REVOLUÇÃO DOS CRAVOS: 47 ANOS DO “ABORTO” DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA EM PORTUGAL
47 anos depois da Revolução dos Cravos, em plena pandemia do coronavírus os trabalhadores portugueses estão sendo governados pelo Partido Socialista, sob o comando de Antônio Costa, um dos herdeiros políticos da mesma organização que sabotou a revolução, no sentido da conquista do poder estatal pela classe operária. O PCP que integra o governo da centro-esquerda burguesa reivindicando 25 de Abril, foi outro protagonista da sabotagem revolucionária ao proletariado português. Por seu turno, o “Bloco de Esquerda” apoia timidamente o governo de Antônio Costa, também apresentando o atual gabinete como “herdeiro legítimo” do 25 de abril de 1974. Neste marco, as comemorações desse fato histórico que marcou o fim da ditadura de Salazar e o retorno da democracia burguesa em Portugal ocorrem em um clima de patrocinar ilusões na gestão burguesa do PS, principalmente no que toca a sua política repressiva frente a pandemia do coronavírus. Neste sentido, o do aborto a uma revolução flamejante, deve ser compreendida a Revolução dos Cravos, cujos efeitos podem ser sentidos ainda hoje sobre a luta de classes não só em Portugal, mas como parte integrante da crise sanitária por que passa o continente europeu como um todo.
Foi chamada de Revolução dos Cravos porque as tropas lideradas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), em vez de baionetas, saíram às ruas com cravos na ponta dos fuzis para simbolizar solidariedade com a população. Mas, ao contrário do que afirmam os arautos da conciliação de classes, esse movimento resultou numa profunda derrota para proletariado português, confirmando a inviabilidade histórica de uma transição pacífica para o socialismo. O movimento de 25 de abril de 1974, ao pôr fim ao regime fascista de Salazar-Caetano, que durante 46 anos oprimiu o proletariado português e os povos as colônias de Portugal na África, se constituiu em um golpe militar preventivo para evitar que uma insurreição popular destruísse as bases da ordem capitalista. Um “convidado” inesperado, o proletariado, surge no processo desta transição política que foi operada inicialmente “por cima”, mas a ausência do partido revolucionário no cenário português impede que se transforme a crise política da “agitada” transição em Revolução Socialista.
A agitação política em Portugal refletia, sobretudo, o sacrifício de milhares de combatentes que lutaram pela independência das colônias portuguesas na África (Moçambique, São Tomé e Príncipe, Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde), onde a iminente derrota militar portuguesa desencadeou um processo de desagregação no Exército, aprofundando a putrefação do regime. Dessa forma, a origem do MFA encontra-se no clima de instabilidade que se manifestou em meados de 1973 no interior das forças armadas com o surgimento do denominado Movimento dos Capitães, aglutinando oficiais de média patente, insatisfeitos com suas remunerações e com a perda de prestígios dos oficiais do quadro permanente. Em nenhum momento, mesmo quando assumiu seus objetivos políticos, o MFA representou uma ameaça de ruptura com a disciplina e a hierarquia. Ao contrário, já no seu nascimento foram escolhidos como chefes do movimento o General Spínola e o General Costa Gomes, chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
A tensão na esfera militar também era reflexo da trágica situação da economia portuguesa no contexto da crise capitalista mundial de 1973-1975, que exigia uma reorientação econômica, através da nacionalização dos bancos e de setores básicos da produção, e a adequação do regime político para salvaguardar o capitalismo. Enquanto crescia a radicalização das massas que exigiam profundas mudanças, incluindo o fim da guerra na África, a maior preocupação dos líderes do MFA era realizar o golpe antes do dia 1º de Maio, quando estavam previstas grandes mobilizações dos trabalhadores, que poderiam levar à queda o já apodrecido governo de Marcelo Caetano.
Os líderes militares pretendiam obter o apoio das massas mostrando-se como os responsáveis pelo fim do odiado regime de opressão, evitando, dessa forma, que o proletariado tomasse em suas próprias mãos as iniciativas políticas que conduzissem à transformação revolucionária da sociedade. Nesse contexto, a prisão de Caetano e de seus principais ministros, que em seguida foram enviados para Funchal, na Ilha da Madeira, teve como único objetivo afastá-los dos centros de agitação política, onde seriam alvos fáceis do ódio popular.
O expressivo apoio das massas trabalhadoras à Revolução dos Cravos foi fruto das profundas ilusões democrático-burguesas, alimentadas pelos stalinistas do Partido Comunista (PCP) e pelo Partido Socialista (PSP), que compuseram o governo provisório e chamaram o proletariado a depositar confiança no novo regime burguês tutelado pelas mesmas forças reacionárias que haviam dado sustentação a quase meio século de ditadura fascista.
Apesar da política e colaboração de classes dessas direções, a luta espontânea das massas resultou no estabelecimento de uma situação pré-revolucionária, em que qualquer tentativa do governo provisório do General Spínola e da Junta de Salvação Nacional para deter a resistência da classe operária e esmagar suas organizações, poderia conduzir rapidamente ao surgimento de organismos de poder proletário.
Esse ascenso revolucionário manifestou-se em inúmeras greves, obrigando o governo a fazer várias concessões econômicas e políticas.Porém, o avanço das massas rumo à conquista do poder político, com o estabelecimento da ditadura do proletariado, esbarrou na completa ausência de uma direção política capaz de centralizar as lutas operárias, apontando a necessidade da destruição do putrefato Estado burguês tendo como perspectiva a construção do socialismo. O stalinista PCP, liderado por Álvaro Cunhal, fez do slogan “aliança do povo com as forças armadas” a pedra fundamental de sua política de colaboração de classes. Em nome dessa “aliança”, a Intersindical, federação sindical liderada pelo PCP, foi colocada prontamente ao lado do governo na sabotagem e repressão às greves operárias.
A Revolução dos Cravos ocorreu sete meses depois do desastroso desfecho da chamada “via chilena para o socialismo”, com o sangrento golpe fascista de Pinochet. Entretanto, a lição abstraída pelo stalinismo da experiência chilena, foi de que deveria estreitar os seus laços com as forças armadas do Estado burguês, buscando encontrar aí os seus aliados “progressistas” para levar adiante sua estratégia da revolução democrático-burguesa. A política de conciliação de classes dos stalinistas e dos socialdemocratas do PS de Mário Soares levou a formação do bloco MFA/PS/PCP. No campo do trotskismo, a Liga Comunista Internacional, ligado ao SU de Ernest Mandel, foi incapaz de chamar a classe operária a construir embriões de poder proletário, sob a desculpa infame de que ainda era “muito cedo para levantar demandas políticas”. Um verdadeiro partido trotskista tinha obrigatoriamente que apontar o caráter burguês do MFA, denunciar a política de colaboração de classes do PC, levantar um programa de reivindicações transitórias e exigir o rompimento com o MFA, tendo em vista arrancar o proletariado da influência ideológica e política da burguesia e seus agentes stalinistas.
Após 47 anos da Revolução dos Cravos permanecem vivas como lições para os trabalhadores de todo o mundo, tanto a inviabilidade da utopia reacionária da transição pacífica ao socialismo, vendida pelos reformistas do PS de volta ao governo, quanto a falência da concepção etapista da revolução defendida pelo stalinismo e copiada pelos setores revisionistas do trotskismo que integram o Bloco de Esquerda, como o SU.
A derrota do proletariado português foi produto da ausência de uma direção revolucionária capaz de romper com o domínio do PCP e do PS, que desarmaram o movimento operário diante do governo burguês do MFA, preparando conscientemente o terreno para o triunfo da contrarrevolução, a partir dos acontecimentos de 25 de novembro de 1975, que arrancou gradativamente todas as conquistas do proletariado.
O desfecho da Revolução dos Cravos foi mais um exemplo histórico, que confirmou pela via negativa, que só a estratégia política da revolução permanente, sob a direção de um autêntico partido revolucionário poderá derrotar a burguesia, abrindo caminho, através da destruição do Estado burguês, para a construção do socialismo. Aos genuínos marxistas cabe a tarefa de intervir ativa e pacientemente sobre estas lutas para elevar o nível de consciência dos setores mais radicalizados, a fim de fazê-las avançar da resistência defensiva atual para a disputa pela conquista do poder político contra seus algozes, superando a criminosa influência política que a centro-esquerda reformista e seus satélites revisionistas exercem sobre o proletariado. A materialização deste longo processo de evolução da consciência dos trabalhadores é a construção de um partido internacionalista e revolucionário que lute por derrotar a União Europeia imperialista, sob a qual a vida das massas converte-se em uma bárbara escravidão, para edificar em seu lugar uma Federação das Repúblicas Socialistas da Europa, apontando a única saída verdadeiramente progressista para o velho continente.