segunda-feira, 21 de março de 2022

LENIN SAÚDA A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA SOVIÉTICA DA HUNGRIA EM MARÇO DE 1919: “SEJAM FIRMES, A VITÓRIA SERÁ NOSSA!” 

Publicamos abaixo um texto de Lênin saudando a Revolução Húngara de 1919. Em 21 de Março daquele ano, a Hungria foi proclamada a República dos Conselhos sob a direção de Bela Kun. A revolução socialista na Hungria teve um caráter relativamente pacífico. A burguesia húngara, não estando em condições de esmagar o movimento revolucionário e de vencer as dificuldades externas, decidiu entregar o poder aos sociais-democratas de direita, para dificultar o desenvolvimento da revolução. 

O prestígio do Partido Comunista da Hungria entre as massas era nesta altura tão grande, e tão decidida a exigência de uma aliança com os comunistas por parte dos membros de base do Partido Social-Democrata, que a direção do Partido Social-Democrata propôs aos dirigentes do Partido Comunista, que estavam presos, a formação conjunta do governo. Os dirigentes sociais-democratas foram obrigados a aceitar as condições apresentadas pelos comunistas: formação de um governo dos conselhos, desarmamento da burguesia, criação de um Exército Vermelho e de uma milícia popular, confiscação das terras dos latifundiários, nacionalização da indústria, conclusão de uma aliança com a Rússia Soviética, etc.

Foi ao mesmo tempo assinado um acordo sobre a unificação de ambos os partidos no Partido Socialista da Hungria. Na aplicação da unificação dos dois partidos admitiram-se erros que se vieram a refletir posteriormente; a unificação foi aplicada por meio da fusão mecânica, sem afastar os elementos reformistas. Logo na sua primeira reunião, o Conselho Revolucionário de Governo aprovou uma resolução sobre a criação do Exército Vermelho. 

Em 26 de Março o Governo dos Conselhos publicou decretos sobre a nacionalização das empresas industriais, dos transportes e dos bancos; em 2 de Abril foi publicado o decreto sobre o monopólio do comércio externo. Os salários dos operários foram aumentados 25% em média, e foi introduzida a jornada de trabalho de oito horas; em 3 de Abril foi aprovada a lei sobre a reforma agrária, de acordo com a qual todas as propriedades com mais de 57 hectares eram confiscadas e transformadas em grandes explorações estatais, que permaneciam de fato nas mãos dos mesmos administradores. 

O campesinato pobre esperava receber terra das mãos do poder soviético, mas viu não contempladas as suas expectativas. Isto dificultou o estabelecimento de uma aliança sólida do proletariado com o campesinato e enfraqueceu o poder soviético na Hungria. Em 1º de agosto, 133 dias após sua proclamação, este heroico capítulo da história da classe trabalhadora húngara foi encerrado com a entrada do Exército Branco romeno em Budapeste. Fosse o proletariado húngaro bem sucedido, o isolamento da URSS não teria ocorrido de forma tão brutal. 

A breve experiência da República Soviética Bávara foi uma indicação de que a maré montante da revolução se estendia do Leste para o Oeste o que parecia na época um irresistível ímpeto. Se o estado húngaro dos trabalhadores houvesse conseguindo consolidar-se, por apenas mais alguns meses, as chamas da revolução teriam abrangido Viena e Berlim, onde a classe trabalhadora estava em efervescência revolucionaria. O triunfo da revolução alemã teria mudado todo o curso da história humana. Todavia isto não ocorreu e a Revolução Húngara de 1919 entrou para os anais da história como se fosse um outro episódio semelhante ao da Comuna de Paris em 1871.

SAUDAÇÃO AOS OPERÁRIOS HÚNGAROS (LENIN)

Camaradas! As notícias que recebemos dos dirigentes soviéticos húngaros enchem-nos de entusiasmo e de alegria. Há pouco mais de dois meses que existe na Hungria o Poder Soviético e, ao que parece, o proletariado húngaro já nos ultrapassou no aspecto da organização. Isto é compreensível, porque na Hungria o nível cultural geral da população é mais elevado, e além disso a proporção de operários industriais é incomensuravelmente maior no conjunto da população (Budapeste conta com três milhões de habitantes, sendo a população da Hungria atual de 8 milhões) e, finalmente, porque a transição para o regime soviético, para a ditadura do proletariado, foi na Hungria incomparavelmente mais fácil e pacífica. 

Esta última circunstância é particularmente importante. A maioria dos chefes socialistas da Europa - tanto os da tendência social-chauvinista como os da tendência kautskista - atolaram-se de tal modo nos preconceitos puramente filisteus formados por dezenas de anos de capitalismo relativamente “pacífico” e de parlamentarismo burguês, que são incapazes de compreender o Poder Soviético e a ditadura do proletariado. O proletariado não está em condições de levar a cabo a sua missão libertadora, de importância histórica mundial, se não eliminar do seu caminho esses chefes, se não correr com eles. Essas pessoas acreditam total ou parcialmente nas mentiras burguesas contra o Poder Soviético na Rússia, e não souberam distinguir entre a essência da nova democracia, proletária, a democracia para os trabalhadores, a democracia socialista, encarnada pelo Poder dos Sovietes, e a democracia burguesa, perante a qual se prostram servilmente, chamando-lhe “democracia pura” ou “democracia” em geral. 

Essa gente cega, embrutecida pelos preconceitos burgueses, não compreendeu a viragem de importância histórica mundial da democracia burguesa para a democracia proletária, da ditadura burguesa para a ditadura proletária. Confundiram certas particularidades do Poder Soviético russo, da história russa do seu desenvolvimento, com o Poder Soviético no seu significado internacional. 

A revolução proletária húngara ajuda mesmo os cegos a recuperar a visão. Na Hungria, a forma da transição para a ditadura do proletariado é totalmente diferente da da Rússia: demissão voluntária do governo burguês, restabelecimento imediato da unidade da classe operária, da unidade do socialismo sobre a base de um programa comunista. A essência do Poder Soviético apresenta-se agora tanto mais claramente: nenhum outro poder, apoiado pelos trabalhadores, com o proletariado à frente, é atualmente possível em nenhuma parte do mundo, a não ser o Poder Soviético, a não ser a ditadura do proletariado. 

Esta ditadura pressupõe o emprego da violência, severa, rápida e decidida, para esmagar a resistência dos exploradores, dos capitalistas, dos latifundiários e dos seus sequazes. Quem não o compreendeu não é revolucionário e deve ser afastado do lugar de chefe ou de conselheiro do proletariado. 

Mas a essência da ditadura do proletariado não reside apenas na violência, nem principalmente na violência. A sua essência principal reside na organização e disciplina do destacamento avançado dos trabalhadores, da sua vanguarda, do seu único dirigente, o proletariado. O seu objectivo é criar o socialismo, suprimir a divisão da sociedade em classes, fazer de todos os membros da sociedade trabalhadores, retirar a base a toda a exploração do homem pelo homem. Este objectivo não pode ser realizado de um só golpe, exige um período de transição bastante longo do capitalismo para o socialismo, tanto porque reorganizar a produção é uma coisa difícil, como porque é necessário tempo para mudanças radicais em todos os domínios da vida e porque a enorme força do hábito da gestão pequeno-burguesa e burguesa só pode ser superada numa luta longa e tenaz. E por isso que Marx fala de todo um período de ditadura do proletariado como período de transição do capitalismo para o socialismo. 

Durante todo este tempo de transição, oferecerão resistência à revolução tanto os capitalistas, e igualmente os seus numerosos sequazes no seio da intelectualidade burguesa, que resistem conscientemente, como uma massa enorme de trabalhadores, entre os quais os camponeses, demasiado embrutecidos pelos costumes e tradições pequeno-burgueses, e que resistem muitas vezes inconscientemente. As vacilações nestas camadas são inevitáveis. O camponês, enquanto trabalhador, tende para o socialismo, prefere a ditadura dos operários à ditadura da burguesia. O camponês, enquanto vendedor de cereais, tende para a burguesia, para o comércio livre, isto é, para trás, para o capitalismo “habitual”, velho, “tradicional”. 

É necessária a ditadura do proletariado, o poder de uma só classe, a força da sua organização e disciplina, o seu poderio centralizado apoiado em todas as conquistas da cultura, da ciência e da técnica do capitalismo, a sua afinidade proletária com a psicologia de todos os trabalhadores, o seu prestígio perante os trabalhadores do campo ou pequenos produtores, dispersos, menos desenvolvidos e menos firmes em política, a fim de que o proletariado possa arrastar atrás de si o campesinato e todas as camadas pequeno-burguesas em geral. Aqui de nada serve a fraseologia sobre “democracia” em geral, sobre «unidade» ou sobre «unidade da democracia do trabalho», sobre a “igualdade” de todos os “homens do trabalho”, etc., etc., fraseologia para a qual tanto se inclinam os sociais-chauvinistas e kautskistas pequeno-burgueses. A fraseologia não faz mais que turvar a vista, ofuscar a consciência, reforçar a velha estupidez, estagnação e rotina do capitalismo, do parlamentarismo, da democracia burguesa. 

A supressão das classes é resultado de uma luta de classes longa, difícil e obstinada, que não desaparece (como imaginam os representantes vulgares do velho socialismo e da velha social-democracia) depois do derrubamento do poder do capital, depois da destruição do Estado burguês, depois da implantação da ditadura do proletariado, mas apenas muda de forma, tornando-se em muitos aspectos ainda mais encarniçada.

É por meio da luta contra a resistência da burguesia, contra a estagnação, a rotina, a indecisão, as vacilações da pequena burguesia, que o proletariado deve defender o seu poder, fortalecer a sua influência organizadora, obter a “neutralização” das camadas que receiam separar-se da burguesia e seguem o proletariado com excessiva falta de firmeza, consolidar a nova disciplina, a disciplina fraternal dos trabalhadores, a sua ligação sólida com o proletariado, o seu agrupamento em torno do proletariado, essa nova disciplina que constitui o novo fundamento das relações sociais, em lugar da disciplina feudal da Idade Média, em lugar da disciplina da fome, da disciplina da escravidão "livre" assalariada sob o capitalismo.

Para suprimir as classes é necessário um período de ditadura de uma só classe, precisamente daquela que entre as classes oprimidas seja capaz não só de derrubar os exploradores, não só de reprimir sem piedade a sua resistência, mas também de romper ideologicamente com todos as concepções democrático-burguesas, com toda a fraseologia pequeno-burguesa a respeito da liberdade e da igualdade em geral (de fato, como Marx demonstrou há já muito tempo, essa fraseologia significa “liberdade e igualdade” dos proletários de mercadorias, “liberdade e igualdade” do capitalista e do operário). 

Mais ainda. De entre as classes oprimidas, só é capaz de suprimir as classes, por meio da sua ditadura, a classe que está instruída, unida, educada, temperada por dezenas de anos de greves e de luta política contra o capital; só a classe que assimilou toda a cultura das cidades, da indústria, do grande capitalismo e tem ocasião e capacidade para defendê-la, para conservar e desenvolver todas as suas conquistas, para as tornar acessíveis a todo o povo, a todos os trabalhadores; só a classe que sabe suportar todos os fardos, todas as provocações, adversidades, grandes sacrifícios que a história inevitavelmente impõe a quem rompe com o passado e abre audaciosamente o caminho para o futuro novo; só a classe cujos melhores membros estão cheios de ódio e desprezo pelo que é pequeno-burguês e filisteu, por aquelas qualidades que tanto florescem entre a pequena burguesia, entre os pequenos empregados, entre a “intelectualidade”; só a classe que se “temperou na escola do trabalho” e sabe inspirar respeito pela sua capacidade de trabalho a todos os trabalhadores, a todos os homens honrados. 

Camaradas operários húngaros! Destes ao mundo um exemplo ainda melhor do que a Rússia Soviética, porque soubestes unir de imediato todos os socialistas na base da plataforma da verdadeira ditadura proletária. Agora tendes a gratíssima e dificílima tarefa de aguentar na dura guerra contra a Entente. Sede firmes. Se se manifestarem hesitações entre os socialistas que ontem aderiram a vós, à ditadura do proletariado, ou entre a pequena burguesia, reprimi impiedosamente as vacilações. O fuzilamento é o destino legítimo do covarde na guerra.

Vós fazeis a única guerra legítima, justa, verdadeiramente revolucionária, a guerra dos oprimidos contra os opressores, a guerra dos trabalhadores contra os exploradores, a guerra pela vitória do socialismo. Em todo o mundo, tudo o que há-de honrado na classe operária está do vosso lado. Cada mês se aproxima mais a revolução proletária mundial.

Sejam firmes! Vitória será nossa!