OPERAÇÃO “BROTHER SAM” E A DERRUBADA DE JANGO EM 64: NÃO FORAM OS GENERAIS CASTELO E GOLBERY QUE DESFERIRAM O GOLPE, ELES ERAM APENAS “SUBOFICIAIS” OPERADORES DAS FORÇAS DO PENTÁGONO QUE ESTAVAM EM PESO NA COSTA BRASILEIRA
Muitos historiadores e a esquerda reformista em geral
disseminam o “conto” que o golpe militar de primeiro de abril de 1964, levando
a derrubada do governo nacionalista burguês de João Goulart, foi urdido militar
e politicamente pelos generais brasileiros, tendo à frente nomes como Castelo
Branco, Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva, Costa e Silva e Garrastazu
Médici. Uma pesada lista de “gorilas” onde apenas Golbery, considerado o “mago”
do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA), não ocupou a presidência da
república. Uma “narrativa” de grave equívoco não só histórico, mas
fundamentalmente político que gera consequências até hoje para a classe
operária brasileira. A deliberação de extirpar do regime político nacional,
traços de nacionalismo burguês e até de anti-imperialismo, vem sendo gestada
desde o final da Segunda Guerra Mundial bem longe do Brasil, mais precisamente
em Washington D.C, desde que o Pentágono, em 1947, estabeleceu seu comando
hierárquico sobre o ACFA brasileiro, que nesta época abrigava sua sede no
antigo Ministério da Guerra, ironicamente situado na Avenida Presidente
Vargas… justamente o símbolo político que a Casa Branca queria varrer das terras
tupiniquins…
A frota de guerra naval do imperialismo ianque, deslocada para a costa marítima brasileira partiu do estado da Virgínia com a missão de dar total cobertura ao golpe militar no Brasil , que estava sendo organizado pela Embaixada norte-americana, já instalada na nova capital em Brasília. O embaixador ianque, Lincon Gordon, chefiava uma comitê “clandestino”, que contava com os generais Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva e os irmãos Geisel(responsáveis pela articulação militar do golpe), além dos governadores udenistas do Rio de Janeiro e Minas, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto respectivamente e também com lideranças empresariais como Roberto Marinho. A armada imperialista consistia no porta-aviões “USS Forrestal”, um porta-helicópteros e seis destróieres da Segunda Frota, além de quatro petroleiros para abastecimento da frota aérea e naval. O contigente aéreo ianque era composto por sete aviões C-135 , oito aviões de abastecimento, dez modernos caças F-5 Tiger e um avião de comunicações. O general da Força Aérea do Pentágono, George S. Brown, recebeu o comando geral da missão golpista no Brasil, na qual o general Castelo e seus comparsas do ACFA eram apenas “suboficiais” dos comandantes norte-americanos.
Tamanho deslocamento tático militar do imperialismo ianque no início dos anos 60 só foi operacionalizado no mundo quando a tarefa era ocupar um país que vivenciava um processo de guerra civil, como no Vietnam por exemplo. Nem mesmo a invasão do Panamá exigiu dos EUA tanto “esforço”. Obviamente que do ponto de vista bélico, a entrada em cena dos novos caças F-5 e de um porta aviões nuclear poderia desequilibrar qualquer conflito militar com um país latino-americano. Porém as tropas do Pentágono em nossa costa não dispararam nenhum míssil e tampouco um único “tiro de festim”. Bastou que um “general de pijama”, Olímpio Mourão, saísse de Minas Gerais, marchando com um batalhão de cavalaria(sequer contava com blindados) em direção ao Rio de Janeiro, para que logo o governo Jango se “desmanchasse” como uma névoa rumo ao Uruguai.
Castelo Branco e seus covardes seguidores golpistas, que no dia 31 de Março estavam escondidos em um apartamento no bairro de Copacabana, receberam uma comunicação da embaixada norte-americana para que se deslocassem até Brasília já para tomar posse no Palácio do Planalto. O então presidente do Congresso Nacional, senador Auro Moura, tinha declarado em sessão tumultuada no parlamento a “vacância da presidência da república” no dia 2 de abril, a operação “Brother Sam” tinha sido enfim vitoriosa, sem ao menos entrar em combate. Jango tinha se comprometido junto a alguns “generais legalistas”, que apoiavam seu governo nacionalista, que não estimularia nenhum tipo de resistência armada ou política, seu cunhado o ex-governador do RGS, Leonel Brizola, retrucou que poderia reeditar a “cadeia da legalidade”, ocorrida em 61 justamente para garantir a posse de Goulart diante da renúncia de Jânio, porém o presidente deposto se opôs firmemente a inciativa, orientando todo seu entorno político a partir para o exílio.
Jango, um dos grandes quadros políticos da corrente nacionalista burguesa na América Latina, que tiveram origem no velho getulismo do final dos anos 40, tinha plena consciência que impulsionar uma resistência armada ao poderio imperialista, necessariamente desembocaria em um processo revolucionário socialista, única força capaz de derrotar os planos da Casa Branca para sua “colônia”. Não foi o único quadro nacionalista na América Latina a pensar desta forma, Allende no Chile teve exatamente a mesma posição, sendo que mais corajosa pois não fugiu para o exílio.
O nacionalismo burguês, por mais ousado que possa ser,
contrariando até as determinações do “Grande Amo do Norte” em alguns momentos,
é incapaz historicamente de romper seus vínculos sociais com o Estado
capitalista. Por isso, quando no ápice das tensões econômicas e sociais com o
imperialismo, o Estado capitalista nativo corre o risco de ser abalado (em uma
guerra civil por exemplo), os governos nacionalistas recuam politicamente,
sacrificando até a própria vida para preservar as instituições da república do
capital. Este foi o caso de Getúlio e Allende, Jango menos “herói” preferiu
fugir para sua fazenda na fronteira do Uruguai com a Argentina, de onde 12 anos
depois, foi assassinado com veneno em plena “Operação Condor”, articulada pela
CIA para eliminar as lideranças nacionalistas ainda vivas em nosso continente.
Não é propriamente um “furo jornalístico” descrever a famigerada Operação “Brother Sam”, já amplamente documentada historicamente como um elemento decisivo no golpe militar de 64. Entretanto o que consiste em um gravíssimo erro teórico e político, reproduzido pela esquerda reformista até hoje, é apresentar o controle militar do imperialismo sobre o “nosso” ACFA como um fato episódio ou apenas temporal de um determinado período histórico. Não é raro ouvir de “especialistas” em geopolítica que a ação do Pentágono ao desferir a “Brother Sam” era produto exclusivo dos tempos da chamada “Guerra Fria”, algo de um passado remoto e que já foi removido da história com o fim da URSS. Na verdade, como já descrevemos em artigos anteriores, o controle norte-americano sobre o “núcleo duro” do Alto Comando das Forças Armadas brasileiras se estabelece um pouco antes do início da “Guerra Fria”, foi parido exatamente com a formação da FEB (Força Expedicionária Brasileira), enviada em 1943 ainda pelo “Estado Novo” de Getúlio para combater ao lado das tropas dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Sob o comando dos generais do Pentágono, os oficiais e “pracinhas” da FEB (totalmente despreparados para um conflito bélico deste porte) combateram as forças nazistas na Itália, em batalhas épicas como as de “Monte Castelo” e “Montese”.
Alguns jovens oficiais graduados da FEB, como os coronéis Castelo Branco, Eduardo Gomes e Euclides Zenóbio, morto no final de 63 (os dois primeiros protagonistas do golpe militar de 64), logo chamaram a atenção dos generais norte-americanos como possíveis futuros comandantes do Exército brasileiro. Ainda em pleno curso da Segunda Guerra Mundial, no final do ano de 1944, os coronéis da FEB já estavam sob a disciplina militar e hierarquia ideológica dos generais ianques, passando a promover uma campanha no Brasil pela derrubada do “ditador” Getúlio, que segundo eles era uma figura incompatível com a “democracia norte-americana”. Vargas inutilmente ainda tenta uma reação contra os coronéis “democráticos”, e dissolve formalmente a FEB no início (janeiro) de 1945, quando a guerra não tinha acabado e tampouco os militares brasileiros tinham retornado ao país. Porém a contraofensiva do Catete não adiantou, de volta ao Brasil em setembro de 1945, os coronéis “democráticos” da extinta FEB, junto a alguns generais já simpáticos a Washington, depõe o presidente Getúlio. Era o fim do “Estado Novo”, porém não era o fim da corrente burguesa getulista, que renasce triunfante nas eleições presidenciais de 50, com a vitória do próprio Vargas e depois com a posse do “pupilo” João Goulart em 1961. Detalhe, estes dois governos nacionalistas foram “abatidos” pelo ACFA, sob a rígida diretriz política da Casa Branca e seu braço armado, o Pentágono.
Deposto Getúlio, ocorrem em dezembro de 1945 as eleições
gerais no país, que também promulgaria a nova constituição, onde o PCB fará seu
grandioso “debut” elegendo Luís Carlos Prestes como o senador mais votado do
Brasil. A embaixada norte-americana está certa da eleição do “marechal do ar”,
Eduardo Gomes, para à presidência da república, apoiado pelas correntes mais
reacionárias e pró-imperialistas da nação. Porém algo saiu errado nos planos da
Casa Branca e Gomes representando a UDN é derrotado por outro militar, o
general Eurico Gaspar Dutra (PSD), relativamente próximo ao getulismo além de
refratário a que o comando do exército brasileiro recebesse ordens diretas do
Pentágono. Desta forma recomeça a conspiração golpista para impor na gerência
estatal do país uma presidência plenamente alinhada com Washington e suas
corporações econômicas transnacionais. As articulações golpistas, urdidas
principalmente nos bastidores da caserna, onde as lideranças civis eram sempre
atores políticos coadjuvantes, como Carlos Lacerda, permearam os governos
Dutra, Getúlio (2.0) e Juscelino, até chegarem finalmente a Jango, com o
desfecho favorável para os EUA.
Em uma fuga covarde do país, Goulart foi chamado de “traidor da pátria” até pelo seu cunhado e correligionário de primeira linha, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Com os militares nacionalistas presos ou exilados, Castelo Branco e sua corja antinacional não teve dificuldade alguma para se instalar em Brasília, realizando uma aspiração não cumprida de quase 30 anos do Departamento de Estado dos EUA, ou seja, implantar uma “administração colonial“ integralmente submissa ao imperialismo. Com as portas escancaradas para as transnacionais ianques, o país adentra em novo ritmo de acumulação capitalista, recebendo pesados investimentos para a construção de uma moderna infraestrutura (Itaipu, usina nuclear de Angra, metrôs, ponte Rio-Niterói, rodovias, aeroportos de Cumbica e Galeão, etc..), assim com o regime militar é inaugurada a era do “milagre econômico brasileiro”.
Também não é menos grave o engano, do ponto de vista da
ciência do materialismo histórico, em afirmar que a forte “influência” ianque
sobre o ACFA brasileiro foi superada com o fim da ditadura militar em 1984 e o
advento do regime democratizante burguês, instaurado pela chamada “transição
transada” entre os generais e o governo civil da “Nova República”, encabeçado
por um velho golpista de 64, o ex-presidente da Arena, José Sarney. Se é
verdade que a nova constituição promulgada em 1988 e vigente “remendada” até os
dias de hoje, estabelece de fato um regime “democrático” burguês no país, este
é ainda totalmente tutelado pelo “poder” militar e atrelado econômica e
politicamente ao imperialismo norte-americano, seja nas gestões estatais da
“esquerda” ou “direita”. Não é nenhum exagero “lembrar” aos nossos ardorosos
apologistas do “Estado Democrático de Direito”, que esta forma “disfarçada” de
dominação de classe não passa de uma ditadura do capital financeiro sobre a
classe operária e o povo trabalhador.
Em resumo podemos concluir neste breve ensaio, com a certeza teórica que nos fornece o Marxismo Revolucionário, que na etapa histórica contemporânea da luta de classes no Brasil, o ACFA (hegemonizado ininterruptamente ao longo das últimas sete décadas pelos generais Castelistas) segue ainda mais subordinado as ordens do Pentágono do que no período do golpe militar de 1964.