Há exatos 20 anos, entre os dias 11 e 12 de abril de 2002, a Venezuela foi
palco de um golpe de Estado orquestrado pelos EUA, que apontava para a
instauração de uma brutal ditadura cívico-militar a la Fujimori. O golpe
fracassou, mas demonstrou a disposição do então governo Bush de apostar em
aventuras golpistas para aumentar seu controle econômico, político e militar
sobre suas
A recondução de Chávez ao poder, tutelado pelas FFAA e
sob uma nova correlação de forças com a oposição burguesa, como demonstram as concessões
políticas que fez posteriormente à direita golpista, apontaram para as massas
venezuelanas a falência do projeto da “revolução bolivariana” e a necessidade
de forjar um caminho proletário e revolucionário independente das frações
burguesas em conflito, pois a “trégua” pactuada pelo regime Chavista com o
imperialismo ianque baseou- se em um ataque ainda maior às condições de vida da
população trabalhadora, como vemos hoje, dezesseis anos após o golpe de abril.
Incrivelmente, quase todas as explicações para o fracasso do golpe de estado
apontam que o erro dos golpistas foi ter “rompido com as instituições
democráticas”, algo que não seria mais admissível nos tempos atuais, etc., o
que não passa de uma balela democratizante para consumo da “opinião pública”.
Os próprios EUA trataram de espalhar a versão de que torciam pela derrubada de
Chávez, “mas apenas por vias democráticas”. Na verdade, a recondução de Chávez
à presidência da Venezuela se deveu à sequência de atropelos cometidos pelo
efêmero governo golpista encabeçado pelo presidente do sindicato patronal
Federação de Câmaras, Pedro Carmona, em composição com a cúpula militar
venezuelana, apoiados pelo imperialismo ianque. Decisivo para o fracasso, não
foram o fechamento da Assembleia Nacional, a dissolução da Suprema Corte
Venezuelana, e muito menos o alijamento da Central dos Trabalhadores
Venezuelanos do governo, como destacam a mídia burguesa. Apesar destas medidas
contribuírem para o isolamento da cúpula dos golpistas, é exatamente com elas
que se iniciam quase todos os golpes. O problema residiu na fragilidade
econômica do Estado venezuelano para suportar o aumento do parasitismo
imperialista.
A base material da torpeza do golpe foi o excesso de medidas
entreguistas tomadas em favor dos interesses do imperialismo, mas que ao mesmo
tempo atentavam contra a existência do próprio Estado já bastante debilitado
financeiramente, provocando a vacilação e retrocesso no golpe por parte da
casta militar diretamente vinculada ao caixa do Estado. A principal estupidez
cometida pelo novo governo foi o afastamento da Venezuela da OPEP, rompendo com
sua política de preços e de cotas de produção, o que fez despencar o preço do
produto no mercado mundial. Pois o provisório “governo” Carmona cometeu este
ato de loucura que precipitou seu fim. O benefício imediato dos EUA não pagava
o risco de matar a galinha dos ovos de ouro, o Estado venezuelano. E sem ele,
quem patrocinaria as FFAA venezuelanas? Estas medidas provocariam uma
desvalorização absurda do petróleo exportado pelo país, e levariam a bancarrota
financeira do Estado venezuelano em curtíssimo prazo. Os resultados desta
abrupta desvalorização se alastrariam por todo o mercado mundial e poderia
abalar profundamente ao conjunto dos países fornecedores de hidrocarbonetos.
Por sua vez, a eliminação dos poderes do legislativo, da Constituição e do
judiciário pelo governo provisório, instaurando um governo ultradireitista,
assustou as burguesias latino-americanas, criando um grave precedente golpista,
apontado contra elas mesmas, fato que contribuiu para a reprovação diplomática
de quase todos os governos do continente, a exceção dos próprios EUA e da
Colômbia. O golpe foi uma patetada da cúpula militar venezuelana, conduzida por
um setor ultraentreguista das FFAA e pelo empresariado ligado à petroleira
Venoco e à Fedecámaras, que se deram conta do “ato de loucura” que estavam
praticando só depois de tê-lo iniciado.
O fenômeno do Chavismo nasceu como uma alternativa política
burguesa para o esgotamento de exploração imperialista baseada exclusivamente
no modelo monoprodutivo petroleiro e para o esgotamento do regime das
oligarquias, o bipartidarismo (revezamento no poder dos partidos AD e COPEI)
que governou o país durante mais de três décadas. Desde o levante popular do
Caracazo em 1989, nenhum governo conseguiu reestabilizar a democracia
venezuelana e com a eleição de Chávez, dez anos depois a burguesia pretendia
canalizar o descontentamento popular para o terreno da institucionalidade. O
chavismo surgiu prometendo eliminar a corrupção, desenvolver outros ramos
industriais e salvar o Estado da bancarrota, aumentando a arrecadação de
impostos sob a exploração local e os preços do produto em nível internacional,
mas fracassou em todos os terrenos. O alto custo do parasitismo das oligarquias
capitalistas locais e estrangeiras impede qualquer alívio nos cofres estatais
mesmo quando sobe o preço do barril. A incapacidade do Chavismo ou de qualquer
setor da burguesia nacional(Boliburguesia)de resolver minimamente as tarefas
democrático-burguesas de desenvolvimento nacional pendentes, dada a dependência
pusilânime que lhes mantêm atados ao imperialismo, colocou o governo Chávez num
impasse e, ao invés de diminuir a dependência do país em relação ao petróleo,
Chávez aprofundou o caráter petrolífero da economia. Trata-se de mais uma
demonstração inequívoca de que não há saída progressista para a exploração e
opressão nacionais fora do caminho da revolução proletária e da Ditadura do
Proletariado.
Se o golpe de 2002 fracassou pela falta de respaldo de
setores do imperialismo, agora com a oposição tendo ampliado sua base social e
eleitoral, gestam-se as premissas para a Casa Branca impor uma alternativa ao
“Socialismo do Século XXI” pela chamada via democrática em 2018, porém sempre
ancorada na chantagem das FFAA retirarem seu apoio vital ao regime chavista ,
na medida em que cresce seu desgaste, produto da recessão econômica. O
“Socialismo do Século XXI” vive um processo de profundo desgaste porque não
passa de uma alternativa burguesa nacionalista com um corte demagógico
"socialista". Como não avança em nenhuma medida que de fato ataque a
burguesia enquanto classe, não expropria os meios de produção e se nega a
atender as demandas populares mais elementares, o Chavismo acaba se desmoralizando
junto aos trabalhadores e abrindo caminho para a volta da direita pela própria
via eleitoral e parlamentar. Essa dinâmica política em favor do fortalecimento
da direita pró-imperialista é um movimento quase inevitável da burguesia em
países como Equador e Bolívia, que se espelhavam na Venezuela. Embora os poucos
governos da centro-esquerda que sobreviveram na América Latina, ainda detenham
o apoio popular majoritário, vão perdendo paulatinamente sua base social para a
oposição de direita que, pelo profundo desgaste destas gestões, se lançam como
uma alternativa "democrática" eleitoral viável para os capitalistas
e, via de regra, usam as FFAA para chantageá-los.
A alta cúpula das FFAA, principal pilar de sustentação
política do regime nacionalista burguês, que dará a palavra final da transição
em comum acordo com Washington, buscará se apropriar do enorme espólio político
de Chávez, para comandar com mais
legitimidade este processo. O certo é que todas essas frações, com interesses
particulares dentro do aparato estatal, com ou sem Maduro na liderança, desejam
manter o regime de exploração capitalista, seja com cores “nacionalistas” ou
entreguistas. Por fim, a cúpula do regime do "socialismo do século
XXI" sabe que a direita golpista está ávida para desferir um golpe letal
contra seu governo. Esta manobra pode assumir a feição de uma falsa
“mobilização democrática”, tramada com a ajuda da CIA diante do agravamento da
crise econômica , com reivindicações populares por exemplo. O exemplo do apoio
dado pelo imperialismo aos ex-rebeldes na Síria “vendidos” ao mundo como
“amantes da democracia” é o modus operandi que a Casa Branca pretende usar na
Venezuela para colocar em marcha a contrarrevolução armada.
Para os trabalhadores urbanos e camponeses venezuelanos, que
acompanham passivos o debilitamento do
regime bolivariano instaurado por Chávez,
e buscam intervir de forma independente no desenrolar dos
acontecimentos, deve-se abstrair a lição de que é preciso, desde já, preparar
uma alternativa política revolucionária dos explorados tanto ao Chavismo
decadente como à direita reacionária golpista. É necessário preparar o terreno
para a construção de um genuíno partido operário revolucionário capaz de
enfrentar a onda de reação “democrática” ou mesmo a direita fascista no caso de
um novo golpe “cívico-militar”, fazendo um combate programático completamente
oposto à cantilena pregada por toda sorte de revisionistas e neostalinistas de
que está em curso uma “revolução” na Venezuela.