quinta-feira, 20 de maio de 2021

ELEIÇÕES PARA A CONSTITUINTE NO CHILE: DERROTA DO REGIME PINOCHETISTA...? PERO NO MUCHO!

Karl Marx nos ensinou a analisar cientificamente os fenômenos humanos, políticos e sociais para além das aparências. Como seus discípulos, agregamos que esta lição teórica se impõe particularmenre quando tratamos de fenômenos eleitorais no marco da democracia burguesa, cujos resultados das urnas refletem deformadamente a luta viva, dialética e concreta entre as classes sociais. A “leitura” do quadro eleitoral parido das eleições para a Convenção Constituinte no Chile deve ter esse criterioso “olhar” marxista para que não se caia no impressionismo vulgar próprio da esquerda reformista hegemônica, a mesma que vê “revoluções na esquina” e, muitas vezes, apresenta derrotas como vitórias para melhor se adaptar a democracia burguesa e suas instituições de fachada. Fazemos essa breve introdução para apontar uma caracterização diferenciada do que vêm apresentando o conjunto da esquerda domesticada sobre os resultados da disputa de domingo (16.05) no Chile.

Analisando friamente os resultados (tabela acima) vemos que o regime pinochetista de conjunto (seus partidos e instituições) não saiu derrotado do pleito, cujo comparecimento às urnas foi de apenas 42,5%, menor que a participação popular no plebiscito de outubro de 2020, pontuando como primeiro elemento central a ser elencado uma abstenção altíssima que reflete o descrédito de ampla parcela dos chilenos no processo "constituinte" em curso, tão festejado pela esquerda como a festa da democracia! 

Se é verdade que os partidos da coligação da direita tradicional (Vamos por Chile) não alcançaram sozinhos o 1/3 necessário para ter poder de veto na “Convenção Constitucional” formada por 155 parlamentares eleitos, é um dado muito importante que foi a aliança partidária mais votada no país, alcançando 38 assentos conquistados por legendas declaradamente apoiadoras de Piñera, o mesmo presidente que enfrenta a mais de um ano protestos populares intensos, com centenas de mortos e feridos pela repressão estatal e que personifica o regime pinochetista que obviamente vai além dele e seus espectro político direto.

A coligação Apruebo, formada pela Democracia Cristã, o PS e outras siglas burgueses menores que vão da centro-direita até a centro-esquerda conquistou 25 cadeiras. É neste momento uma força auxiliar do regime, atua sempre em seu socorro como foi nos últimos 30 anos, quando foi protagonista seguidamente na presidência da república. Esse arco político (ex-Concertación) majoritariamente sustenta o regime pinochetista e irá votar nos temas fundamentais para o grande capital com o bloco direitista de Piñera, garantindo assim uma amarra central a qualquer avanço progressivo no curso da “Convenção”, um processo que por si só é caricatura de uma verdadeira “assembleia nacional constituinte livre e soberana”. 

A nova Constituição só será aprovada com a maioria de 2/3 da Convenção (17 cadeiras estão reservados para “candidatos indígenas”), o que indica as alianças entre diversas forças políticas burguesas que sustentaram até hoje o regime pinochetista.

O fato dos chamados “Independentes”, particularmente a chamada “Lista del Pueblo” ter conquistado 27 cadeiras, apenas um convencional a menos que a coligação Apruebo Dignidade, controlada pela PC e a Frente Ampla (Revolução Democrática-RD, Convergência Social-CS, Esquerda Libertária, Vitória Popular e Partido Igualdade e Ação Humanista) que alcançou 28 assentos foi celebrada como um “trunfo da esquerda” por todo o arco reformista mundial, incluindo os grupos trotskistas. 

O MIT da LIT inclusive se diluiu nessa amálgama horizontalista anti-partido para garantir uma vaga de constituinte, uma conduta própria do eleitoralismo vulgar. Segundo a LIT: “O principal fenômeno deste processo foi a eleição de candidatos independentes ligados às lutas sociais (48 dos 155 constituintes), superando a votação dos partidos tradicionais de direita e da esquerda reformista. María Rivera, do MIT (Movimento Internacional dos Trabalhadores, seção da Liga Internacional dos Trabalhadores – LIT), foi uma das constituintes eleitas por uma lista independente.

O que de fato representa a Lista del Pueblo? Uma junção ultra-heterogênea de candidatos de um amplo espectro político de centro-esquerda social-democrata que se proclama contra os partidos e as organizações tradicionais de esquerda, não apenas pelo que representa um justo rechaço a política de colaboração de classes do PC, mas acima de tudo ao perfil social da “militância comunista”, ligada aos sindicatos e entidades estudantis. Não por acaso a lista de sindicalistas do PC que saiu “independente” da coligação partidário não elegeu representantes para a Constituinte.

 A Lista del Pueblo é símbolo do “identitarismo” pequeno-burguês que toma conta dos chamados “movimentos sociais”, cujos referências teóricas e práticas abominam o Leninismo e a disciplina partidária bolchevique. Não por acaso seu manifesto declara “Nuestro objetivo es claro, crear una lista única independiente a nivel nacional, no solo para poder competir en igualdad de condiciones, sino para crear lazos y presionar al gobierno y al sistema político para que dejen de privilegiar a los partidos, que han decidido por el Pueblo y contra el Pueblo, y nosotres, los y las independientes escribamos la Constitución.” Uma prova disso é a declaração de Francisco Caamaño (eleito pela Lista del pueblo): “La Lista del Pueblo dijo que no iba a transar con la derecha, pero no sé qué tan cierto sea eso, porque por lo menos hay que llegar a mínimos comunes”.

Registre-se que os demais “Independentes” agrupados na Nueva Constituicion e demais listas autônomas que conquistaram respectivamente 11 e 27 cadeiras são um espectro ainda mais de centro e longe da chamada “esquerda socialista”.

A própria LIT reconhece, ainda que timidamente, que o regime pinochetista não saiu derrotado, pelo contrário, tem bastante força na Constituinte. O MIT em seu balanço pontua que “Los partidos que gobernaron el país durante los últimos 30 años y que responden a los intereses del gran empresariado sí van a tener más de ⅓ (derecha + ex Concertación). Además de los partidos del gran empresariado, también los partidos reformistas como PC (ex Nueva Mayoría) y Frente Amplio -que firmó el acuerdo por la Paz- tendrán una importante representación en la Constituyente e intentarán negociar permanentemente con los partidos empresariales para salvar el capitalismo chileno, aunque tengan que entregar los anillos para no perder los dedos.” 

Não resta a menor dúvida que o regime pinochetista, seus partidos e aliados conjunturais reformistas têm grande controle do processo Constituinte, ainda mais que Piñera segue no governo central e o aparelho repressor estatal está intacto e extremamente ativo para atacar o povo chileno em sua luta para liquidar o conjunto da ordem burguesa.

Lembremos que esse processo começou a partir das enormes mobilizações sociais e rebeliões populares que chocaram e abalaram o país no final de 2019, e que foram freadas em 2020 por uma pandemia muito conviniente ao capital financeiro e ao próprio governo neofascista de Piñera que estava prestes a cair. 

Foi na verdade uma concessão do regime político para garantir a sobrevivência do governo neoliberal de Sebastián Piñera, que buscou desarmar protestos e mobilizações, ou pelo menos processá-los por meios institucionais, utilizando como carro chefe de sua sobrevivência a pandemia do coronavírus.

O chamado “Acordo para a Paz e a Nova Constituição” de meados de novembro de 2019, foi endossado por todas as partes integrantes do sistema político, incluindo desde a esquerda burguesa até a chamada falsamente de “esquerda radical”. 

O objetivo da manobra institucional da burguesia era claramente a desmobilização e o esvaziamento das ruas, e neste sentido foi parcialmente vitoriosa. Por isso, foi proposto um plebiscito com elementos fraudulentos para limitar qualquer possível modificação estrutural do regime de exploração do capital que vive e sofre o povo chileno há vários séculos.

Nas urnas, o povo chileno em 25 de outubro de 2020 deu um aval político à opção de modificar a constituição atual votando massivamente no “Sim”. Mas a instância da Convenção Constitucional não poderá legislar sobre algumas questões neoliberais do sistema capitalista chileno: por exemplo, não poderá modificar os acordos de livre comércio do Chile com os blocos econômicos mundiais (que definem o modelo econômico neoliberal que tem o país hoje).  Também não é uma Convenção Constituinte plenipotenciária, no sentido de que os demais poderes do Estado podem intervir.  Ou seja, se suas opiniões fossem contrárias ao ordenamento jurídico definido para sua função, os demais poderes do Estado (Executivo, Congresso) poderiam recorrer ao Supremo Tribunal Federal para vetá-las. 

Como podemos ver, é um processo deficiente que contém uma série de mecanismos para enredar e distorcer a vontade popular de colocar abaixo todo o Estado burguês.

No processo eleitoral propriamente dito, convocamos o proletariado a não confiar nos candidatos conciliadores da esquerda burguesa, como os do Partido Socialista, do Partido Comunista, da Frente Ampla que se revelaram a “centro-esquerda” do regime pinochetista que governa Piñera. 

Passadas as eleições do domingo, chamamos novamente as massas chilenas a continuar organizando a rebelião popular e a mobilização direta nas ruas, única ferramenta para desmascarar qualquer tipo de ilusões parlamentares da esquerda reformista aos anseios históricos da classe operária, que se expressaram nasruas para acabar de vez com o regime repressivo fascista e neoliberal do capitalismo.