Passados 25 anos da morte de Ernest Mandel, apenas um mês
após a fundação da Liga Bolchevique Internacionalista em junho de 1995, a etapa
histórica da luta de classes está muito próxima de adentrar em uma nova fase
para toda a humanidade. Mandel morreu antes de assistir o fim da própria
corrente política que fundou, o Secretariado Unificado da IV internacional, hoje
uma articulação que sequer reivindica o legado programático do Trotskismo.
Mandel teve sua importante contribuição na história do marxismo “assassinada”
pelos que seguiram a trilha do revisionismo de “II geração”, hoje representada
por Michel Lowy, ex-dirigente do SU, que elabora a teoria do “ecossocialismo”
como um substituto do Marxismo Leninismo. Entretanto os aportes que Mandel fez
a economia política do pós guerra, como as teses do capitalismo tardio, as
ondas cíclicas da crise do capital mantém toda sua vigência teórica. Os
dirigentes do antigo SU, que ainda existia no ano que Mandel faleceu, trataram
de abandonar os ensinamentos mais importantes que Mandel deixou, para abraçar
de “corpo e alma” a defesa da democracia burguesa “participativa” como um fim
estratégico para a classe operária mundial.
ERNEST MANDEL: A SEGUNDA MORTE DO REVISIONISMO
Artigo histórico, extraído do Jornal Luta Operária nº3 - Agosto/1995
Ernest Mandel, também conhecido como Ernest Germain, seu
codinome político, dirigente máximo do Secretariado Unificado (SU), faleceu no
dia 20 de julho de 1995.
Muito difundido por suas publicações, entre as quais
"Tratado de Economia Marxista", "Capitalismo Tardio", e
"A luta pela democracia socialista na União Soviética". Mandel, sem nenhuma dúvida, era o dirigente político mais
identificado com o legado de Leon Trotsky pelos grandes meios de comunicação,
apesar de sua trajetória militante apontar no sentido inverso, chegando mesmo
ao ponto de sua organização, o SU, romper formalmente o vínculo com a Revolução
Russa e o trotskismo, em seu XIII Congresso Mundial. Mas a identificação de
Mandel com o trotskismo, através da vasta difusão mundial de sua obra literária
pelo mercado editorial, tinha uma razão bem precisa, o seu distanciamento cada
vez maior com o marxismo, e, por conseqüência, com o próprio trotskismo que
paradoxalmente era identificado como sua referência teórica.
O INÍCIO DA MILITÂNCIA TROTSKISTA
Mandel inicia sua militância trotskista durante a segunda
guerra mundial, integrando a Resistência ao fascismo, os 'Partisans' na
Bélgica. Logo depois, no II Congresso da IV Internacional, em 1948, é escolhido
para compor sua direção executiva, em conjunto com o grego Michel Pablo, que
emergia como o principal dirigente trotskista do pós-guerra.
Este Congresso, o primeiro realizado após a morte de
Trotsky, foi marcado pela confusão e profundos equívocos que levaram ao
fracionamento da IV Internacional em seu III Congresso. A avaliação do
pós-guerra centralizou-se em dois grandes erros: o primeiro, caracterizava a
ocupação do exército vermelho sob o leste europeu como uma operação que
conduziria à instauração de um 'Capitalismo de Estado': "Estes países
retém sua estrutura fundamentalmente capitalista. As corporações mistas,
empresas por ações soviéticas, são formas de exploração capitalista, o próprio
setor nacionalizado continua a manter uma estrutura capitalista"(Resolução
do II Congresso, junho de 1948). O segundo e mais grave, por consistir não
somente em um erro de caracterização, mas fundamentalmente em uma capitulação
política, foi o de considerar direções como Tito e Mao Tsé-Tung, que haviam
rompido circunstancialmente com o aparato estalinista do Kremlin, como
anti-estalinistas e genuinamente revolucionários. Como conseqüência desta
caracterização, a IV Internacional orientou para que não fossem construídas
suas seções na Iugoslávia e China (país onde dirigentes trotskistas tinham um
grande potencial de crescimento), ao mesmo tempo em que se concentraram
esforços em integrar ou aproximar Mao e Tito à IV Internacional.
Na realidade, o processo desenvolvido pelo estalinismo no
pós-guerra, com a ocupação do Exército Vermelho sob uma dezena de países,
combinou tanto a política frente populista (levada a cabo na parte ocidental da
Europa - França, Itália, etc), como a expropriação e estatização dos meios de
produção em um segundo momento. Esta variante, ou seja, a da expropriação em
função de determinadas circunstâncias, foi descartada a priori pelo II
Congresso da IV, ignorando completamente esta possibilidade, já prognosticada
por Trotsky no Programa de Transição: "é impossível negar de antemão,
categoricamente, a possibilidade teórica de que sob a influência de uma
combinação excepcional de circunstâncias (guerra, derrotas, ofensiva
revolucionária das massas, etc) partidos pequeno-burgueses, incluindo os
estalinistas possam ir mais longe do que eles próprios desejam na via da
ruptura com a burguesia". Em relação às direções que romperam a orientação
de Stálin para construírem frentes populares em seus respectivos países,
caminhando diretamente para a expropriação dos meios de produção, longe de
significar uma ruptura política e programática com a estratégia de 'socialismo
em um só país'. Representou acima de tudo, a disposição de manterem seus
próprios aparatos, em função da orientação suicida da burocracia de Moscou. O
posterior alinhamento de Tito com o imperialismo ianque na Guerra da Coréia, ou
a aliança militar de Mao com Nixon contra a URSS, demonstraram o caráter
estalinista autóctone, muito longe da caracterização de revolucionários
genuínos feita pelo II Congresso da IV.
Um pouco antes da realização do III Congresso, que ocorreria
no ano de 1953, começaram a explodir as resoluções adotadas pelo II Congresso.
A instauração dos Estados Operários no leste europeu, com a incorporação
definitiva destes ao cinturão de segurança soviético, o Pacto de Varsóvia, era
um fato incontestável, à luz de uma análise marxista, o que fez com que Mandel,
sob o pseudônimo de Ernest Germain, como teórico da IV, elaborasse o conceito
de "estados operários deformados" como estados operários
burocratizados desde sua gênese por força da direção estalinista na condução da
expropriação da burguesia. Esta mudança na caracterização provocou uma
importante cisão na IV em 1950, com a saída de um setor da direção do SWP
inglês, encabeçada pelo palestino Tony Cliff, que não aceitaria a mudança de
caracterização sobre o Leste, e ainda por cima acusava a direção da IV (Pablo e
Mandel) de capitular frente a Tito.
No ano de 1952, a direção da IV na Bolívia vai consumar uma
orientação verdadeiramente criminosa diante da maior oportunidade aberta pela
história aos trotskistas, a Revolução Boliviana, que estourara com a derrubada
do governo da oligarquia da 'Rosqua', levando os mineiros armados a tomarem a
cidade de La Paz e destruírem todo o aparato de repressão da burguesia.
A influência do POR, seção da IV era significativa entre a
vanguarda do proletariado. Mandel e Pablo, em nome da direção da IV, orientam a
Guillermo Lora, dirigente do POR boliviano, a reivindicar a formação de um
governo da COB e da esquerda do MNR, partido nacionalista burguês que
capitalizara o ascenso operário. A burguesia recompõe o Estado e as FFAA em
torno de Paz Estensoro (MNR); o POR, desarmado politicamente, adapta-se ao
nacionalismo burguês sob a orientação criminosa da direção da IV. Lora, em
entrevista ao jornal da seção francesa da IV 'La Verite', afirmava: "O POR
apóia a fração da ala esquerda do novo gabinete ".
A RUPTURA DA IV INTERNACIONAL
Em 1953, com o III Congresso, ocorre a crise mais importante
do movimento trotskista. Michel Pablo com o documento 'Aonde Vamos?', de 1951,
teoriza sobre a iminência de uma "guerra civil internacional, que nestas
condições, com as relações de forças existentes, seria essencialmente a
revolução, portanto, o avanço da revolução anticapitalista no mundo coloca ao
mesmo tempo o perigo de uma guerra geral."( 'Aonde Vamos?' - Michel
Pablo). Seguindo o raciocínio da iminência de uma guerra entre os dois blocos,
"americano" e "soviético", Pablo afirma que não haverá
tempo para construção de partidos trotskistas e, que nestas circunstâncias, "os
partidos comunistas conservam a possibilidade de esboçar uma orientação
revolucionária"(Idem).
No primeiro momento, a maioria dos dirigentes da IV,
inclusive Mandel, coloca-se em oposição às teses revisionistas de Pablo, Mandel
chegou a divulgar um manifesto conhecido como "Dez Teses" contra os
"exageros" de Pablo. Mas a pressão dos aparatos sob a direção da IV a
fez naufragar completamente no caudal do estalinismo, arrastando a quase
totalidade de suas seções. Em oposição à orientação pablista conformou-se um
bloco "antipablista" com a maioria da seção francesa e inglesa e o
SWP norte-americano, que acusa Mandel de "Zinoviev" e ausente
"desta pequena coisa chamada caráter"( La Verite, fev./51).
A heterogeneidade política do Comitê Internacional
(antipablista) composto até por Nahuel Moreno, que na Argentina era entusiasta
apoiador do General Perón, assim como sua confusão programática (seu documento
mais importante consiste em reafirmar o caráter anti-estalinista de Tito e Mao)
e frouxidão organizativa (nunca adotou o centralismo político, funcionando como
uma federação internacional), fez com que este agrupamento não fosse uma
alternativa político-programática de fato ao Secretariado Internacional da IV,
que no início dos anos 60 já tinha Mandel como seu principal dirigente. Neste
período, o próprio Michel Pablo abandonou sua organização para participar do
governo nacionalista burguês do Ceilão; assim como Posadas, outro dirigente do
SI da IV, formava sua própria IV Posadista acusando de sectarismo Mandel, por
não reconhecer o caráter revolucionário das burguesias nacionais.
A REUNIFICAÇÃO SEM PRINCÍPIOS
A revolução cubana, em 1959, vai marcar um novo
reagrupamento nas fileiras da IV Internacional, fracionando-a mais uma vez. O
Comitê Internacional (antipablista) nega-se a reconhecer Cuba como um Estado
operário, reincidindo à tradicional cegueira já expressa em 48,
caracterizando-a como um país capitalista governado pela ala nacionalista da
burguesia. Por sua vez, Mandel, dirigente máximo do SI, cai no outro oposto e
considera Castro e a direção do Movimento 26 de Julho como sendo uma nova
"direção revolucionária", e Cuba como um "Estado operário
são". Na verdade, o fenômeno Castro representava a variante já colocada
por Trotsky sobre direções pequeno-burguesas ou estalinistas, que sob pressão
das massas vão mais longe do que pretendiam. A posterior integração do
castrismo ao aparelho mundial da burocracia soviética revela o caráter político
desta direção, o que de maneira alguma nos impediria de estabelecer uma
frente-única com Castro em defesa do Estado operário contra a intervenção
imperialista. Sob a justificativa do reconhecimento do Estado operário cubano,
Mandel funda em 1963 o Secretariado Unificado da IV, atraindo o SWP
norte-americano, dirigido por Hansen e Barnes, e o PST argentino, liderado pelo
arqui-oportunista Nahuel Moreno, que logo após reivindica ser o representante
da OLAS (organização criada por Castro para difundir movimentos foquistas na
América Latina) na Argentina.
NA TRILHA DA RUPTURA COM TROTSKY
A partir daí, Mandel passa a brilhar por suas grandes
descobertas teóricas em absoluta contradição com o legado de Trotsky. Uma das
primeiras "pérolas" de seu pensamento foi a "superação da
leitura ingênua do Programa de Transição, que acreditava que a economia
capitalista estava estagnada e era incapaz de fazer crescer as forças
produtivas" (Em Tempo, 25/02/88). Mandel apresenta-nos o "boom"
capitalista do pós-guerra como a prova irrefutável do erro de Trotsky ao
caracterizar que "as forças produtivas deixaram de crescer". O que
Mandel apresenta como "crescimento das forças produtivas" é o crescimento
de uma parte das forças produtivas, ou seja, a técnica e o acúmulo de capital
que sob a indústria da guerra (forças destrutivas), conheceu um surto
ascendente no pós-guerra, com a recolonização de parte do planeta pelo
imperialismo ianque. O que "esquece" Mandel é que o conceito de
forças produtivas elaborado por Marx, engloba fundamentalmente a força de
trabalho, ou em outras palavras, o proletariado, a força produtiva principal;
que numa sociedade que condena a maioria da população, inclusive nos países
imperialistas, à miséria absoluta as forças produtivas efetivamente deixaram de
crescer.
Na mesma trilha teórica, Mandel acabava por descobrir um
novo impulso ao capitalismo, a "revolução técno-científica", que
segundo ele, através da eliminação cada vez maior da força de trabalho no
processo produtivo, liberaria o caráter da extração da mais-valia do
proletariado como fonte de acumulação do capital, transferindo para a
tecnologia o fator determinante no desenvolvimento das forças produtivas.
O próprio Marx, no século passado, já desmistificava a
evolução da técnica como suposta forma de superação das contradições do
capitalismo: "eis porque a maquinaria mais desenvolvida obriga hoje em dia
o operário a trabalhar mais que o selvagem ou mais do que ele mesmo quando de
dispunha de utensílios mais rudimentares e primitivos" (Marx, Fundamentos,
Tomo II, p.226). Isto sem falar no aumento colossal do nível de desemprego nos
países imperialistas que ameaça ruir toda ordem social estabelecida.
No período anterior, Mandel e sua organização, o
Secretariado Unificado, notabilizaram-se pelo apoio frenético à
"Glasnost" de Gorbachev: "é a abertura da sociedade à
transparência, ao pluralismo cultural muito amplo" (Mandel, Revista Senhor,
19/03/88). Mandel brindava a destruição do primeiro Estado operário, fundado
por Lenin e Trotsky diante da desagregação da burocracia em várias alas,
inclusive, uma abertamente pró-restauracionista, como Yeltsin, considerado por
Mandel como uma "liderança inegavelmente corajosa" (Em Tempo,
20/06/88).
Com a posterior dissolução da URSS, Mandel atribuirá, não à
política contra-revolucionária da burocracia estalinista (socialismo num só
país, integração ao imperialismo) como coveira da Revolução de Outubro, mas sim
a uma superioridade da "economia mundial aberta do capitalismo"
(Imprecor, n.88) contra o suposto "estalinismo decadente" dos Estados
operários. Era a passagem definitiva do SU e Mandel ao campo do imperialismo e
suas teorias. Como celebração desta nova etapa, o XIII Congresso do SU (1991)
afirmava: "fecha-se a época em que o movimento operário internacional se
determinava em função da vitória e da degeneração da Revolução Russa, esta já
não representa a referência estratégica central...".
A morte de Mandel representa politicamente uma segunda morte
do revisionismo desagregado em torno do SU, que já havia renunciado ao legado
de Marx, Lenin e Trotsky e sua luta por construir o instrumento da revolução
proletária mundial, o Partido da IV Internacional.