quinta-feira, 22 de abril de 2021

ELZA CAMPOS PRESENTE! 97 ANOS DE MUITA LUTA, COMEÇANDO SUA TRAJETÓRIA NO PÓS GUERRA COM GETÚLIO E JANGO, PASSANDO PELO REGIME MILITAR, SARNEY, FHC, LULA, GOLPE PARLAMENTAR. MORREU NO BOM COMBATE AO NEOFASCISTA!

Por: Candido Alvarez*

No começo era apenas a Elzinha, uma menina nascida no Cariri cearense no começo da década de 20 do século passado. Neta do coronel da Guarda Nacional, “Candido do Pavão” (uma alusão à fazenda da qual era proprietário), conseguia até contar estórias do cangaço, viu Lampião ainda criança chegando em sua cidade, a pequena Aurora, um dos “coitos” preferidos do capitão Virgulino, protegido do padre Cícero chefe político de Juazeiro do Norte, e de toda a região nordestina. Da pequena Aurora, a Elzinha já adolescente, quase mulher seguiu para uma cidade um pouco maior, Iguatu, onde fez uma singela amizade com o grande compositor Evaldo Gouveia, que nos deixou no ano passado. Evaldo, um pouco mais novo do que minha mãe, quando me encontrava nas serestas boemias da vida, fazia questão de lembrar do seu sonho de rapaz: a conquista da sobrinha do padre Januário, Elzinha considerada uma das jovens mais bonitas da cidade. Terminado o ginásio em Iguatu, Elza veio para a capital Fortaleza, onde cursou o científico, entrando logo em seguida na Escola de Nutrição “Agnus Dei”, que depois viria a se tornar umas das primeiras faculdades de nutrição do país, ainda no final dos anos 40. 

Terminado o curso em Fortaleza surgiu uma oportunidade “sui generis”, o governo Getúlio Vargas (segundo período) acabara de fundar o SAPS (Serviço de Alimentação e Proteção Social), e estava contratando mediante uma seleção do DASP, todas as nutricionistas do país para irem trabalhar na capital federal, então o Rio de Janeiro. Elza não teve a menor dúvida, contra a posição da família oligárquica, partiu para morar e trabalhar na cidade maravilhosa, onde permaneceu até 1974, ano do seu regresso ao Ceará. 

Foram anos muito ricos e difíceis ao mesmo tempo, no começo “céu de brigadeiro”, o golpe contra Getúlio que levou a sua morte, por vias tortuosas acabou dando origem ao governo JK, desenvolvimentismo e Bossa Nova, e o Rio de Janeiro fervilhante na política e cultura. Veio Jango e a situação começou a ficar tensa. Elza então já no ministério da Educação e Cultura (o SAPS tinha sido extinto), estava lotada em um órgão chamado de “Campanha de Alimentação Escolar”, que entre outras coisas administrava o restaurante para estudantes chamado de “Calabouço”, no centro do Rio de Janeiro. Neste local foi assassinado o estudante secundarista Edson Luís, em 1968, nas vésperas do famigerado AI-5. 

Minha mãe estava no centro do turbilhão político, e não tinha como não se politizar de uma maneira concentrada. Neste período, algumas vezes me levava com ela para o trabalho, no imponente prédio do MEC, na avenida Presidente Wilson, uma das primeiras concepções do gênio da arquitetura, Oscar Niemeyer. Eu garoto de seis ou sete anos, no final dos anos 60, me lembro que tínhamos que descer correndo as escadas da sede do MEC, quando o Dops anunciava que os “terroristas” iriam explodir o prédio, coisa que obviamente jamais ocorreu. Para complicar a situação, Elza estava casada com um preso político (no caso meu pai) acusado sem o menor fundamento de pertencer ao grupo do capitão Carlos Lamarca, que estariam pretendendo montar uma base de comunicação de rádio no interior da Bahia. 

Sob ameaça de demissão e até prisão, Elza decide voltar ao Ceará, aparentemente menos turbulento, trazendo o filho de 11 anos de idade, no caso o autor destas linhas. De volta ao estado, participa ativamente da histórica campanha eleitoral do MDB ao Senado Federal, onde a Ditadura colheu sua maior derrota política até então. No Ceará é eleito Mauro Benevides (MDB), derrotando então a chamada “trinca dos coronéis”, Virgílio, César e Adauto Bezerra, este último falecido há pouco tempo. 

Elza também participou da primeira campanha eleitoral do PT no país, dando seu voto a governo ao lendário professor Américo Barreira. Quando veio a chamada democratização, com a Nova República, Elza já aposentada do MEC no final dos anos 80, integra o grupo de fundadores do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, chegando inclusive a participar das assembleias para a escolha de delegados para o congresso da CUT. Aposentada do serviço público, com o salário aviltado desde a “Era FHC”, passando por Lula e nos 6 anos de Dilma sem um centavo de reajuste, a que se soma os 4 anos do golpismo também com “aumento salarial Zero”. 

Para ela, mesmo com seus 97 anos, só lhe restava o caminho da luta pela sobrevivência, combatendo todas as variantes de governos burgueses que servem ao capital, sejam os de “esquerda ou de direita”. Esse exemplo de rigidez e firmeza incorruptível, mesmo tendo pela frente sempre uma “proposta atraente de cooptação”, marcou minha vida, meu caráter e minha militância revolucionária que acaba de completar 40 anos sem um único dia de interrupção. 

Elza Campos deixa como herança apenas seu legado de luta, até o último minuto de vida com uma incrível força que impressionava todos os que a conheceram. Travou o bom combate por muitas décadas e agora teve o descanso merecido, ao completar em janeiro último seus 97 anos, lançou um desafio as novas gerações que enfrentarão uma etapa ainda mais dura da luta de classes. 

A pandemia do Coronavírus, sem dúvida alguma foi um golpe muito pesado para ela, não tombou para a Covid, mas sem dúvida alguma apesar da idade muito avançada, mas com uma lucidez e memória invejável a um jovem de 20 anos, o colapso geral do sistema de saúde, contribuiu para que não conseguisse celebrar os 100 anos. Neste sentido foi mais uma vítima do genocida, mas não somente do neofascista que habita o Planalto, foi também vítima dos governos burgueses estaduais, que juntos com Bolsonaro são parte orgânica do Estado capitalista indutor maior desta carnificina sanitária, feita sob encomenda do capital financeiro. 

Fez sua “grande viagem” com a serenidade dos vitoriosos, não os vencedores da acumulação do capital e do consumo do mercado, mas os que triunfaram no campo das ideias e dos princípios, que não podem ser precificados e são imateriais! Elza Campos, Presente!

*Candido Alvarez, Editor do jornal Luta Operária e do Blog da LBI