MIANMAR: DERROTAR A BARBARA REPRESSÃO MILITAR NA PERSPECTIVA DO SOCIALISMO!
Há um mês após do Golpe de Estado de primeiro de fevereiro, intensificam-se os protestos contra o Exército que que prendeu o chefe do Governo civil, Win Myint e a líder de fato do país, Aung San Suu Kyi, uma senhora de 75 anos. A junta militar respondeu à rebelião popular com uma escalada de violência, bloqueios de internet, estado de emergência por um ano, lei marcial, veículos blindados nas ruas, tiroteios e prisões à noite, com cerca de 850 detidos de acordo com a Associação de Assistência aos Presos Políticos, e um saldo entre dez ou doze mortes segundo as fontes locais, pelo menos até a repressão deste último sábado que causou mais de18 mortes e uma centenas de novos presos, segundo a BBC.
Assim, de um só golpe, a década de transição democrática
parece ter sido reduzida a nada. Suu Kyi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz e
ícone desse processo, está mais uma vez em prisão domiciliar. A Junta militar
declara que o que aconteceu no dia 1º de fevereiro não foi um golpe, mas uma
intervenção para salvar a Constituição, supostamente em risco após a fraude
eleitoral, nas eleições de 8 de novembro. Nessas eleições, a Liga Nacional para
a Democracia (NLD) esmagou o Partido da União de Solidariedade e
Desenvolvimento (USDP) dos militares.
Durante 50 anos, entre 1962 e 2011, os militares governaram
Mianmar. O isolamento internacional, a pressão interna de sua população e uma
economia em queda livre os levaram a um processo de "abertura
democrática" em 2011, mas sem se afastar ou desistir do controle do poder
estatal. Aprovaram uma Constituição fraudulenta que reserva 25% dos assentos no
Parlamento e concede-lhes três ministérios: Interior, Defesa e Fronteiras. Impede também que Suu Kyi seja chefe de
Estado, com um artigo feito sob medida para ela, que proíbe a posição de quem,
como ela, tem filhos de nacionalidade estrangeira.
Mas, embora o golpe de Estado tenha devolvido o Exército a
gestão política absoluta, Mianmar é um país que se abriu bastante a influência
do mercado internacional. Com o processo de abertura veio o investimento
estrangeiro, atraído por um mercado ainda a ser explorado e pelo potencial de
setores como o jade, madeira ou mineração. O PIB per capita dobrou em 10 anos:
agora é de $1.408 por ano. Em cidades como Yangon ou Mandalay, mansões
espetaculares e palácios reais de outras épocas coexistem com grandes centros
comerciais. Se há 10 anos um cartão 3G custava milhares de dólares, hoje 54
milhões de habitantes têm acesso à internet e 22 milhões têm contas no
Facebook.
Os investimentos estrangeiros (Cingapura, China e Japão
nesta ordem) provocaram o crescimento dos serviços e da indústria, relegando a
agricultura ao terceiro lugar na composição do PIB, e apesar de este continuar
sendo a principal fonte de empregos, milhões eles têm sido incorporado à fábrica,
transporte e serviços. Embora o principal produto de exportação seja o gás, os
produtos têxteis e calçados já representam um valor de exportação de cerca de
6.000 milhões de dólares, com um crescimento de 255% nos têxteis no período
2013-2018 e de 350% no calçado.
Este verdadeiro novo jovem proletariado(cerca de metade da
população tem menos de 30 anos),e está “conectado com a mídia corporativa do
resto do mundo, com as tendências e discursos políticos democratizantes e
econômicos neoliberais globais. São eles, o proletariado juvenil,
principalmente, que têm saído às ruas atualmente. Não necessariamente para
defender o NLD, mas para repudiar a truculência assassina do Exército.
A crescente desigualdade, a concentração de riqueza entre as
elites ligadas ao exército, o crescimento da pobreza, especialmente a miséria
rural, as desapropriações de terras que obrigaram muitos a emigrar para a
Tailândia e as consequências de uma pandemia que afetou desproporcionalmente os
mais pobres aparecem como o combustível do protesto.
A independência de Mianmar foi concedida em 1948 pelo
Império Britânico, arrastando uma divisão étnica promovida pelos colonizadores
e que se prolongaria no tempo. O general Aung San, pai de Suu Kyi e herói da
pátria birmanesa, ofereceu aos líderes das minorias que se unissem à nascente
União birmanesa com a promessa de ampla autonomia. Isso não aconteceu. Aung San foi assassinado
meses antes do nascimento do “novo” país. A rebelião das minorias que esta
situação desencadeou, abriu as portas à liderança do Exército na política
birmanesa. Em 1962, o general Ne Win deu o golpe que levaria os militares ao
poder por 49 anos.
O Tatmadaw (como é popularmente conhecido o Exército) tem a
sensação de "representar a alma da nação".A história assumida pelo
Tatmadaw tem sido "lutar para controlar o país, para criar um estado-nação
contra uma série de “inimigos internos”, toda uma gama de forças étnicas, que
os confrontam e desafiam a natureza de um Estado-nação moderno. Eles são então
considerados "como o único fator que mantém o país unido". É claro
que isso se soma à corrupção sistêmica, a uma mentalidade de elite e à gestão
de conglomerados empresariais pertencentes ao Exército que controlam boa parte
dos setores mais lucrativos do país.
Suu Kyi passou a maior parte das duas décadas de 1989 a 2010
detida até se tornar parlamentar em 2012, podendo deixar o país pela primeira
vez em 24 anos. Essa trajetória de resistência à ditadura rendeu-lhe
reconhecimento internacional e o Prêmio Nobel da Paz de 1991. Mas o genocídio
dos Rohingya mostrou sua cara de "supremacia" birmanesa. E os limites
da “transição democrática” que se avistam, representam o desafio político para
a vanguarda dos trabalhadores de derrotarem a cúpula do Exército, única forma de
garantir a perspectiva do socialismo, uma tarefa que a burguesia liberal,
representada pelo NLD é historicamente impotente para cumprir.