesmo tempo em que se concentraram esforços em integrar ou aproximar Mao e Tito à IV Internacional.

Na realidade, o processo desenvolvido pelo estalinismo no pós-guerra, com a ocupação do Exército Vermelho sob uma dezena de países, combinou tanto a política frente populista (levada a cabo na parte ocidental da Europa - França, Itália, etc), como a expropriação e estatização dos meios de produção em um segundo momento. Esta variante, ou seja, a da expropriação em função de determinadas circunstâncias, foi descartada a priori pelo II Congresso da IV, ignorando completamente esta possibilidade, já prognosticada por Trotsky no Programa de Transição: "é impossível negar de antemão, categoricamente, a possibilidade teórica de que sob a influência de uma combinação excepcional de circunstâncias (guerra, derrotas, ofensiva revolucionária das massas, etc) partidos pequeno-burgueses, incluindo os estalinistas possam ir mais longe do que eles próprios desejam na via da ruptura com a burguesia". Em relação às direções que romperam a orientação de Stálin para construírem frentes populares em seus respectivos países, caminhando diretamente para a expropriação dos meios de produção, longe de significar uma ruptura política e programática com a estratégia de 'socialismo em um só país'. Representou acima de tudo, a disposição de manterem seus próprios aparatos, em função da orientação suicida da burocracia de Moscou. O posterior alinhamento de Tito com o imperialismo ianque na Guerra da Coréia, ou a aliança militar de Mao com Nixon contra a URSS, demonstraram o caráter estalinista autóctone, muito longe da caracterização de revolucionários genuínos feita pelo II Congresso da IV.

Um pouco antes da realização do III Congresso, que ocorreria no ano de 1953, começaram a explodir as resoluções adotadas pelo II Congresso. A instauração dos Estados Operários no leste europeu, com a incorporação definitiva destes ao cinturão de segurança soviético, o Pacto de Varsóvia, era um fato incontestável, à luz de uma análise marxista, o que fez com que Mandel, sob o pseudônimo de Ernest Germain, como teórico da IV, elaborasse o conceito de "estados operários deformados" como estados operários burocratizados desde sua gênese por força da direção estalinista na condução da expropriação da burguesia. Esta mudança na caracterização provocou uma importante cisão na IV em 1950, com a saída de um setor da direção do SWP inglês, encabeçada pelo palestino Tony Cliff, que não aceitaria a mudança de caracterização sobre o Leste, e ainda por cima acusava a direção da IV (Pablo e Mandel) de capitular frente a Tito.

No ano de 1952, a direção da IV na Bolívia vai consumar uma orientação verdadeiramente criminosa diante da maior oportunidade aberta pela história aos trotskistas, a Revolução Boliviana, que estourara com a derrubada do governo da oligarquia da 'Rosqua', levando os mineiros armados a tomarem a cidade de La Paz e destruírem todo o aparato de repressão da burguesia.

A influência do POR, seção da IV era significativa entre a vanguarda do proletariado. Mandel e Pablo, em nome da direção da IV, orientam a Guillermo Lora, dirigente do POR boliviano, a reivindicar a formação de um governo da COB e da esquerda do MNR, partido nacionalista burguês que capitalizara o ascenso operário. A burguesia recompõe o Estado e as FFAA em torno de Paz Estensoro (MNR); o POR, desarmado politicamente, adapta-se ao nacionalismo burguês sob a orientação criminosa da direção da IV. Lora, em entrevista ao jornal da seção francesa da IV 'La Verite', afirmava: "O POR apóia a fração da ala esquerda do novo gabinete ".

A RUPTURA DA IV INTERNACIONAL

Em 1953, com o III Congresso, ocorre a crise mais importante do movimento trotskista. Michel Pablo com o documento 'Aonde Vamos?', de 1951, teoriza sobre a iminência de uma "guerra civil internacional, que nestas condições, com as relações de forças existentes, seria essencialmente a revolução, portanto, o avanço da revolução anticapitalista no mundo coloca ao mesmo tempo o perigo de uma guerra geral."( 'Aonde Vamos?' - Michel Pablo). Seguindo o raciocínio da iminência de uma guerra entre os dois blocos, "americano" e "soviético", Pablo afirma que não haverá tempo para construção de partidos trotskistas e, que nestas circunstâncias, "os partidos comunistas conservam a possibilidade de esboçar uma orientação revolucionária"(Idem).

No primeiro momento, a maioria dos dirigentes da IV, inclusive Mandel, coloca-se em oposição às teses revisionistas de Pablo, Mandel chegou a divulgar um manifesto conhecido como "Dez Teses" contra os "exageros" de Pablo. Mas a pressão dos aparatos sob a direção da IV a fez naufragar completamente no caudal do estalinismo, arrastando a quase totalidade de suas seções. Em oposição à orientação pablista conformou-se um bloco "antipablista" com a maioria da seção francesa e inglesa e o SWP norte-americano, que acusa Mandel de "Zinoviev" e ausente "desta pequena coisa chamada caráter"( La Verite, fev./51).

A heterogeneidade política do Comitê Internacional (antipablista) composto até por Nahuel Moreno, que na Argentina era entusiasta apoiador do General Perón, assim como sua confusão programática (seu documento mais importante consiste em reafirmar o caráter anti-estalinista de Tito e Mao) e frouxidão organizativa (nunca adotou o centralismo político, funcionando como uma federação internacional), fez com que este agrupamento não fosse uma alternativa político-programática de fato ao Secretariado Internacional da IV, que no início dos anos 60 já tinha Mandel como seu principal dirigente. Neste período, o próprio Michel Pablo abandonou sua organização para participar do governo nacionalista burguês do Ceilão; assim como Posadas, outro dirigente do SI da IV, formava sua própria IV Posadista acusando de sectarismo Mandel, por não reconhecer o caráter revolucionário das burguesias nacionais.

A REUNIFICAÇÃO SEM PRINCÍPIOS

A revolução cubana, em 1959, vai marcar um novo reagrupamento nas fileiras da IV Internacional, fracionando-a mais uma vez. O Comitê Internacional (antipablista) nega-se a reconhecer Cuba como um Estado operário, reincidindo à tradicional cegueira já expressa em 48, caracterizando-a como um país capitalista governado pela ala nacionalista da burguesia. Por sua vez, Mandel, dirigente máximo do SI, cai no outro oposto e considera Castro e a direção do Movimento 26 de Julho como sendo uma nova "direção revolucionária", e Cuba como um "Estado operário são". Na verdade, o fenômeno Castro representava a variante já colocada por Trotsky sobre direções pequeno-burguesas ou estalinistas, que sob pressão das massas vão mais longe do que pretendiam. A posterior integração do castrismo ao aparelho mundial da burocracia soviética revela o caráter político desta direção, o que de maneira alguma nos impediria de estabelecer uma frente-única com Castro em defesa do Estado operário contra a intervenção imperialista. Sob a justificativa do reconhecimento do Estado operário cubano, Mandel funda em 1963 o Secretariado Unificado da IV, atraindo o SWP norte-americano, dirigido por Hansen e Barnes, e o PST argentino, liderado pelo arqui-oportunista Nahuel Moreno, que logo após reivindica ser o representante da OLAS (organização criada por Castro para difundir movimentos foquistas na América Latina) na Argentina.

NA TRILHA DA RUPTURA COM TROTSKY

A partir daí, Mandel passa a brilhar por suas grandes descobertas teóricas em absoluta contradição com o legado de Trotsky. Uma das primeiras "pérolas" de seu pensamento foi a "superação da leitura ingênua do Programa de Transição, que acreditava que a economia capitalista estava estagnada e era incapaz de fazer crescer as forças produtivas" (Em Tempo, 25/02/88). Mandel apresenta-nos o "boom" capitalista do pós-guerra como a prova irrefutável do erro de Trotsky ao caracterizar que "as forças produtivas deixaram de crescer". O que Mandel apresenta como "crescimento das forças produtivas" é o crescimento de uma parte das forças produtivas, ou seja, a técnica e o acúmulo de capital que sob a indústria da guerra (forças destrutivas), conheceu um surto ascendente no pós-guerra, com a recolonização de parte do planeta pelo imperialismo ianque. O que "esquece" Mandel é que o conceito de forças produtivas elaborado por Marx, engloba fundamentalmente a força de trabalho, ou em outras palavras, o proletariado, a força produtiva principal; que numa sociedade que condena a maioria da população, inclusive nos países imperialistas, à miséria absoluta as forças produtivas efetivamente deixaram de crescer.

Na mesma trilha teórica, Mandel acabava por descobrir um novo impulso ao capitalismo, a "revolução técno-científica", que segundo ele, através da eliminação cada vez maior da força de trabalho no processo produtivo, liberaria o caráter da extração da mais-valia do proletariado como fonte de acumulação do capital, transferindo para a tecnologia o fator determinante no desenvolvimento das forças produtivas.

O próprio Marx, no século passado, já desmistificava a evolução da técnica como suposta forma de superação das contradições do capitalismo: "eis porque a maquinaria mais desenvolvida obriga hoje em dia o operário a trabalhar mais que o selvagem ou mais do que ele mesmo quando de dispunha de utensílios mais rudimentares e primitivos" (Marx, Fundamentos, Tomo II, p.226). Isto sem falar no aumento colossal do nível de desemprego nos países imperialistas que ameaça ruir toda ordem social estabelecida.

No período anterior, Mandel e sua organização, o Secretariado Unificado, notabilizaram-se pelo apoio frenético à "Glasnost" de Gorbachev: "é a abertura da sociedade à transparência, ao pluralismo cultural muito amplo" (Mandel, Revista Senhor, 19/03/88). Mandel brindava a destruição do primeiro Estado operário, fundado por Lenin e Trotsky diante da desagregação da burocracia em várias alas, inclusive, uma abertamente pró-restauracionista, como Yeltsin, considerado por Mandel como uma "liderança inegavelmente corajosa" (Em Tempo, 20/06/88).

Com a posterior dissolução da URSS, Mandel atribuirá, não à política contra-revolucionária da burocracia estalinista (socialismo num só país, integração ao imperialismo) como coveira da Revolução de Outubro, mas sim a uma superioridade da "economia mundial aberta do capitalismo" (Imprecor, n.88) contra o suposto "estalinismo decadente" dos Estados operários. Era a passagem definitiva do SU e Mandel ao campo do imperialismo e suas teorias. Como celebração desta nova etapa, o XIII Congresso do SU (1991) afirmava: "fecha-se a época em que o movimento operário internacional se determinava em função da vitória e da degeneração da Revolução Russa, esta já não representa a referência estratégica central...".

A morte de Mandel representa politicamente uma segunda morte do revisionismo desagregado em torno do SU, que já havia renunciado ao legado de Marx, Lenin e Trotsky e sua luta por construir o instrumento da revolução proletária mundial, o Partido da IV Internacional.