quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

8 ANOS DEPOIS DA TRAGÉDIA QUE VITIMOU 242 PESSOAS... NADA MUDOU NAS BOATES AO ESTILO IANQUE, VERDADEIRAS RATOEIRAS PARA TRUCIDAR OS CORPOS E A CULTURA DA JUVENTUDE BRASILEIRA

Depois de 8 anos e 11 meses, começou nesta semana o julgamento dos reponsáveis pelas mortes na Boate Kiss. São réus Elissandro Callegaro Spohr, sócio da boate; Mauro Londero Hoffmann, também sócio; Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Banda Gurizada Fandangueira, e Luciano Bonilha Leão, produtor musical. No processo criminal, os empresários e sócios da Boate Kiss respondem por homicídio simples (242 vezes consumado, pelo número de mortos; e 636 vezes tentado, número de feridos). Eles estão sendo julgados por um Conselho de Sentença, no Tribunal do Júri, no plenário das Varas do Júri da Comarca de Porto Alegre, junto ao Foro Criminal. O incêndio vitimou 242 pessoas na boate “Kiss” em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, a maioria estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que participavam de uma festa, não foi uma fatalidade ou uma tragédia sem culpados e responsáveis. Uma sequência de absurdos reforça o que já denunciamos quando ocorre este tipo de “acidente”. No capitalismo a vida humana não tem o menor valor, ela sempre está subordinada ao lucro dos negócios e negociatas. Uma obviedade que deixa feridas expostas, queimaduras e dezenas de mortos!

Desde a superlotação da boate excedida em mais de mil pessoas, passando pelo “show” de uma banda especializada em lixo cultural que para fazer seu “espetáculo” recorre ao uso de fogos e sinalizadores em local fechado repleto de material inflamável, até o impedimento da saída dos jovens universitários em desespero logo após o início do incêndio, barrados pelos seguranças na única porta de acesso a rua por não haverem pago a consumação, são alguns dos elementos bárbaros que levaram a esse desfecho aterrador que deixou dezenas de corpos queimados e mais de uma centena de mortos asfixiados.

A mídia “murdochiana” na época entrou em cena e fez da dor dos parentes e amigos objeto de encarniçada disputa pela audiência, onde cada cadáver filmado ou corpo em agonia era um “furo” de reportagem que representa cifras milionárias nos intervalos comerciais. Porém, as aberrações não param por aí. Os proprietários da boate, conhecidos empresários do ramo que estavam no local e saíram ilesos, não forneceram as imagens das câmeras internas de segurança e tampouco repassaram os registros do caixa, o que poderia comprovar o número de pessoas que entraram no local durante a noite. 

Além disso, a prefeitura de Santa Maria e o Governo do Estado através do Corpo de Bombeiros, como sempre ocorre nestes casos, haviam permitido a realização da festa e o funcionamento da casa de show mesmo com o estabelecimento estando com o alvará vencido e sem equipamentos de segurança, verdadeiras ratoeiras para trucidar os corpos e a cultura da juventude brasileira, em um ambiente agressivo e alienante. 

Frente a esse verdadeiro crime do capitalismo e seus gerentes, o então governador Tarso Genro (PT) e o prefeito Cezar Schirmer (PMDB), prestamos naqueles dias nossa total solidariedade aos estudantes da UFSM, familiares e amigos das vítimas, denunciando uma tragédia que deixa marcas irreparáveis na vida de Santa Maria e em sua tradicional “cidade universitária”. 

A tragédia começou às 2h30 de domingo (27/01/2013), quando um músico acendeu um sinalizador para dar início ao show pirotécnico da banda “Gurizada Fandangueira”. No momento, cerca de duas mil pessoas acompanhavam a festa organizada por estudantes do primeiro ano das faculdades de Tecnologia de Alimentos, Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia, Tecnologia em Agronegócio e Pedagogia da UFSM. Uma fagulha atingiu o sistema de exaustão da casa noturna e o fogo se alastrou rapidamente pelo teto com papelão e material de proteção acústica. A maioria das vítimas, porém, não foi atingida pelas chamas, 90% morreram asfixiadas. 

Uma série de atos criminosos próprios da sanha por lucro capitalista potencializou a tragédia. Sem porta de emergência nem sinalização, muitas pessoas em pânico e no escuro não conseguiram achar a única saída existente na boate. Com a fumaça, várias morreram perto do banheiro. Os seguranças da casa tentaram impedir os frequentadores de sair antes de pagar a comanda. As portas foram fechadas, por que os empresários estavam exigindo que as pessoas pagassem as comandas de consumação antes de sair! 

O cliente pode morrer sufocado e pisoteado, mas não sai sem pagar pelo “show” macabro. Para sair da boate só enfrentando seguranças enormes ou pela área VIP, restrita aos donos e “autoridades”. O que provocou a morte de mais de 200 jovens foi o pânico e a inalação de fumaça, produto direto da estrutura do boate montada pare ter lucro máximo e custo mínimo. 

Diante da comoção generalizada, logo as “autoridades públicas” se pronunciaram em tom de pesar. A presidente Dilma Rousseff na época chorou duas vezes ao falar do caso ao lado do então governador Tarso Genro (PT). Este cinicamente declarou “não é hora de buscar culpados, mas sim de prestar apoio e solidariedade às milhares de pessoas mergulhadas em uma profunda dor” justamente para tirar do foco a sua responsabilidade e dos órgãos estaduais de fiscalização. 

Como sempre nestes casos, o prefeito de Santa Maria, o então prefeito Cezar Schirmer (PMDB) afirmou que a prefeitura e os “órgãos competentes” sempre foram muito rigorosos com a fiscalização de casas de shows na cidade, mesmo que a boate “Kiss” não possuísse plano contra incêndio, alarme ou saída de emergência compatível com o público que recebia. Tanto que o empresário Kiko Spohr recebeu da prefeitura, com autorização do Corpo de Bombeiros, subordinado a Brigada Militar do RS e portanto ao governo estadual do PT, alvará de funcionamento. A licença de funcionamento estava vencida desde agosto e os extintores de incêndio vazios, mas a casa de “show” funcionava plenamente para gerar receita máxima, pondo em risco a vida de milhares de pessoas. 

Lembremos que em 2010 o mesmo prefeito Schirmer foi centro da polêmica sobre o aumento da tarifa do transporte público. Resolveu prorrogar o contrato das mesmas empresas de ônibus que sempre prestaram o serviço e financiaram sua campanha em 2012. 

O empresário da “Kiss” é um dos seus “contribuintes” eleitorais, daí tantas facilidades e benesses. O prefeito Schirmer até hoje é investigado por improbidade administrativa. Cinicamente, os donos da “Kiss”, Mauro Londero Hoffmann e Elissandro Callegaro Spohr, divulgaram nota e apresentaram o caso como uma “fatalidade”. Não por acaso, o mesmo discurso foi proferido por Tarso Genro e o prefeito Schirmer. Na verdade, enquanto choram lágrimas de crocodilo, tentam esconder suas responsabilidades, como cúmplices desse bárbaro assassinato em massa próprio do capitalismo e seus gestores. Todos sabemos que não apenas casas de show, mas também fábricas, escolas e hospitais, sejam públicos ou privados, funcionam em péssimas condições de segurança e acesso e que estão suscetíveis a tragédias semelhantes a qualquer momento. Em todas as cidades do país os órgãos de fiscalização atuam segundo os interesses dos prefeitos e vereadores que usam os alvarás como moeda de troca para angariar apoio de empresários durante as eleições.

Desde a LBI expressamos toda nossa solidariedade aos estudantes da UFSM, aos trabalhadores mortos que estavam sem serviço na hora do incêndio, aos familiares e amigos das vítimas. Lutemos para transformar nossa dor e indignação em combate para denunciar e destruir esse sistema social assassino que aniquila a cultura nacional impondo este padrão ianque de “entretenimento”, as boates verdadeiras ratoeiras para a juventude brasileira. Dilma, Tarso e Schirmer que são tão rigorosos no combate aos professores e aos trabalhadora nesta hora mostram-se muito prestativos e sensíveis com empresários criminosos que lucram desprezando os mais elementares procedimentos de segurança sob a cobertura estatal como acontece também em fábricas, escolas, hospitais, onde os acidentes de trabalho matam e ferem milhares de pessoas todos os dias. 

A cada tragédia anunciada, como os deslizamentos que todos os anos ocorrem na região serrana do Rio de Janeiro e nas periferias de todo o país, aparecem para dar falsas declarações de solidariedade quando na prática seus governos são responsáveis pelas péssimas condições de segurança sejam nas moradias, no trabalho ou lazer. 

A grande lição a ser apreendida com a tragédia de Santa Maria é que a juventude e os trabalhadores precisam se organizar para ter acesso à cultura não mercantilizada, ao ensino público e gratuito e a condições de vida dignas, conquistas incapazes de serem oferecida por este capitalismo decadente que deixa um rastro de sangue e dor em cada tragédia anunciada.