terça-feira, 8 de março de 2022

DA GUERRA DOS BALCÃS A GUERRA DA UCRÂNIA: A OTAN AVANÇA PARA “DOMESTICAR” OS ANTIGOS ESTADOS OPERÁRIOS 

Para qualquer sérvio que não tenha enlouquecido ou simplesmente tenha ficado atordoado por três décadas de implacável propaganda anti-sérvia (anti-socialista) e mentiras que emanam dos centros de poder imperialista e da mídia corporativa do Ocidente "livre e democrático", o alcance e a intensidade da censura anti-russa que foi imposta no Ocidente com a guerra da Ucrânia, não pode ser uma surpresa. Como o presidente sérvio Aleksandar Vucic declarou alguns dias antes do início da campanha de desnazificação e desmilitarização na Ucrânia, cerca de 85% dos sérvios “permanecem” do lado da Rússia. Embora nos últimos dias a Sérvia tenha sofrido imensa pressão ocidental como o único enclave independente na Europa, uma espécie de Berlim Oriental do novo mundo pós-soviético e cercado por países da OTAN e/ou da União Européia que, em maior ou menor medida, foi absorvido pela atual histeria anti-Rússia, o fato da população da Sérvia continuar do lado da Rússia não é surpreendente.

A razão é simples, mesmo se você deixar de lado os laços “espirituais”, étnicos e simplesmente fraternais que unem os dois povos há séculos. Porque os sérvios foram, por assim dizer, os “canários na mina de carvão“ nos anos que se seguiram à proclamação de uma "nova ordem mundial" por George Bush pai. Pouco depois da queda do Muro de Berlim, no início da década de 1990, a esquerda reformista ainda se maravilhava com o anunciado "fim da história" e o glorioso triunfo da "democracia liberal".

Assistimos ao regresso gradual da mais pura e cínica política de poder brutal, mas desta vez envolta em homilias diluídas e politicamente corretas sobre “direitos humanos”, “democracia”, “integração europeia” e “paz”, que, como logo se mostrou, não passavam de um nevoeiro de guerra “liberal”, como fogo de artilharia preparatória retórica, diplomática e midiática para legitimar o autoproclamado direito do imperialismo em definir o que é bom e o que não é e, com base das novas definições prescritas, interferir e ampliar seus interesses econômicos, puramente pragmáticos sempre que puder. O Ocidente vitorioso era o senhor do mundo, e a "difusão da democracia" era sua nova quase-religião, dando um verniz moral à sua novíssima ação geopolítica, uma versão formulada de uma nova terminologia em uma era supostamente pós-ideológica.

Assim, durante o violento desmembramento da Iugoslávia pela OTAN, seus principais instigadores e facilitadores externos (liderados pela Alemanha e Áustria, com a ajuda essencial do embaixador norte-americano na Iugoslávia) puderam, graças ao amplo domínio do espaço midiático-informativo, apresentar eles mesmos como "mediadores da paz" e, o que é ainda mais doentio, como árbitros morais.

O velho Ocidente expansionista podia apresentar-se aos desinformados e crédulos como uma espécie de “força para o bem”, enquanto apresentava o inimigo, os sérvios então, os russos agora, como o “mal de Lúcifer encarnado”. Foi sobre as cinzas da destruição da Iugoslávia patrocinada pelo Ocidente que o mito da “OTAN indispensável”, da “benevolente União Européia” e do “bom Ocidente” recebeu muito de sua subsequente afirmação e poder brando pós-Guerra Fria. E é em grande parte por esta razão que os repetidos apelos e exigências diplomáticas da Rússia para parar a expansão contínua do pacto militar atlântico não foram levados a sério, ou pelo menos não suficientemente a sério. A “massa crítica” de pessoas que não tinham conhecimento direto da realidade desses lobos ocidentais em pele de cordeiro, como fizeram os sérvios (e os sírios, líbios, iraquianos, afegãos, iemenitas, somalis, venezuelanos, etc.). Em outras palavras, o Ocidente estava começando a gastar o enorme capital moral que havia acumulado como vencedor em uma luta global contra um "império do mal", e as lacunas na armadura (fabricada artificialmente) ainda eram pequenas demais para o “olho comum” perceber.

Nem mesmo o bombardeio ilegal da OTAN à República Federativa da Iugoslávia na primavera de 1999, em nome de "prevenir o genocídio" na histórica e sagrada província sérvia de Kosovo(da qual nenhuma evidência foi apresentada nos 23 anos desde então)despertou uma massa crítica da opinião pública ocidental e tomadores de decisão o suficiente para reconsiderar a conveniência e a necessidade de continuar no caminho de, essencialmente, um novo "Drang nach Osten" (no entanto, dado o que aconteceu com Trump muito mais tarde, é mais do que evidente que os resultados das eleições e a tomada de decisões no Ocidente foram anexados pelo complexo militar-industrial, como Eisenhower previu em 1961).

Mas finalmente “acordou Moscou”, abrindo caminho para a chegada de Vladimir Putin ao mais alto cargo da Rússia no último dia daquele ano fatídico. Embora o ex-coronel da KGB não mostrasse a de reverter minimamente o processo de restauração capitalista instaurado com a queda do Estado Operário Soviético. Como os sérvios, os russos ainda se lembravam dos verdadeiros horrores da última guerra mundial e podiam reconhecer padrões muito familiares com muito mais facilidade do que a maioria dos europeus do continente. Infelizmente, Moscou não pretendeu fazer muito no início, exceto emitir advertências incessantes, começando com Munique no início de 2007, pedindo uma reavaliação geral e renegociação da segurança europeia comum sabendo que seus avisos, sugestões e “propostas educadas” foram alegremente ignorados nas principais capitais ocidentais. Rearmar-se e preparar-se para o inevitável conflito foi o caminho escolhido. Isso finalmente aconteceu com a recusa coletiva do Ocidente em discutir a neutralidade da Ucrânia e impedir a expansão da OTAN, juntamente com a ameaça do presidente fantoche ucraniano de adquirir armas nucleares para a Ucrânia.

Por que Moscou aceitaria a possibilidade muito real de mísseis nucleares serem implantados em suas fronteiras que poderiam alcançá-lo em 7-8 minutos (e, no caso de futuros mísseis hipersônicos, em 5-6 minutos)? Por que Putin confiaria nos centros de poder da OTAN, cujas figuras de proa lhe garantiram que eles não iriam se afastar um centímetro do leste quando o Pacto de Varsóvia estivesse se dissolvendo, e então fazer exatamente o oposto?

Portanto, as intermináveis ​​garantias verbais e a retórica vazia das últimas três décadas não funcionaram mais, porque tudo o que a Rússia conseguiu foi uma aliança hostil semelhante ao Eixo nazifascista em suas fronteiras e uma campanha de demonização cada vez maior que nos últimos tempos superou em muitos aspectos a experiência vivida pela URSS no auge da Guerra Fria. Quando os mísseis nucleares foram ameaçar os EUA, às portas de Cuba, o imperialismo estava dispostos a lançar uma guerra nuclear para evitá-lo.

Um dia após o início da campanha de desmilitarização e desnazificação da Rússia, o Presidente da Sérvia anunciou a posição oficial da Sérvia sobre a situação na Ucrânia, delineada nas conclusões do Conselho de Segurança Nacional da Sérvia. Em essência, a posição da Sérvia é que respeita a integridade territorial da Ucrânia como respeita a integridade territorial de todos os estados, de acordo com a Carta da ONU e a Lei de Helsinki de 1975, que considera a violação da integridade territorial de qualquer estado, incluindo Ucrânia, mas que não imporá sanções à Federação Russa.

Basta olhar para o atual mapa político da Europa para ver a importância, o valor e a dificuldade da decisão da Sérvia. A Sérvia e a vizinha Bósnia e Herzegovina são ilhas no mar da OTAN que as rodeia, e a Bósnia não é membro da OTAN apenas por causa da oposição sérvia, liderada pelo membro sérvio da presidência coletiva do enclave, Milorad Dodik. Além disso, todos os estados vizinhos aderiram às condenações ocidentais da intervenção russa na Ucrânia e se associaram ou expressaram seu apoio às últimas sanções impostas à Rússia, incluindo o fechamento do seu espaço aéreo da União Européia às aeronaves russas.

Sem surpresa, nos últimos dias, como o próprio presidente Vucic atesta, a Sérvia esteve sob "intensa" pressão ocidental para se juntar à linha de frente das sanções e condenações contra a Rússia. O relator do Parlamento Europeu para a Sérvia, Vladimir Bilchik, já afirmou que a decisão da Sérvia de não aderir às sanções da União Europeia contra a Rússia é uma “decisão de política externa decisiva para a relação muito mais ampla entre a União Europeia e a Sérvia”.

O ex-ministro das Relações Exteriores e primeiro-ministro sueco Carl Bildt, twittou que a Sérvia "se desqualificou de fato do processo de adesão à UE", pois os novos membros devem compartilhar os "valores e interesses fundamentais da União Europeia”. Os porta-vozes da Comissão Européia, Ana Pisonero e Eric Mamer, também expressaram sua esperança de que a Sérvia aderisse à política de sanções da União Européia.

A Sérvia foi sádica e ilegalmente bombardeada pela OTAN em 1999 por não aceitar voluntariamente sua própria ocupação pela aliança dos "valores democráticos” do imperialismo. Desde então, a OTAN ganhou mais 11 membros e cerca de mil quilômetros a leste. Por isso, vamos esperar para ver nos próximos dias e semanas que medidas concretas de punição ou censura a União Europeia (e a OTAN) aplicará contra a Sérvia, que é candidata oficial à adesão à União Europeia desde 2012 e, portanto, é obrigada a harmonizar progressivamente suas políticas, inclusive a externa, com a “união pacífica".

A Rússia expressou seu apreço e compreensão pela posição da Sérvia. Em sua reação à posição oficial da Sérvia, o embaixador russo em Belgrado disse que a Rússia "Entende que a Sérvia está sob pressão e não pede nada", estando bem ciente do respeito e confiança mútua entre o presidente Vucic e o presidente russo Putin, e que “A Sérvia respeita o interesse nacional da Rússia".

Além disso, como afirmado nas conclusões do Conselho de Segurança Nacional, a própria Sérvia foi vítima de sanções ocidentais durante a década de 1990 e, mais importante, de agressão por 19 Estados da OTAN em 1999, precisamente por defender sua própria integridade territorial. Em outras palavras, a Sérvia se recusa não apenas a aderir às sanções ocidentais contra um amigo e aliado tradicional, mas também a fazer parte dos tradicionais padrões duplos do Ocidente, que experimentou em primeira mão no passado e no presente. Para este fim, o presidente do Parlamento sérvio, Ivica Dacic, afirmou claramente que, ao contrário do resto da Europa "democrática", a Sérvia não aderirá a métodos "totalitários" e não fechará ou censurará o Sputnik ou a RT. Assim, o último posto avançado europeu não russo do Sputnik está em Belgrado, que ainda não é “democrático” o suficiente para ser aceito pelos burocratas neoliberais “livres-pensadores” em Bruxelas(sede da UE).