DOIS ANOS SEM BIBI FERREIRA: A CORAJOSA DIVA QUE FEZ DA ARTE UM CAMPO DE RESISTÊNCIA CULTURAL
“Eles pensam que a maré vai, mas nunca volta (…) Quando eles virem invertida a correnteza, quero ver se eles resistem à surpresa e quero saber como eles reagem à ressaca”
(Peça
Gota D´água)
Há exatamente dois anos os palcos brasileiros não contam mais com o protagonismo da grande diva da dramaturgia nacional. Em 13 de fevereiro de 2019 aos 96 anos nos deixava Abigail Izquierdo Ferreira, nossa “eterna” BIBI FERREIRA, após quase um século de atividade contínua no bom combate da arte teatral, como um instrumento de reflexão crítica e ontológica da realidade social e histórica. Bibi não era só uma atriz, filha do cânone Procópio Ferreira e nascida literalmente em uma ribalta, estreiou com poucos meses de vida substituindo uma boneca de porcelana que tinha sido danificada. Bibi Ferreira tinha a coragem dos grandes artistas que assumem o campo do progressismo e da resistência, daí surgiu sua enorme admiração pela cantora Edith Piaf, uma combatente contra a ocupação nazista na França em plena Segunda Guerra Mundial. Foi também na luta de resistência contra o regime militar no Brasil, que Bibi teve sua "têmpera de coragem" forjada quando protagonizou em 1976 a peça "Gota D'água", cuja dupla autoria contava com as assinaturas de Chico Buarque e de Paulo Pontes, este seu último companheiro afetivo morto no final do mesmo ano de 1976.
A peça de Paulo e Chico era uma releitura do clássico grego "Medéia", completamente voltada para a realidade brasileira, mais especificamente o início da crise da política habitacional da Ditadura, posta à tona com o fim do chamado "Milagre Econômico ".
Logo censurado o texto, "Gota D'Água" conseguiu estrear no teatro Teresa Rachel (Rio de Janeiro) graças a ousadia e o próprio prestígio de Bibi que após 116 cortes dos censores, bancou pessoalmente o espetáculo com a direção do legendário Gianni Ratto. A peça que tinha Bibi no papel da valente Joana (moradora do imaginário conjunto habitacional "Meio-Dia"), ficou em cartaz de dezembro de 1975 até fevereiro de 1977 no Rio e depois seguiu para São Paulo, onde fez mais 650 apresentações, sendo considerada uma das produções mais longevas da história do teatro brasileiro.
Na esteira do grande sucesso político de "Gota D'Água", começaram a surgir as associações de bairros nas principais cidades do país, questionando justamente a política das COHAB's que "empurravam" para uma periferia desassistida milhões de trabalhadores e desempregados pela crise capitalista.
Em 1983, Bibi voltou aos palcos com o musical "Piaf a Vida de uma Estrela da Canção", o espetáculo obteve grande sucesso de público e crítica, e por sua magistral atuação recebeu os prêmios Mambembe e Molière em 1984. Foi revivendo a figura de Edith Piaf nos palcos (não só do Brasil mas também na França) com quem Bibi teve grande identificação, que nossa Diva do teatro ficou mais conhecida das novas gerações. Bibi Ferreira nunca aceitou papéis em novelas, afirmava que não se sentia à vontade vivendo personagens vazios na "telinha global".
Acreditava que seu temperamento crítico de atriz comprometida com a "arte maior" não se adequava a interpretação de qualquer "folhetim comercial".
A maior Dama do teatro brasileiro havia anunciado sua aposentadoria dos palcos em um post nas redes sociais em setembro de 2018: “Nunca pensei em parar, essa palavra nunca fez parte do meu vocabulário, mas entender a vida é ser inteligente. Fui muito feliz com minha carreira. Me orgulho muito de tudo que fiz. Obrigada a todos que de alguma forma estiveram comigo, a todos que me assistiram, a todos que me acompanharam por anos e anos. Muito obrigada!”, desta forma se despediu Bibi que passou a habitar o Pantheon dos "monstros sagrados" da dramaturgia mundial.